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Parlamento europeu: Uma proposta de redistribuição dos lugares na sequência do “Brexit”

O assunto é melindroso e qualquer solução apresentará, seguramente, resistências por parte dos estados que se sintam prejudicados ou não tão beneficiados como gostariam. Por Jorge Martins.

Com o abandono da UE por parte do Reino Unido, ficam vagos os 73 lugares que lhe estavam atribuídos no Parlamento Europeu. Irão agora aqueles ser preenchidos por deputados de outros países ou ficarão total ou parcialmente vazios, à espera de futuras adesões? Caso a opção recaia no seu preenchimento (integral ou parcial), uma questão se coloca: quais os critérios para a sua redistribuição?

De acordo com o Tratado de Lisboa, a instituição parlamentar europeia tem um máximo de 751 membros, onde se inclui o respetivo presidente. Aí se estabelece, igualmente, que a respetiva atribuição obedece ao princípio da proporcionalidade degressiva e que o número máximo de representantes de cada Estado não pode ser superior a 96 nem inferior a seis. De acordo com aquele princípio, os países mais povoados têm maior número de representantes, mas, ao contrário do que sucede na proporcionalidade pura, o número de habitantes por eleito deve ser sucessivamente menor, o que garante mais lugares aos menos povoados. Desde 2009, ano em que decorreu o primeiro ato eleitoral sob a égide daquele tratado, que o número total de eurodeputados é igual ao máximo permitido.

Tal como sucedeu com as agências europeias situadas em Londres (como a do medicamento), a maioria dos ex-parceiros do Reino Unido movimenta-se para colher os “despojos” dos britânicos. E, tal como acontece, habitualmente, nas negociações institucionais no seio da UE, formam-se dois blocos: o dos grandes países e os dos pequenos e médios. Os primeiros procuram reforçar o poder que já detém, enquanto os segundos tentam, a todo o custo, evitar ou mitigar a sua crescente secundarização no seio das instituições europeias. Entendem aqueles que, tendo saído um Estado de grandes dimensões, devem os restantes (casos de França, Itália, Espanha e Polónia, já que o número de eurodeputados alemães já atingiu o máximo) reforçar a sua representação no hemiciclo de Bruxelas e Estrasburgo; já os restantes pretendem que a redistribuição se faça de uma forma mais equilibrada.

Há, ainda, alguns setores federalistas no seio do Parlamento Europeu que querem aproveitar a ocasião para defender a criação de um círculo plurinacional de 100 lugares, o que implicaria a redução da representação da maioria dos Estados. Contudo, tal pretensão tenderia a favorecer os grandes países, que teriam maior capacidade de colocar os seus nacionais nas diferentes listas concorrentes a esse círculo pan-europeu. Mas, para além disso, essa proposta tem pouca lógica, mesmo pensando a UE em termos federais. Nas principais federações do mundo onde se realizam eleições competitivas (EUA, Canadá, Austrália, Índia, Nigéria, México, Brasil, Argentina, Alemanha, Suíça, Bélgica e Áustria), independentemente de o sistema eleitoral ser maioritário, proporcional ou misto, a representação é feita, em geral, ao nível dos estados federados. Nas eleições para as Câmaras Baixas desses países, apenas existe um círculo federal de compensação na Áustria, enquanto no México os lugares de representação proporcional são eleitos em cinco círculos resultantes da agregação de vários estados federados. Sendo a UE não uma federação, mas uma união de Estados soberanos, não faz sentido tal círculo plurinacional.

Por outro lado, para a determinação do número de eurodeputados que cabem a cada Estado, há quem defenda uma fórmula matemática pura, mas a verdade é que estas não são neutras, podendo favorecer os países maiores ou os mais pequenos, consoante os casos.

Outros há que defendem que se mantenha tudo como está, isto é, através da negociação entre os estados membros. Este método favorece a barganha, acabando por levar a números que refletem mais a capacidade de negociação e/ou de reivindicação de um ou outro país que uma lógica coerente na atribuição do número de mandatos, colocando, mesmo, em causa o próprio princípio da proporcionalidade degressiva, que acaba por ser interpretado de forma bastante lata. Olhando para o quadro da situação atual, verificamos que há várias anomalias nesse aspeto: o número de habitantes por eurodeputado é maior para a França e o Reino Unido relativamente à Alemanha, a Espanha face à Itália, a Holanda com respeito à Roménia, a Suécia em comparação com Portugal, a Áustria em relação à Hungria, a Dinamarca comparativamente à Bulgária e a Irlanda versus a Finlândia e a Eslováquia. Ou seja, de acordo com aquele princípio, os países enumerados em primeiro lugar estão sub-representados face aos segundos. É certo que, em alguns casos, elas se devem aos movimentos da população ocorridos nos dez anos que mediaram entre a assinatura do Tratado de Lisboa e a atualidade. Mas isso só mostra que essa solução não possui a flexibilidade necessária para acolher as mudanças demográficas e, consequentemente, adequar a representação dos Estados membros a essas alterações.

Ora, parece-me que existe uma fórmula que, sem necessidade de rever os tratados, garante uma repartição equilibrada entre os grandes e os pequenos e médios Estados e salvaguarda o princípio da proporcionalidade degressiva, que denominarei de Proposta 1. Esta poderia aplicar-se, desde já, à repartição dos eurodeputados britânicos e implicaria o preenchimento da totalidade dos 73 lugares deixados vagos pelo “Brexit”. Em que consistiria, então, a minha primeira proposta?

Para determinar o número de eleitos de cada país, recorreríamos aos dados da população residente em cada um deles, de acordo com os dados mais recentes do Eurostat, referentes a 1 de janeiro de 2017. Depois, estabeleceríamos os seguintes critérios:

1. Cada estado membro teria, à partida, direito à eleição de seis eurodeputados, valor mínimo estabelecido no Tratado de Lisboa;

2. Os estados cuja população fosse superior a um milhão de habitantes teriam direito a mais um representante por cada 500 mil residentes e, igualmente, mais um pelos remanescentes em número inferior a esse valor, acima de um milhão e até ao limite máximo de dez milhões;

3. Os países cuja população fosse superior a dez milhões de habitantes teriam mais um eleito por cada milhão de residentes e, ainda, mais um pelos remanescentes em número inferior a esse valor, acima de dez milhões e até ao limite máximo de 82 milhões;

4. Os países cuja população fosse superior a 82 milhões de habitantes deixariam de beneficiar de qualquer acréscimo no número de eurodeputados, pois o limite máximo de 96 foi atingido;

5. Para preencher os 751 lugares disponíveis e respeitar o princípio da proporcionalidade degressiva, proceder-se-ia como se segue.

5.1). Se o número de lugares atribuídos por aquela fórmula fosse inferior ao máximo de 751:

a) seriam atribuídos mandatos aos países que, face à distribuição efetuada, se encontrassem mais prejudicados pelas discrepâncias na relação população/eleitos face ao princípio da proporcionalidade degressiva, até à eliminação completa daquelas distorções;

b) se, após aquela correção, fosse ultrapassado o máximo de 751 membros do PE, seriam retirados lugares, por ordem decrescente, aos países que, face à eleição anterior, mais tivessem visto aumentar o seu número de representantes, desde que se mantivesse o respeito pelo princípio da proporcionalidade degressiva;

c) se, na aplicação do ponto anterior, houvesse um número de estados nas mesmas circunstâncias, os lugares seriam retirados ao(s) estado(s) de menor dimensão, exceto se essa solução desrespeitasse aquele princípio;

5.2). Se o número de lugares atribuídos por aquela fórmula fosse superior ao máximo de 751, proceder-se-ia de forma inversa:

a) seriam retirados mandatos aos países que, face à distribuição efetuada, se encontrassem mais beneficiados pelas discrepâncias na relação população/eleitos face ao princípio da proporcionalidade degressiva, até à eliminação completa daquelas distorções;

b) se, após aquela correção, não se atingisse o máximo de 751 membros do PE, seriam adicionados lugares, por ordem crescente, aos países que mais tivessem visto diminuir o seu número de representantes, desde que se mantivesse o respeito pelo princípio da proporcionalidade degressiva;

c) se, na aplicação do ponto anterior, houvesse um número de estados nas mesmas circunstâncias, os lugares seriam adicionados ao(s) estado(s) de maior dimensão, exceto se essa solução desrespeitasse aquele princípio;

6. Transitoriamente, e na distribuição resultante do “Brexit”, assegurar-se-ia que nenhum estado membro teria menos lugares atribuídos que atualmente.

Os aspetos mais relevantes da aplicação desta proposta, que pode ser acompanhada no Quadro 1 (ver Quadro aqui), seriam os seguintes:

1. Malta, Luxemburgo e Chipre não atingem o milhão de residentes e continuariam com o mínimo de seis eurodeputados;

2. A Estónia, com cerca de 1,3 milhões de habitantes, teria direito a mais um, devido aos 300 mil remanescentes;

3. Portugal, República Checa e Grécia, com um número de residentes entre 10 e 11 milhões, terão direito a 25 eurodeputados (o mínimo de seis, mais 18 decorrentes da aplicação da regra 2 e mais um pelos remanescentes acima dos 10 e abaixo dos 11 milhões);

4. A Alemanha, com 82,8 milhões de habitantes, manteria os seus atuais 96 lugares;

5. Na primeira distribuição, teríamos, então, atribuídos 748 lugares.

6. De acordo com a cláusula transitória, de que nenhum estado poderia perder lugares com a redistribuição, seria atribuído um lugar adicional à Lituânia, que, na distribuição inicial, perderia um representante. Restariam, então, duas cadeiras por preencher;

7. Posteriormente, teria de adequar-se a distribuição final à proporcionalidade degressiva. Assim, na relação habitantes/deputado, a Suécia (face a Portugal), a Eslováquia (relativamente à Dinamarca e à Finlândia) e a Letónia (com respeito à Eslovénia) ficariam prejudicadas, pelo que teriam direito a mais um lugar. Porém, a atribuição de mais um deputado à Suécia obrigaria a conceder, igualmente, um representante adicional à Hungria e, logo de seguida, à Áustria. Por seu turno, a atribuição de mais um eurodeputado à Eslováquia implicaria compensar a Irlanda e, seguidamente, a Croácia. Logo, estaríamos com 756 membros, pelo que haveria que retirar cinco;

8. Então, estes seriam retirados, de imediato, à França (que ganharia oito na primeira distribuição), à Espanha (sete), à Holanda (seis) e à Bélgica (cinco). Suécia e Áustria também ganhariam cinco representantes, mas retirar-lhes um lugar violaria a proporcionalidade degressiva. O mesmo sucederia com aqueles que ganhariam quatro (Irlanda, Hungria, Portugal, Rep. Checa e Grécia) ou três (Eslováquia, Finlândia e Dinamarca). Logo, teríamos de recorrer aos que teriam mais dois: Roménia e Itália. Tendo a primeira menor dimensão, seria a Roménia que teria de dispensar um dos seus lugares adicionais. Estaria, assim, concluída a distribuição dos 751 membros do PE.

Esta fórmula teria a vantagem de garantir uma atribuição dos lugares de forma mais coerente e objetiva, mesmo sabendo-se que nenhuma é neutra; de manter o equilíbrio entre grandes, médios e pequenos países; de respeitar, fielmente, o princípio da proporcionalidade degressiva, inscrito nos tratados, ao contrário do que sucede atualmente; de adequar a representação no PE às mudanças demográficas ocorridas no seio da UE. A principal desvantagem seria o facto de não estar preparada para futuras adesões, que, a ocorrerem, obrigariam a repensar toda a fórmula.

Por isso, e perante uma ideia que começa a fazer caminho em Bruxelas e Estrasburgo, há outra possibilidade: deixar um certo número de lugar vagos para os futuros estados membros. Atualmente, há cinco países candidatos: Turquia, Montenegro, Macedónia, Sérvia e Albânia. Mesmo que, por razões políticas e/ou económicas, a sua adesão pareça distante, poder-se-ia fazer uma redistribuição que evitasse estar a alterar a composição do PE no momento da sua entrada. Se, para os últimos quatro, tal é possível, uma hipotética adesão da Turquia (um país com mais de 79 milhões de habitantes e um crescimento demográfico superior à média da UE) obrigaria à retirada de lugares a quase todos os estados membros ou, em alternativa, a um aumento do número de eurodeputados. Com efeito, aplicando a fórmula acima proposta, caberiam aos turcos 94 representantes. Logo, a segunda alternativa que apresento, designada por Proposta 2, apenas poderia acomodar a adesão dos quatro estados balcânicos acima referidos.

Nesta segunda proposta, a principal diferença face à anterior estaria na segunda regra, que diria o seguinte:

“Os estados cuja população fosse superior a um milhão de habitantes teriam direito a mais um representante por cada 500 mil residentes e, igualmente, mais um pelos remanescentes em número inferior a esse valor, acima de um milhão e até ao limite de seis milhões” (e não dez, como na primeira proposta). Consequentemente, o número máximo de 96 eurodeputados só seria atingido aos 86 milhões de habitantes (e não aos 82 milhões, como na anterior).

Para o efeito da distribuição dos lugares no PE, proceder-se-ia como se a UE já tivesse 31 membros. Obviamente, no final, os lugares dos países candidatos ficariam vagos até à sua adesão.

Aplicando-se esta proposta, que se pode acompanhar no Quadro 2 (ver Quadro aqui), teríamos, como dados mais relevantes, os seguintes:

1. Malta, Montenegro, Luxemburgo e Chipre não atingem o milhão de residentes e apenas teriam direito ao mínimo de seis eurodeputados;

2. A Estónia, com cerca de 1,3 milhões de habitantes, teria direito a mais um, devido aos 300 mil remanescentes;

3. Portugal (tal como a República Checa e a Grécia), com um número de residentes entre 10 e 11 milhões, manteria os 21 eurodeputados que atualmente detém (o mínimo de seis, mais dez pela regra 2 e ainda mais cinco decorrentes da aplicação da regra 3, sendo quatro pelos milhões inteiros entre seis e dez e mais um pelos remanescentes acima dos 10 e abaixo dos 11 milhões);

4. A Alemanha, com 82,8 milhões de habitantes, ficaria apenas com 93 dos seus atuais 96 lugares;

5. Na primeira distribuição, teríamos, então, atribuídos 736 lugares.

6. De acordo com a cláusula transitória, de que nenhum estado poderia perder lugares com a redistribuição, seriam atribuídos três lugares adicionais à Alemanha e à Polónia, dois à Itália e à Roménia e um à Hungria e à Lituânia, o que elevaria o número de cadeiras preenchidas para 748;

7. Posteriormente, teria de adequar-se a distribuição final à proporcionalidade degressiva. Assim, na relação habitantes/deputado, a França (em relação à Alemanha) a Suécia (face a Portugal), a Eslováquia (relativamente à Dinamarca e à Finlândia), a Letónia (com respeito à Macedónia e à Eslovénia) e a Albânia (em cotejo com a Lituânia) ficariam prejudicadas, pelo que teriam direito a mais um lugar. Porém, a atribuição de mais um eurodeputado à Eslováquia implicaria compensar a Irlanda e, seguidamente, a Croácia, tal como na proposta anterior. Logo, estaríamos com 755 membros, pelo que haveria que retirar quatro;

8. Teríamos, então, de ver quais os países mais beneficiados até ao momento. A França, que ganharia cinco lugares na primeira distribuição, estaria à frente, mas não se lhe poderia retirar a cadeira adicional, pois ficaria em desvantagem face à Alemanha. Seguir-se-ia a Irlanda, com quatro, mas, nesta primeira ronda, ficaria prejudicada em relação à Eslováquia, pelo que teríamos de passar aos estados com três a mais: Croácia, Eslováquia, Finlândia, Dinamarca e Espanha. A primeira ficaria a perder relativamente à Irlanda e a última face à Itália, mas seria possível retirar um lugar às três do meio. Então, com a saída de um elemento da Eslováquia, já se poderia retirar um eurodeputado à Irlanda, completando-se os 751 lugares disponíveis;

9. Nesta hipótese, o PE passaria a ter, transitoriamente, 707 membros, ficando vagos 44. Estes últimos ficariam disponíveis para as adesões do Montenegro (6), Macedónia (9), Albânia (11) e Sérvia (18).

Esta proposta teria as vantagens da anterior, embora seja menos amiga dos médios países, favorecendo antes os pequenos, mas permitiria que, no próximo alargamento, não fosse necessário mexer no número de representantes no PE.

Para já, deverá estar prestes a sair o relatório da comissão do PE encarregada de apresentar uma proposta. Esta deverá, entretanto, ser discutida e votada no plenário, eventualmente a tempo do Conselho Europeu de fevereiro.

Claro que o assunto é melindroso e qualquer solução apresentará, seguramente, resistências por parte dos estados que se sintam prejudicados ou não tão beneficiados como gostariam. Por isso, o mais provável é que a decisão seja tomada através da barganha habitual. Era bom que assim não fosse, mas, no estado em que se encontra atualmente a UE, é difícil que assim não seja.

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