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Pandemia expôs políticas que perpetuam a desigualdade, diz a Amnistia

A Amnistia Internacional divulgou o relatório anual de 2020, onde afirma que a pandemia pôs a nu a “desigualdade sistémica em todo o mundo”. Em relação a Portugal, a ONG aponta lacunas nos direitos à saúde e à habitação e destaca a morte de Ihor Homeniuk.
Vala comum no cemitério do Tarumã, em Manaus, Brasil. Fotos Públicas.
Vala comum no cemitério do Tarumã, em Manaus, Brasil. Fotos Públicas.

A Amnistia Internacional (AI) divulgou esta quarta-feira, 7 de abril, o relatório anual de 2020, “The State of the World’s Human Rights 2020/21”.

Neste relatório, a AI destaca que a pandemia expôs a “desigualdade sistémica em todo o mundo”, sublinhando que ela afeta em particular minorias étnicas, mulheres e profissionais de saúde.

O relatório denuncia também que a pandemia foi usada por líderes políticos para aumentarem o seu ataque aos direitos humanos.

Sistemas de saúde negligenciados”

O relatório salienta que a covid-19 pôs a nu a degradação dos serviços de saúde e a irregularidade dos apoios socioeconómicos, mas também as políticas de austeridade ao longo de décadas.

A nova secretária-geral da Amnistia Internacional afirma: “A COVID-19 expôs e aprofundou brutalmente a desigualdade dentro dos países e entre eles, e destacou a impressionante negligência dos nossos líderes pela humanidade comum. Décadas de políticas divisórias, medidas de austeridade e escolhas erradas de líderes em não investir na melhoria de infraestruturas públicas em ruínas, deixaram a este vírus demasiadas presas fáceis”.

E frisa: “Enfrentamos um mundo em desordem. Neste ponto da pandemia, mesmos os líderes mais iludidos teriam dificuldade em negar que os nossos sistemas sociais, económicos e políticos estão destroçados.”

O relatório, que analisa 149 países, salienta que as desigualdades existentes afetaram nomeadamente minorias étnicas, migrantes, refugiados, pessoas com deficiência, pessoas mais idosas, mulheres e crianças.

Sobre a situação de refugiados e migrantes, a AI diz que a Covid-19 agravou a sua situação precária, aprisionando pessoas em campos com condições degradantes, cortando abastecimentos vitais ou precipitando controlos fronteiriços.

O relatório sublinha também um aumento da violência de género e da violência doméstica, com muitas mulheres e pessoas LGBTI a enfrentarem maiores dificuldades de proteção e apoio devido às restrições à liberdade de circulação, assim como à falta de meios adequados para a denúncia dos abusos e de garantias de proteção das vítimas.

A AI denuncia também a degradação de serviços de saúde e as insuficientes medidas de proteção social, nomeadamente em relação a profissionais de saúde e às pessoas do setor informal.

Agnès Callamard frisa: “Estamos a colher os resultados de anos de negligência intencional às mãos dos nossos líderes. Em 2020, sob o peso único de uma pandemia, os sistemas de saúde foram submetidos a um derradeiro teste e as pessoas foram deixadas financeiramente em queda livre. Os heróis de 2020 foram os profissionais de saúde, que nas linhas da frente salvaram vidas, e aqueles no fundo da escala de rendimentos que trabalharam para alimentar as famílias e manter em funcionamento os nossos serviços essenciais. Cruelmente, aqueles que mais deram, foram os menos protegidos”.

Líderes que fizeram da COVID-19 uma arma de ataque aos direitos humanos

A AI lembra que a gestão da pandemia foi usada por muitos líderes para aumentarem o ataque aos direitos humanos.

“Temos visto um espectro de respostas dos nossos líderes; do medíocre ao aldrabão, do egoísta ao fraudulento. Alguns tentaram normalizar as medidas de emergência autoritárias que introduziram para combater a COVID-19, enquanto uma variante altamente perigosa de líderes foi mais além. Viram isto como uma oportunidade para consolidar o seu próprio poder. Ao invés de apoiar e proteger, estes líderes simplesmente fizeram da pandemia uma arma para devastar os direitos das pessoas”, diz a secretária-geral da AI.

O relatório exemplifica o caso de Viktor Orban que aproveitou a pandemia para alterar o Código Penal da Hungria, introduzindo alterações para criminalizar críticas relacionadas com a pandemia.

Segundo a Amnistia Internacional Portugal, o relatório refere que nos estados do Golfo, no Bahrein, no Kuwait, em Omã, na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos, os poderes vigentes usaram a pandemia para continuar a suprimir o direito à liberdade de expressão, “incluindo ao acusarem indivíduos que publicaram comentários nas redes sociais sobre as respostas governamentais à pandemia, por difundirem ‘notícias falsas’”.

A ONG refere também o aumento da violência policial, em diversos países, nomeadamente, no Brasil, sob a presidência de Bolsonaro, onde a polícia matou uma média de 17 pessoas por dia, entre janeiro e junho de 2021. Nas Filipinas, o presidente Duterte chegou a anunciar ter ordenado à polícia que “matasse” a tiro as pessoas que protestassem durante os confinamentos. Na Índia, com Narendra Modi, aumentou a repressão aos ativistas sociais, chegando as autoridades a realizarem raides “antiterroristas” às casas de ativistas. Na China, com Xi Jinping, aumentou a perseguição aos uigures e a outras minorias muçulmanas e foi introduzida uma nova lei de segurança em Hong-Kong para legitimar a repressão.

Bloqueio à cooperação internacional: Vacinas e dívida

A AI acusa também líderes de países ricos, que prejudicaram a cooperação internacional e os esforços coletivos de recuperação.

A Amnistia denuncia que os países ricos compraram a maior parte do funcionamento mundial de vacinas e não pressionam as empresas farmacêuticas a partilharem o seu conhecimento e tecnologia.

O G20 ofereceu-se para suspender os pagamentos da dívida dos países mais pobres, mas exigiu que o dinheiro seja reembolsado mais tarde com juros, acusa a AI.

Os estados devem assegurar que as vacinas estão rapidamente disponíveis para todos, em todo o lado, e de forma gratuita. As empresas farmacêuticas têm de partilhar o seu conhecimento e tecnologia para que ninguém seja deixado para trás. Os membros do G20 e as instituições financeiras internacionais devem aliviar a dívida aos 77 países mais pobres para que respondam e recuperem da pandemia”, afirma Agnès Callamard.

Movimentos de protesto exigiram mudanças

“Em 2020, a liderança não veio do poder, do privilégio ou de especuladores. Veio das inúmeras pessoas que marcharam para exigir mudanças”, realça a secretária-geral da AI.

O relatório salienta os protestos do Black Lives Matter nos Estados Unidos e os protestos na Nigéria. O relatório destaca novas legislações para combater a violência contra as mulheres no Kuwait, na Coreia do Sul e no Sudão, assim como a descriminalização do aborto na Argentina, na Irlanda do Norte e na Coreia do Sul.

Portugal: lacunas nos direitos à saúde e à habitação e na garantia dos direitos de migrantes

Em relação a Portugal, o relatório destaca que a pandemia expôs lacunas nos direitos à saúde e à habitação, faltando habitação adequada a muitas famílias, assim como o apoio às pessoas sem-abrigo.

Referindo o caso do assassinato de Ihor Homeniuk no SEF do aeroporto da Portela, o relatório considera que existem falhas na garantia dos direitos de refugiados, requerentes de asilo e migrantes em Portugal.

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