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Os tubarões de Wall Street

Não surpreende que, do total de transações em Wall Street atualmente, cerca de 60% sejam operações de alta frequência ou de alta velocidade. Até certo ponto, tudo isso é normal, pois a especulação é a principal atividade de um casino, e foi nisso que o sistema financeiro mundial se transformou há muito tempo.
Biólogos marinhos dizem que tubarões reconhecem os cabos de fibra óptica submarinos do sistema financeiro como presas em apuros. Foto Arquivo Carta Maior

Na sua tentativa de mitigar os efeitos da crise financeira mundial, o Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) adotou uma postura de flexibilização monetária desde 2008. Manteve taxas de interesse próximas de zero e abriu um programa de compras de títulos do Tesouro norte-americano para injetar liquidez no sistema bancário e permitir fluxo de crédito à economia.

A realidade é que a injeção de liquidez manteve o sistema de pagamentos interbancários vivo, mas esses recursos nunca mostraram o caminho do crédito aos consumidores e às empresas. Pelo contrário, serviram para fomentar uma atividade especulativa dos bancos e de outros agentes financeiros ainda maior.

A política de manter a taxa de interesse de referência em níveis próximos de zero teve como propósito inflacionar os preços dos ativos financeiros e gerar uma ilusão de bem-estar da economia dos Estados Unidos.

A lógica do Fed sob a presidência de Ben Bernanke era simples. Ao manter uma política de taxas de juro próximas de zero, o Banco Central procurou orientar os investidores em direção a opções mais rentáveis, em especial rumo aos títulos financeiros negociados na bolsa de valores. Esse movimento provocaria um aumento nos preços desses ativos financeiros e das ações. Por sua vez, esse aumento de preços geraria um efeito riqueza (ou pelo menos a impressão de um efeito riqueza) nos participantes do mercado de valores.

O aumento nos preços de ações e de outros títulos daria mais confiança aos empresários e o investimento aumentaria. Além disso, esse efeito riqueza induziria um aumento no gasto dos consumidores, porque os que não possuem títulos financeiros perceberiam os aumentos do índice de cotação na bolsa como um sinal de que os bons tempos estão de volta. A procura agregada seria estimulada, bem como o investimento, e a recessão ficaria para trás.

Mas a postura do Sistema de Reserva Federal tem um grande problema: consiste em fomentar a especulação e não o investimento na economia real. Há muitos exemplos para comprovar. Um dos mais interessantes é o das transações de alta velocidade. Esta modalidade do mercado financeiro é feita de modo automático por computadores que compram e vendem títulos ou divisas, cobrando uma comissão muito pequena para cada transação. Como o volume de operações é gigantesco, os lucros são enormes.

No mercado financeiro mundial, mas especialmente entre Nova Iorque e Londres, um bom computador e um programa adequado podem dar ao especulador um milésimo de segundo à frente da manada. Essa vantagem pode ser suficiente para gerar uma margem de uns bons centavos. Mas, se a operação acontece milhões de vezes ao dia, os ganhos chegam a dezenas de milhões. Por isso. não surpreende que, do total de transações em Wall Street atualmente, cerca de 60% sejam operações de alta frequência ou de alta velocidade. Até certo ponto, tudo isso é normal, pois a especulação é a principal atividade de um casino, e foi nisso que o sistema financeiro mundial se transformou há muito tempo.

O problema adicional é que as transações de alta frequência são um poderoso elemento desestabilizador. Quando milissegundos de vantagem representam centenas de milhões de dólares de ganhos, a corrida é vencida com sistemas automáticos de grande velocidade. Por isso existem hoje empresas em Wall Street que produzem algoritmos que permitem identificar oportunidades especulativas numa velocidade maior.

Mas esses algoritmos também são capazes de conduzir um mercado financeiro em queda livre quando a especulação ordena a venda de ativos em um zás-trás. Os computadores e seus programadores são tão racionais como qualquer especulador de carne e osso: quando há fogo, a corrida em direção à porta de saída é o mais racional. Mas também é o mais catastrófico.

Em 2010, realizaram-se inúmeros investimentos em infraestrutura para transações financeiras: são poderosos servidores que processam essas operações e os cabos de fibra óptica que constituem a rede mundial do sistema financeiro. Estamos a falar de dois mil milhões de dólares, sem contar o novo cabo transatlântico que liga Nova Iorque a Londres, e que reduziu significativamente em centésimos de segundo o lapso entre a recepção e o envio de uma ordem de compra e venda.

Mas os tubarões demonstraram ter certo gosto por morder os cabos de fibra óptica. Destruidores, já arrancaram pedaços do cabo, provocando estragos cuja reparação é muito custosa. Certamente, o que mais preocupa os operadores Wall Street é o freio que isso impõe nas operações quotidianas de alta velocidade. Alguns biólogos marinhos dizem que talvez os tubarões sejam sensíveis a vibrações nesses cabos porque pensam que são presas em apuros. Se essa teoria estiver correta, os tubarões sabem reconhecer seus pares em Wall Street.


Artigo publicado em La Jornada e traduzido pelo portal Carta Maior.

Sobre o/a autor(a)

Economista, professor em El Colegio do México.
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