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"Os romances interrogam, não têm nada que ver com o chamado pensamento único”, afirma Mário de Carvalho

O escritor Mário de Carvalho, que viu reeditado em fevereiro “A sala magenta”, afirmou que a desvalorização da figura do escritor se deve à capacidade que este tem de “pôr em causa e de interrogar”.
"Não estamos livres de uma catástrofe”, afirmou Mário de Carvalho.

"Tem havido alguma desvalorização da escrita porque ela representa alguma coisa que incomoda muito e que é a capacidade de pôr em causa e de interrogar. Os romances interrogam, põem dúvidas, põem problemas, põem alternativas, não têm nada que ver com o chamado pensamento único”, disse à agência Lusa o escritor no âmbito do evento literário Correntes d’Escritas.

Sobre se os autores da “subliteratura”, como lhes chamou Manuel Alegre no primeiro painel do encontro realizado na Póvoa de Varzim na semana passada, são os criadores de uma literatura virada para o dito “pensamento dominante”, Mário de Carvalho concordou tendo afirmado: “A propaganda não significa que haja uma espécie de slogan, não é necessariamente isso. É também o inculcar uma maneira de estar na vida, isso também é propaganda, uma maneira única de estar na vida, uma certa visão das coisas”.

capa da reedição do livro de Mário de Carvalho.

Capa da reedição do livro de Mário de Carvalho.


As banalidades e os maus escritores

Mário de Carvalho referiu ainda que “se há um escritor que incorra nisso, na repetição dessas banalidades, que são primárias, é seguramente um mau escritor”.

“[Essa literatura] responde à necessidade daquele reconhecimento primário que as pessoas têm. As pessoas não são capazes de identificar a banalidade, o lugar-comum, a falta de espessura”, notou o escritor.

Independentemente disso, Mário Carvalho referiu que tal “não apaga a grande literatura que se vai fazendo” e que assenta na “comunidade dos leitores”, ou seja, “o conjunto de pessoas que transportam a tradição literária”.

“Porque, independentemente da ideologia que se tenha e independentemente do setor em que se esteja, há uma coisa que sobreleva tudo isso: a criação artística. Portanto, a vontade de criar outro mundo. Um mundo diferente. Opor ao mundo que existe, com os seus problemas e as suas ameaças, um mundo diferente e isso é independente muitas vezes da perspetiva política, que o escritor tem ou pensa que tem”, disse o escritor.

Preocupado com o futuro das civilizações porque, segundo afirma, “não estamos livres de uma catástrofe”, Mário de Carvalho realçou que a “vontade de criar, de inventar novos mundos, de interrogar, vai sempre aparecer”, quer seja nas formas que se conhecem até hoje ou noutras, geradas pelas novas tecnologias.

“Nós já tivemos fenómenos literários que desapareceram. Desapareceu o vilancete. A fábula de vez em quando é retomada, quase ludicamente. O romance não existia praticamente na Idade Média. Não sei se há-de desaparecer. Mas esta capacidade criadora do Homem, ainda que não seja desta forma e seja noutras, continua a manifestar-se", sublinhou ainda o escritor.

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