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ONU critica Portugal por ausência de políticas específicas para afrodescendentes

Racismo institucional, discriminação de que são alvo as comunidades ciganas, existência de imagens discriminatórias nos manuais escolares e falta de verdadeiro diálogo com a sociedade civil são outras das preocupações assinaladas.
ONU aborda problema do racismo institucional, particularmente no que respeita à violência do Estado, nomeadamente das forças de segurança, assinalando que é preciso investigar cada uma das denúncias de uso excessivo da força por parte dos agentes policiais, garantindo a punição de quem a pratica e indemnizações para as vítimas.

Esta sexta-feira, o Comité das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial (CERD, em inglês) pronunciou-se sobre o relatório português sobre discriminação racial redigido pela Comissão Nacional para os Direitos Humanos, sob supervisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e que se fundamenta em informações compiladas pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e diversos ministérios.

O CERD afirma-se preocupado com o racismo de que os afrodescendentes continuam a ser vítimas em Portugal e com o facto de não existirem programas “especialmente direcionados às suas preocupações”. O Comité refere ainda que os afrodescendentes mantêm-se “invisíveis nos sectores mais importantes da sociedade”.

No parecer, é sugerido que o Estado Português promova um “diálogo aberto e construtivo” com os afrodescendentes, por forma a inteirar-se das suas queixas de “discriminação racial”. Nesse sentido, o CERD alerta para a ausência da presença de Organizações Não Governamentais (ONG) no processo de avaliação de Portugal.

O CERD vem assim dar razão às mais de duas dezenas de associações que representam milhares de afrodescendentes em Portugal e que enviaram uma missiva a este Comité a criticar o Estado por não reconhecer que são necessárias políticas específicas para estas comunidades e a queixar-se da “falta de verdadeiro diálogo”.

Em declarações à agência Lusa, o representante do SOS Racismo Mamadu Ba defendeu que “são necessários mecanismos excecionais para responder a problemas excecionais”, sublinhando que, por essa razão, considera “inaceitável” que o Estado português não esteja “a levar a sério” a discriminação contra os afrodescendentes (ler artigo: SOS Racismo critica governo por “não levar a sério” a discriminação).

“Dados recolhidos não cobrem grupos na totalidade”

No seu parecer, citado pelo Público, o CERD reforça que Portugal deve desagregar dados estatísticos sobre minorias étnicas e raciais, por forma a permitir uma análise da “forma como os direitos económicos, sociais e culturais estão a ser vividos" por estes grupos. Ainda que a Constituição da República Portuguesa proíba esta recolha, "para casos excecionais" o primeiro-ministro poderia autorizá-la.

Reconhecendo que o Estado implementou medidas para recolher informação desagregada nos seus vários Observatórios, entre os quais o das Comunidades Ciganas, Migrações e Tráfico de Seres Humanos, o CERD alerta, no entanto, que “alguns dos dados recolhidos não cobrem os seus grupos na totalidade”.

Combater o racismo institucional

A ONU considera que é imperativo controlar efetivamente as queixas relativas a discriminação racial e investigar e punir o discurso de ódio, incluindo o de políticos.

O CERD aborda ainda o problema do racismo institucional, particularmente no que respeita à violência do Estado, nomeadamente das forças de segurança, assinalando que é preciso investigar cada uma das denúncias de uso excessivo da força por parte dos agentes policiais, garantindo a punição de quem a pratica e indemnizações para as vítimas.

O facto de existir um número limitado de queixas de discriminação racial é um fator de preocupação para o CERD, que aponta que a ausência de denúncias “não significa ausência de discriminação racial”. Neste contexto, o governo deve investigar quais as razões que justificam esta realidade.

Os peritos da ONU avançam também que é urgente acelerar a Lei contra a Discriminação Racial e reforçar, a nível financeiro e humano, a Comissão para a Igualdade e Discriminação Racial, simplificando ainda alguns dos seus procedimentos.

Comunidade cigana alvo de discriminação

No que se refere às comunidades ciganas, o CERD destaca que as mesmas “continuam a ser alvo de discriminação em muitas áreas da vida, como acesso a habitação e educação”, pelo que devem ser intensificadas medidas específicas.

“O Comité também está preocupado com a ausência de consulta a pessoas de etnia cigana em todos os estágios de implementação e avaliação da Estratégia Nacional para a Integração de Comunidade Cigana”, lê-se no parecer.

Defendendo que o financiamento desta estratégia deve ser reforçado, o CERD assinala ainda que os cortes orçamentais impostos ao Alto Comissariado para as Migrações (ACM), a extensão das suas funções e as novas tarefas que lhe foram atribuídas podem comprometer a sua missão de promover a igualdade e inclusão de migrantes.

Manuais escolares discriminatórios

O CERD aborda ainda a existência de imagens discriminatórias e estereotipadas de ciganos e afrodescendentes e outros grupos minoritários nos manuais escolares, recomendando que o Estado avalie os currículos e os manuais para que estes “retratem melhor o passado colonial e a herança cultural dos diversos grupos, bem como o seu contributo para a sociedade e culturas portuguesas”.

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