You are here

Ómicron: Porque é que a OMS a designou como uma variante de preocupação

O aparecimento desta variante deveria funcionar como um alerta para redobrar os nossos esforços no sentido de uma entrega de vacinas equitativa e rápida a nível global. Artigo de Ed Feil.
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da OMS.
Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor geral da OMS. Foto Gointernationalgroup.com/Flickr

A Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que a linhagem B.1.1.529 da Sars-CoV-2, que se pensa ter surgido na África Austral, deve ser designada como uma variante de preocupação (VoP) chamada Ómicron. Esta decisão já precipitou uma ampla mudança de prioridades na gestão de pandemias à escala global.

A OMS recomendou, entre outras coisas, uma maior vigilância, particularmente a sequenciação do genoma do vírus; uma investigação centrada em compreender os perigos colocados por esta variante; e o reforço das medidas de atenuação, tais como o uso obrigatório de máscaras. Já entraram em vigor maiores restrições às viagens internacionais no Reino Unido e em muitos outros países. De facto, o Japão fechou as suas fronteiras a todos os visitantes estrangeiros.

A velocidade com que a variante Ómicron foi designada como VoP foi vertiginosa. Passaram pouco mais de duas semanas desde as primeiras infeções conhecidas no Botswana e na África do Sul. Compare-se isto com a variante delta que é actualmente dominante na Europa e em muitas outras partes do mundo. Esta variante foi inicialmente reportada na Índia em outubro de 2020, mas apesar de ter causado um aumento tremendo de casos no país (bem como a sua propagação a muitos outros), só recebeu o estatuto superior de VoC pelo menos seis meses depois.

Houve certamente lentidão no reconhecimento do perigo representado pelo delta, e não há dúvida que se aprenderam lições sobre a importância de agir rapidamente para eliminar novas variantes perigosas no início, ou pelo menos para retardar a sua propagação para que o mundo ganhe algum tempo. Mas este atraso também mostrou as dificuldades em gerar provas sólidas sobre o que uma nova variante é capaz de fazer.

Existem três tipos de comportamento ("fenótipos") que determinam a ameaça colocada por uma nova variante. Estes são a transmissibilidade (a taxa de propagação de uma pessoa para outra), a virulência (a gravidade dos sintomas da doença) e a evasão imunitária (o grau de proteção que uma pessoa recebe da vacina ou da infeção natural). A genética subjacente e as interações evolutivas entre estes três fenótipos são complexas e a sua imprecisão requer dados clínicos e epidemiológicos detalhados do mundo real e experiências cuidadosas em laboratório.

Então o que é que tem a variante Ómicron que levou a OMS, e muitos peritos em todo o mundo, a preocuparem-se tanto com tão poucos dados para avançarem - e será que os seus avisos justificam que esta variante seja a "mais preocupante que já vimos"?

Ainda não há qualquer sugestão de que a Ómicron cause doenças mais graves, mas também quase não há dados disponíveis. Se os relatórios episódicos da África do Sul que sugerem que esta variante causa sintomas mais ligeiros acabarão por se revelar exatos, em especial para pessoas idosas ou de outra forma vulneráveis, ainda está por se saber. No entanto, existe um claro motivo de preocupação tanto para a transmissibilidade como para a evasão imunológica.

O aumento da transmissibilidade de uma nova variante pode ser difícil de detectar, uma vez que efeitos estocásticos (aleatórios) podem resultar em aumentos alarmantes nas taxas de casos sem exigir quaisquer alterações subjacentes na genética viral. Quando as taxas de casos são relativamente baixas, como aconteceu recentemente na África do Sul, os eventos de grande transmissão ou "fundacionais" podem causar aumentos dramáticos na prevalência duma linhagem única por acaso.

Mesmo tendo em conta estas advertências, a opinião consensual é que a variante Ómicron se propaga provavelmente mais rapidamente do que outras variantes. Na província sul-africana de Gauteng, pensa-se que o surgimento da Ómicron fez passar o número R (o número de pessoas que uma pessoa infetada irá transmitir um vírus, em média) de cerca de 1,5 para quase 2, uma mudança significativa caso seja verdade. Sem surpresas, está também a ser detetado num número crescente de países fora da África Austral, incluindo o Reino Unido, Israel, Bélgica, Canadá, Austrália, Países Baixos e Áustria.

De fazer cair o queixo

No entanto, a característica mais fácil de nos deixar de queixo caído no que toca à variante Ómicron é o facto de representar um salto evolutivo significativo e súbito, como mostra o número sem precedentes de mutações no genoma. Como isto aconteceu é matéria de especulação em curso mas, fundamentalmente, 32 mutações afetaram a proteína de pico, muitas das quais são conhecidas por alterarem a forma como o vírus interage com os anticorpos produzidos pelas vacinas ou infeção prévia.

É este potencial de aumento da fuga imunitária, combinado com uma rápida taxa de propagação, que está a causar tanta preocupação. Mas prever como um vírus é suscetível de se comportar apenas a partir da sequência do genoma não é uma ciência exacta. E não existe uma relação directa entre o número de mutações que uma variante contém e os perigos que pode representar.

Embora a variante Ómicron justifique certamente medidas mitigadoras, vigilância apertada e um esforço global de investigação, ainda é demasiado cedo para dizer exatamente com o que estamos a lidar. Uma imagem mais clara deverá emergir ao longo das próximas semanas, à medida que as provas se forem acumulando.

Entretanto, o mundo deveria estar grato pela vigilância e abertura dos cientistas sul-africanos e botswaneses e dos funcionários da saúde pública, e o aparecimento desta variante deveria funcionar como um alerta para redobrar os nossos esforços no sentido de uma entrega de vacinas equitativa e rápida a nível global.


Ed Feil é Professor de Evolução Microbiana no Milner Centre for Evolution da Universidade de Bath, na Inglaterra. Artigo publicado em The Conversation. Traduzido por Luís Branco para o Esquerda.net.

Termos relacionados Sociedade
(...)