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O sentimento russo renasce no leste da Ucrânia: 5 questões-chave

Nas concentrações da Praça Lenine de Donetsk deparei-me com uma mistura de bandeiras que me parecia contraditória: havia bandeiras do Império Russo, da União Soviética e da atual Federação Russa. Como explicar isto? Por Alberto Sicília, do blog Principia Marsupia, em Donetsk.
Praça Lenine de Donetsk no último fim de semana. Fotografía: Alberto Sicilia

NOTA: Antes de ler este post, acho que é útil dar uma vista de olhos neste: “Mapas e Gráficos para compreender a crise na Ucrânia”

Durante o último fim de semana, milhares de pessoas saíram às ruas de Donetsk para pedir um referendo de anexação a Rússia similar ao que ocorreu na Crimeia.

Por que tanta gente no leste quer integrar-se à Rússia?

Antes de responder, permitam-me contar-vos um episódio que me ajudou a compreender:

Nas concentrações da Praça Lenine de Donetsk deparei-me com uma mistura de bandeiras que me parecia contraditória: havia bandeiras do Império Russo, bandeiras da União Soviética e bandeiras da atual Federação Russa.

Como podia ser isto? Que significava? A União Soviética não tem nada a ver com o Império dos Czares e a atual Federação Russa também não tem nada a ver com a União Soviética. Decidi perguntar a vários manifestantes e todos me responderam o mesmo:

“Efetivamente, são três períodos históricos que nada têm a ver um com outro, mas são três períodos históricos do mesmo povo: o povo russo. E nós sentimos-nos parte desse povo”.

Para além de argumentos económicos (que também os há e explico em seguida), a chave principal para entender o que ocorre no leste é identitária:

“Passámos 23 anos num país que não é o nosso. Sentimos-nos emocionalmente bem mais próximos dos quem vivem em Moscovo ou São Petersburgo de que os que vivem em Kiev ou Lviv”.

Como é possível que digam que a Ucrânia não é o seu país?

As fronteiras atuais da Ucrânia são historicamente muito modernas: correspondem às fronteiras da República Socialista Soviética da Ucrânia.

Mas em tempos soviéticos, as fronteiras das Repúblicas significavam bastante pouco: o país era a URSS.

Antes dizias que também havia argumentos económicos, quais são?

A chamada região de Donbass (que compreende os Oblast de Donetsk e Luhansk) é o coração industrial do país. É onde estão as minas de carvão, a indústria do aço e grande parte das instituições financeiras do país. O Donbass é uma espécie de “Ruhr” ucraniano. Os salários lá são bastante mais altos que no ocidente.

Entre os manifestantes encontrei dois argumentos económicos para justificar a integração na Rússia:

1) Que o Donetsk contribui desproporcionalmente para o resto da Ucrânia. “As regiões do ocidente aproveitam-se economicamente de nós”.

2) Que a integração na União Europeia significaria o encerramento de muitas minas e muitas fábricas. (Por não serem competitivas diante da indústria alemã e devido à estrita regulamentação ambiental da UE).

Os manifestantes que pedem em Donetsk a integração na Rússia, representam a maioria?

Fiz-me a mesma pergunta há dois meses quando estava na praça de Kiev. Os que saíram à rua representam a maioria dos cidadãos que vivem nesta zona? Que acontecerá quando forem chamados a votar nas próximas eleições?

Não soube responder em Kiev e também não sei responder sobre Donetsk.

Em todo o caso, acho que há dois elementos a ter muito em conta no caso de Donetsk:

1) A brecha geracional. A imensa maioria das pessoas que encontrei nas manifestações pró-Rússia tinham mais de 40 anos. E todos os pró-Europa que entrevistei era gente muito jovem.

2) A brecha urbana-rural. A maioria da população nas cidades de Donbass é etnicamente russa, mas muitos povos em redor são maioritariamente ucranianos.

Vai ser feito em Donetsk um referendo de anexação à Rússia como o da Crimeia?

Por agora parece-me muito difícil.

No caso da Crimeia estava claro que a maioria da população queria integrar-se na Rússia, mas sem a intervenção militar do Kremlin o referendo não teria sido feito porque Kiev não o teria permitido.

Em Donetsk, mesmo que possa ocorrer que a maioria seja russa, a população está bem mais dividida que na Crimeia entre russos e ucranianos. E parece mais difícil que Putin tome a decisão de “pôr tanques no continente”.

Mas na Ucrânia têm ocorrido tantas coisas impossíveis de imaginar só há três meses, que qualquer um pode fazer previsões para o futuro.

Publicado no blog Principia Marsupia

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