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O que está realmente em jogo na Conferência do Clima em Paris

Ao proibir os protestos na COP21, Hollande está a silenciar aqueles que vão enfrentar os piores impactos das alterações climáticas e a sua violência monstruosa.

De quem é a segurança que fica protegida por todos os meios necessários? De quem é a segurança que é sacrificada ao acaso, apesar dos meios para fazer tanto mais? Essas são as perguntas que estão no coração da crise climática, e as respostas são as razões porque as cimeiras do clima tantas vezes terminam em rudeza e lágrimas.

A decisão do governo francês de proibir protestos, manifestações e outras "atividades ao ar livre" durante a Cimeira do Clima de Paris é perturbadora a muitos níveis. O que me preocupa mais tem a ver com a maneira como reflete a desigualdade fundamental da crise climática em si – e a questão nuclear é de quem é que, em última análise, é valorizada a segurança, neste mundo inclinado para um só lado.

As pessoas que enfrentam os piores impactos das alterações climáticas não têm praticamente voz nos debates ocidentais sobre a possibilidade de fazer alguma coisa séria para evitar o aquecimento global catastrófico. Cimeiras do clima enormes como essa a ter lugar em Paris são raras exceções.

Esta é a primeira coisa a perceber. As pessoas que enfrentam os piores impactos das alterações climáticas não têm praticamente voz nos debates ocidentais sobre a possibilidade de fazer alguma coisa séria para evitar o aquecimento global catastrófico. Cimeiras do clima enormes como essa a ter lugar em Paris são raras exceções. Durante apenas duas semanas de poucos em poucos anos, as vozes das pessoas que são atingidas primeiro e mais ganham um pouco de espaço para serem ouvidas no local onde decisões fatídicas são tomadas. É por isso que habitantes de ilhas do Pacífico e caçadores Inuit e ainda pessoas de cor com baixos rendimentos, de lugares como Nova Orleães, viajam milhares de milhas para assistirem. A despesa é enorme, em dólares e em carbono, mas estar na Cimeira é uma oportunidade preciosa para falar sobre as alterações climáticas em termos morais e para dar um rosto humano a esta catástrofe que se está a desenrolar.

A coisa seguinte a perceber é que mesmo nestes raros momentos, vozes de primeira linha não têm uma plataforma suficiente nas reuniões oficiais do clima em que o microfone é dominado por governos e grupos verdes grandes, bem financiados. As vozes das pessoas comuns são ouvidas principalmente em reuniões de organizações de base, paralelas à cimeira, assim como em manifestações e protestos que por sua vez atraem a cobertura dos meios de comunicação. Agora o governo francês decidiu tirar o megafone mais potente de entre estes, alegando que garantir a segurança das manifestações comprometeria a sua capacidade de proteger a zona da cimeira oficial onde os políticos se reunirão.

Mais uma vez, a mensagem é: a nossa segurança é inegociável, a vossa é de quem a agarrar

Alguns dizem que isto é tudo jogo limpo neste pano de fundo do terror. Mas uma cimeira do clima das Nações Unidas não é como uma reunião do G8 ou da Organização Mundial do Comércio onde os poderosos se reúnem e os sem poder lhes tentam invadir a festa. Os eventos paralelos da "sociedade civil" não são acrescento ou diversão para o evento principal. São parte integrante do processo. Razão pela qual o governo francês nunca deveria ter sido autorizado a decidir quais as partes da cimeira que iria cancelar e quais manteria apesar de tudo.

Em vez disso, depois dos terríveis ataques de 13 de novembro, precisava era de determinar se tinha vontade e capacidade para hospedar toda a cimeira – com plena participação da sociedade civil, incluindo nas ruas. Se não tinha, devia ter adiado e pedido a outro país que interviesse. Em vez disso, o governo de Hollande tomou uma série de decisões que refletem um conjunto particular de valores e prioridades sobre quem e o que receberá a proteção total da segurança do estado. Sim, para os líderes mundiais, jogos de futebol e mercados de Natal, não para as manifestações e protestos do clima, tornando saliente que as negociações, com o nível atual das metas das emissões, põem em perigo as vidas e meios de subsistência de milhões, se não milhares de milhões de pessoas.

E quem sabe onde isso vai acabar? Devemos esperar que a ONU revogue arbitrariamente as credenciais de metade dos participantes da sociedade civil? Os mais suscetíveis de causarem problemas dentro da cimeira fortificada? Não seria surpresa nenhuma.

As alterações climáticas são uma crise moral, porque cada vez que os governos dos países ricos deixam de agir, isto envia uma mensagem de que nós, no Norte global, estamos a colocar o nosso conforto imediato e a nossa segurança económica à frente do sofrimento e da sobrevivência de algumas das pessoas mais pobres e mais vulneráveis da terra.

Vale a pena pensar o que significa, em termos reais bem como simbólicos, esta decisão de cancelar as manifestações e protestos. As alterações climáticas são uma crise moral, porque cada vez que os governos dos países ricos deixam de agir, isto envia uma mensagem de que nós, no Norte global, estamos a colocar o nosso conforto imediato e a nossa segurança económica à frente do sofrimento e da sobrevivência de algumas das pessoas mais pobres e mais vulneráveis da terra. A decisão de proibir os espaços mais importantes onde as vozes das pessoas impactadas pelo clima teriam sido ouvidas é uma expressão dramática deste abuso de poder profundamente antiético: mais uma vez um país ocidental rico coloca a segurança das elites acima dos interesses de quem luta pela sobrevivência. Mais uma vez a mensagem é: a nossa segurança é inegociável, a vossa é de quem a agarrar.

Outro pensamento ainda. Escrevo estas palavras de Estocolmo, onde tenho estado a fazer uma série de eventos públicos ligados ao clima. Quando cheguei, a imprensa estava a ter um dia de exteriores com um tweet enviado pela ministra do ambiente da Suécia, Åsa Romson. Pouco depois rebentou a notícia dos ataques em Paris e ela twitou a sua indignação e tristeza pela perda de vidas. A seguir ela twitou que achava que eram más notícias para a cimeira do clima, um pensamento que ocorreu a toda a gente que conheço que está de alguma forma ligada a este momento ambiental. No entanto ela foi ridicularizada por suposta insensibilidade – como poderia estar a pensar nas alterações climáticas num momento de tal carnificina?

A reação foi reveladora, já que deu por garantida a noção de que as alterações climáticas são uma questão menor, uma causa sem perdas reais, frívola mesmo. Especialmente quando assuntos sérios como guerra e o terrorismo estão a tomar o centro das atenções. Isto fez-me pensar numa coisa que a escritora Rebecca Solnit escreveu não há muito: "as alterações climáticas são violência."

Por isso é que aderi ao movimento para a justiça climática. Porque quando os governos e as grandes empresas deixam de agir de uma maneira que reflete qual o valor de toda a vida na terra, temos de protestar contra eles.

E é. Parte da violência é muitíssima lenta: subida dos mares que apaga gradualmente nações inteiras e secas que matam muitos milhares. Parte da violência é terrivelmente rápida: tempestades com nomes como Katrina e Haiyan que roubam milhares de vidas num único evento exasperante. Quando os governos e as grandes empresas conscientemente deixam de agir para evitar o aquecimento catastrófico, isso é um ato de violência. É uma violência tão grande, tão global e infligida contra tantas temporalidades simultaneamente (culturas antigas, vidas presentes, futuro potencial) que não há ainda uma palavra capaz de conter a sua monstruosidade. E usar atos de violência para silenciar as vozes de quem é mais vulnerável à violência do clima é mais violência ainda.

Ao explicar porque os próximos jogos de futebol se manteriam como programado, o Secretário de Estado para o Desporto da França disse: "A vida tem de continuar." Realmente tem. Por isso é que aderi ao movimento para a justiça climática. Porque quando os governos e as grandes empresas deixam de agir de uma maneira que reflete qual o valor de toda a vida na terra, temos de protestar contra eles.

Artigo publicado no The Guardian, a 20 de novembro de 2015, tradução de Paula Sequeiros para o Esquerda.net.

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Sobre o/a autor(a)

Jornalista canadiana, escritora e activista dos movimentos alter-globalização.
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