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O confinamento na prisão de Caxias

A partir de agosto de 1965, a seguir ao julgamento, fiquei só eu do grupo de estudantes, a cumprir os 16 meses da minha pena, que deviam terminar em maio. A rotina manteve-se com as presas que iam chegando à sala, exceto as lições de alemão porque a mestra saiu. Por Sara Amâncio.

 

O esquerda.net tem publicado um testemunho por dia de resistentes antifascistas sobre o seu quotidiano na prisão e/ou na clandestinidade e as estratégias que encontraram para combater o isolamento.

Todos os testemunhos publicados até ao momento estão reunidos aqui:

Confinamento(s) em tempo de ditadura

Projeto organizado por Mariana Carneiro.


O confinamento na prisão de Caxias

Fui presa a 21 de Janeiro de 1965. Nas primeiras semanas estive no Reduto Sul de Caxias, com as outras companheiras presas na mesma data e outras mulheres, em duas celas grandes. As rotinas estavam determinadas pelo quotidiano da prisão: refeições, balneário, despejar o “balde”, leituras, “comunicação” através de toques na parede com as amigas da sala do lado. Neste período foram-nos levando separadamente para interrogatório na sede da PIDE. 

Depois passámos para o 1º andar do Reduto Norte de Caxias, primeiro numa sala de seis pessoas (com casa de banho!) onde estava a Vitória, angolana e estudante de medicina. O ambiente era pesado porque ela estava bastante afetada psicologicamente. Mas tinha livros de estudo e eu fui estudando bioquímica…

A seguir fui transferida para outra sala mais pequena, de quatro pessoas, (com casa de banho), no 2º andar do Reduto Norte. Nessa sala estávamos duas do nosso grupo. A acompanhar-nos estiveram primeiro duas funcionárias e depois foram rodando outras mulheres, funcionárias do PC, uma operária corticeira...

Todas estávamos conscientes da necessidade de organizarmos a vida na sala, de criarmos rotinas. Criámos uma hora de estudo, de leitura... A colega do meu grupo, a João Gerardo, era estudante de germânicas  e com ela comecei a estudar alemão. Continuei a estudar bioquímica. E a trabalhar competências com as outras amigas. E a ler um matutino diário, O Século ou o Diário de Notícias. Aproveitei para fazer a estatística dos mortos na guerra colonial que eram noticiados no jornal.

Nesta fase já tínhamos “recreio” depois do almoço: uma hora num pátio no último andar, vigiado por um GNR num corredor superior, com as amigas de outras salas, as nossas colegas estudantes e funcionárias do PC, com quem o convívio era muito agradável. Uma vez por semana podíamos ir a um lavadouro lavar a nossa roupa pouco suja mas era uma oportunidade de saída da sala a não perder.

Depois do jantar entrava o gira-discos e podíamos ouvir Zeca Afonso (baladas), Adriano Correia de Oliveira, Jacques Brel, etc.

Claro que sobrava tempo para ler, escrever cartas, fazer crochet (redes para o cabelo inspiradas nas que usavam as dirigentes do PC da sala em frente à minha e que, por um orifício sobre a porta via sair para o recreio, num pátio separado do nosso), ler/escrever mensagens escritas com sumo de limão que seriam “reveladas” ao calor do isqueiro (fumávamos!), contactar pela parede com a sala do lado onde começava o corredor dos homens.

A partir de agosto de 1965, a seguir ao julgamento, fiquei só eu do grupo de estudantes, a cumprir os 16 meses da minha pena, que deviam terminar em maio. A rotina manteve-se com as presas que iam chegando à sala, exceto as lições de alemão porque a mestra saiu.

Pelo meio houve vários castigos: sem cartas, sem jornal, sem música, sem comida trazida pela família, etc,… O que estivesse à mão para tornar a vida um pouco mais difícil.

Mas… houve eleições presidenciais (indirectas para não se repetir o “escândalo” de 1958 com a campanha do Delgado que entretanto fora assassinado pela PIDE durante o período dos meus interrogatórios) e houve uma amnistia de três meses para penas até 24 meses.

Saí em 15 de Fevereiro de 1966

Sara Amâncio
27.04.2020

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