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O 1.º de Maio, sempre “a mesma ladainha”

Continua o jornalista: “Vem todos os anos? Não a incomoda sempre a mesma ladainha?.” E a Maria do Rosário a dizer que não. Porque cada pergunta parva merece uma resposta inteligente, aqui está a Maria do Rosário na rua, a lutar por quem não esqueceu. Texto de João André Costa
1º. de Maio de 2018 - Foto de André Beja
1º. de Maio de 2018 - Foto de André Beja

1.º de Maio, manifestação da CGTP em Lisboa. Ao fundo toca a Carvalhesa e o ambiente também é festa, também é celebração, a celebração do trabalhador, pois claro, para além da luta.

Pedro Miguel Costa, jornalista da SIC, entrevista vários manifestantes a aguardar o início da manifestação, a aguardar mais um 1.º de Maio, e até aqui tudo normal. O que não é normal é o conteúdo das perguntas. “Maria do Rosário, antiga delegada sindical”, apresenta o jornalista, e por aqui se depreende que a Maria do Rosário, não obstante estar reformada e com direito a todos as regalias de uma vida de trabalho, não se coíbe de continuar a sair à rua, não só por si, mas por todos nós.

Continua o jornalista: “Vem todos os anos? Isto não é mais do mesmo? Não a incomoda sempre a mesma ladainha?.” E a Maria do Rosário a dizer que não, a dizer “Cada vez me dá mais força, uma vez morreu uma colega a meu lado por estar a lutar pelos nossos direitos, porque o patrão não tinha pago”, e porque cada pergunta parva merece uma resposta inteligente, aqui está a Maria do Rosário na rua, a lutar por quem não esqueceu.

No entanto, o jornalista não desarma, o seu intento é óbvio, as perguntas são pessoais, baseadas na opinião do jornalista, carecem de factos, para não falar de jornalismo, inexistente. “E acha que as lutas trazem algo de novo ao nosso país? As lutas onde participou trazem assim tanto?”, e eu estaco, finalmente despido de tanto espanto.

Espanto porque da SIC Notícias, e perdoem-me a ingenuidade, espera-se mais, ou talvez não, talvez este jornalista tenha especial prazer em acordar às 6h no Dia do Trabalhador para, precisamente, ir trabalhar, zurzindo a torto e a direito em todos quantos conquistaram as oito horas de trabalho e o direito a um feriado desde 1919.

Mas 1919 foi no tempo da Maria Cachucha, pensará o jornalista, os tempos mudaram, as mentalidades também, hoje já não há trabalhadores nem contratos, somos todos colaboradores, hoje somos precisos, amanhã não, excepção feita para o patrão e os filhos do patrão, excepção feita para os senhores feudais e viva o retrocesso aos tempos medievais, urgindo, portanto, acabar com esta malta que pensa que o emprego é para a vida, que as reformas são para a vida, sem esquecer direitos bolorentos e démodés como férias pagas, subsídio de doença, licença de maternidade e paternidade.

E talvez este jornalista seja o vivo exemplo de quem está bem na vida, trabalha a tempo inteiro, tem o tal contrato démodé ao invés de trabalhar a recibos verdes, como tantos colegas de trabalho em canais de televisão e jornais, trabalha a tempo inteiro e nem por isso em part-time, tentando assim mostrar aos outros que é possível, que em Portugal se pode subir por mérito, a pulso e com a força dos próprios braços.

Mas não é. E enquanto trabalhadores continuarem a morrer a lutar pelos seus direitos, e enquanto o salário mínimo for dos mais baixos da Europa, e enquanto houver um desempregado e uma família com fome, e enquanto houver sofrimento e precariedade, e enquanto houver desigualdade e injustiça, a Maria do Rosário, e todos nós, continuaremos a sair para a rua no 1.º de Maio, por quem não esquecemos, pelos jovens, pelos trabalhadores, pelos pais e pelas mães, pelos idosos, por todos, para que este jornalista possa, finalmente, usufruir do feriado que a SIC não lhe deu, juntando-se à manifestação de braço dado, avenida abaixo num dia de sol, no Dia do Trabalhador, no dia 1 de Maio.

E se, porventura, este jornalista não quiser sair à rua, não há problema, estará igualmente no seu direito, conquistado no 1.° de Maio.

Texto de João André Costa, publicado p3.publico.pt a 2 de maio de 2018

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