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Novo escândalo liga gigante dos cuidados a idosos a empresa em paraíso fiscal

Mediapart e Investigate Europe revelam a existência de uma estrutura paralela ao grupo Orpea, a empresa Lipany, que, a partir do Luxemburgo, acumulou 92 milhões de ativos e realizou várias operações financeiras irregulares.
Instalações do Orpea em Madrid. Foto de Zarateman, Wikimedia.

De acordo com a investigação do Mediapart e do Investigate Europe, o Orpea, maior operador do continente de cuidados para a terceira idade, está associado a uma empresa luxemburguesa chamada Lipany, que realizou “várias operações financeiras duvidosas”.

A maior parte da atividade da Lipany consiste em investir, a par do Orpea, em dezenas de residências e lares de idosos geridas pelo grupo em França, Itália e Alemanha, bem como em empresas na Bélgica. De acordo com as suas contas de 2019, as últimas publicadas, a Lipany acumulou 92 milhões de ativos.

A empresa praticamente não tem lucros e nunca distribuiu dividendos. As atividades são integralmente financiadas por dívida. Após contrair empréstimos bancários, a Lipany contraiu ainda, desde 2015, dezenas de milhões de euros em empréstimos de “partes relacionadas” e “outras” entidades. Em 2019, tinha uma dívida de 94 milhões, dos quais apenas 10 milhões com entidades financeiras, e 84 milhões de “outras dívidas”. Estes credores aparentam ser os principais beneficiários da Lipany: receberam 4,8 milhões de euros em encargos financeiros entre 2015 e 2019. O Mediapart e do Investigate Europe realçam a “cortina de fumo” em torno do financiamento da empresa.

Oficialmente, a Lipany é totalmente independente do Orpea. A empresa foi criada em 2007. Os seus primeiros acionistas foram duas empresas offshore: a Bynex International, registada nas Ilhas Virgens Britânicas, e a Beston Enterprises, com sede no Panamá. Essas empresas de fachada, que aparecem nos “Panamá Papers”, eram controladas por uma firma de domiciliação, que as utilizava para ocultar a identidade dos proprietários de muitas empresas. Beston e Bynex foram dissolvidas, e, de acordo com o Mediapart e o Investigate Europe, é impossível verificar quem são os acionistas da Lipany hoje.

Em 2019, quando Luxemburgo exigiu que as empresas fornecessem a identidade dos seus beneficiários efetivos, Roberto Tribuno, que foi o chefe do Orpea em Itália, garantiu ser o único proprietário. Mas a investigação revela que Lipany operou em estreita cooperação com o Orpea e o seu ex-diretor financeiro Sébastien Mesnard, que, em dezembro passado, se tornou diretor de financiamento e contabilidade. Mesnard desempenhou um papel fundamental: ocupou cargos em cinco subsidiárias da Lipany e foi nomeado três vezes pela empresa em 2018, quando a Lipany comprou ou vendeu empresas italianas exatamente ao Orpea. Outros três executivos e ex-executivos do Orpea também são implicados, tendo ocupado cargos ou desempenhado funções nas subsidiárias da Lipany. Um deles, Jean-Claude Brdenk, ex-diretor de operações do Orpea, alegou que os seus mandatos nas empresas controladas pela Lipany lhe foram atribuídos pelo "departamento jurídico do grupo".

Sobre os credores da empresa, tanto o Orpea como Roberto Tribuno se recusaram a revelar a sua identidade. “Lipany financia as suas atividades com recursos próprios e de terceiros, devidamente captados no mercado financeiro primário e secundário”, referiu Tribuno.

Desde, pelo menos, 2009, foram transferidos milhões de euros de ativos para essa estrutura paralela. O esquema envolve dezenas de instalações europeias do Orpea e foi idealizado por alguns dos principais administradores do grupo.

Em França, encobriram o pagamento de uma comissão secreta de 700 mil euros a um intermediário e registaram informações fiscais “erróneas” nas demonstrações financeiras de pelo menos 14 empresas financiadas pelo Orpea. Em Itália, burlaram as regras do IVA e transferiram rotineiramente a propriedade das casas de repouso de Orpea para o Ducado, que tinha impostos atrativos.

O grupo Orpea é líder global em cuidados a idosos, cotado na bolsa de valores de Paris. Estabelecido em 23 países, possui uma rede de 1.100 instalações médicas com 111.800 camas. O seu crescimento notável permitiu aos seus acionistas a acumulação de lucros consideráveis e transformou Jean-Claude Marian, o seu fundador, num multimilionário que vive em exílio fiscal na Bélgica.

Não é a primeira vez que o grupo Orpea está sob holofotes. Num livro de investigação, “Les Fossoyeurs” (“Os Coveiros”), o jornalista francês Victor Castanet revelou como o Orpea, apesar de ser subsidiado por dinheiro público, tem vindo a cortar despesas agressivamente às custas dos mais idosos.

Após a denúncia de Castanet e as revelações de contratos de trabalho irregulares pelo Mediapart e Investigate Europe, um promotor público francês lançou várias investigações criminais contra o Orpea por suspeitas de maus-tratos a utentes, desvio de fundos do Estado, falsificação e violação de leis laborais. As autoridades também estão a investigar dezenas de queixas de familiares de idosos em estruturas do Orpea Orpea, inclusive por “homicídio involuntário”.

A Orpea investe em Portugal em lares sem comparticipação pública para clientes de elevado rendimento, cobrando entre 1.500 a 4.000 euros mensais. O Instituto da Segurança Social confirmou que “foram recebidas cinco denúncias e duas reclamações” de familiares ou utentes destas duas empresas. São queixas sobre falta de recursos mas sobretudo sobre falta de enfermeiros e de pessoal.

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