You are here
Novo escândalo liga gigante dos cuidados a idosos a empresa em paraíso fiscal
De acordo com a investigação do Mediapart e do Investigate Europe, o Orpea, maior operador do continente de cuidados para a terceira idade, está associado a uma empresa luxemburguesa chamada Lipany, que realizou “várias operações financeiras duvidosas”.
A maior parte da atividade da Lipany consiste em investir, a par do Orpea, em dezenas de residências e lares de idosos geridas pelo grupo em França, Itália e Alemanha, bem como em empresas na Bélgica. De acordo com as suas contas de 2019, as últimas publicadas, a Lipany acumulou 92 milhões de ativos.
A empresa praticamente não tem lucros e nunca distribuiu dividendos. As atividades são integralmente financiadas por dívida. Após contrair empréstimos bancários, a Lipany contraiu ainda, desde 2015, dezenas de milhões de euros em empréstimos de “partes relacionadas” e “outras” entidades. Em 2019, tinha uma dívida de 94 milhões, dos quais apenas 10 milhões com entidades financeiras, e 84 milhões de “outras dívidas”. Estes credores aparentam ser os principais beneficiários da Lipany: receberam 4,8 milhões de euros em encargos financeiros entre 2015 e 2019. O Mediapart e do Investigate Europe realçam a “cortina de fumo” em torno do financiamento da empresa.
Oficialmente, a Lipany é totalmente independente do Orpea. A empresa foi criada em 2007. Os seus primeiros acionistas foram duas empresas offshore: a Bynex International, registada nas Ilhas Virgens Britânicas, e a Beston Enterprises, com sede no Panamá. Essas empresas de fachada, que aparecem nos “Panamá Papers”, eram controladas por uma firma de domiciliação, que as utilizava para ocultar a identidade dos proprietários de muitas empresas. Beston e Bynex foram dissolvidas, e, de acordo com o Mediapart e o Investigate Europe, é impossível verificar quem são os acionistas da Lipany hoje.
Em 2019, quando Luxemburgo exigiu que as empresas fornecessem a identidade dos seus beneficiários efetivos, Roberto Tribuno, que foi o chefe do Orpea em Itália, garantiu ser o único proprietário. Mas a investigação revela que Lipany operou em estreita cooperação com o Orpea e o seu ex-diretor financeiro Sébastien Mesnard, que, em dezembro passado, se tornou diretor de financiamento e contabilidade. Mesnard desempenhou um papel fundamental: ocupou cargos em cinco subsidiárias da Lipany e foi nomeado três vezes pela empresa em 2018, quando a Lipany comprou ou vendeu empresas italianas exatamente ao Orpea. Outros três executivos e ex-executivos do Orpea também são implicados, tendo ocupado cargos ou desempenhado funções nas subsidiárias da Lipany. Um deles, Jean-Claude Brdenk, ex-diretor de operações do Orpea, alegou que os seus mandatos nas empresas controladas pela Lipany lhe foram atribuídos pelo "departamento jurídico do grupo".
Investigação sobre os negócios da Orpea, império de cuidados a idosos que enriqueceu já muitos acionistas. A Investigate Europe descobriu as operações duvidosas desta empresa envolvendo os seus principais gestores e uma holding secreta no Luxemburgo. https://t.co/EHdwJXuz7z
— José Gusmão (@joseggusmao) May 18, 2022
Sobre os credores da empresa, tanto o Orpea como Roberto Tribuno se recusaram a revelar a sua identidade. “Lipany financia as suas atividades com recursos próprios e de terceiros, devidamente captados no mercado financeiro primário e secundário”, referiu Tribuno.
Desde, pelo menos, 2009, foram transferidos milhões de euros de ativos para essa estrutura paralela. O esquema envolve dezenas de instalações europeias do Orpea e foi idealizado por alguns dos principais administradores do grupo.
Em França, encobriram o pagamento de uma comissão secreta de 700 mil euros a um intermediário e registaram informações fiscais “erróneas” nas demonstrações financeiras de pelo menos 14 empresas financiadas pelo Orpea. Em Itália, burlaram as regras do IVA e transferiram rotineiramente a propriedade das casas de repouso de Orpea para o Ducado, que tinha impostos atrativos.
O grupo Orpea é líder global em cuidados a idosos, cotado na bolsa de valores de Paris. Estabelecido em 23 países, possui uma rede de 1.100 instalações médicas com 111.800 camas. O seu crescimento notável permitiu aos seus acionistas a acumulação de lucros consideráveis e transformou Jean-Claude Marian, o seu fundador, num multimilionário que vive em exílio fiscal na Bélgica.
Não é a primeira vez que o grupo Orpea está sob holofotes. Num livro de investigação, “Les Fossoyeurs” (“Os Coveiros”), o jornalista francês Victor Castanet revelou como o Orpea, apesar de ser subsidiado por dinheiro público, tem vindo a cortar despesas agressivamente às custas dos mais idosos.
Após a denúncia de Castanet e as revelações de contratos de trabalho irregulares pelo Mediapart e Investigate Europe, um promotor público francês lançou várias investigações criminais contra o Orpea por suspeitas de maus-tratos a utentes, desvio de fundos do Estado, falsificação e violação de leis laborais. As autoridades também estão a investigar dezenas de queixas de familiares de idosos em estruturas do Orpea Orpea, inclusive por “homicídio involuntário”.
A Orpea investe em Portugal em lares sem comparticipação pública para clientes de elevado rendimento, cobrando entre 1.500 a 4.000 euros mensais. O Instituto da Segurança Social confirmou que “foram recebidas cinco denúncias e duas reclamações” de familiares ou utentes destas duas empresas. São queixas sobre falta de recursos mas sobretudo sobre falta de enfermeiros e de pessoal.
Add new comment