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Na verdade, Natalie Portman, ESTÁS a fazer BDS (boicote, desinvestimento e sanções)

"Recentemente, acompanhei de perto a tua decisão de não comparecer numa cerimónia de atribuição de prémios em Israel e aquilo que disseste a esse respeito. A tua decisão foi muito importante para mim não só por eu ser palestiniano, mas também porque me apercebi de que temos algumas coisas em comum." Por Yousef Mounayyer.
Entrada para um checkpoint em Hebron, Palestina.
Entrada para um checkpoint em Hebron, Palestina.

Prezada Natalie (se me permites),

Recentemente, acompanhei de perto a tua decisão de não comparecer numa cerimónia de atribuição de prémios em Israel e aquilo que disseste a esse respeito. A tua decisão foi muito importante para mim não só por eu ser palestiniano, mas também porque me apercebi de que temos algumas coisas em comum.

Eu nasci em Israel, a apenas 50 quilómetros de Jerusalém, cidade onde tu nasceste; em Lydda, a cidade natal dos meus familiares ancestrais (a minha família não veio para Israel, foi Israel que veio até nós). Nós temos também aproximadamente a mesma idade, embora decerto tenhamos vivido a nossa cidadania Israelita de maneiras muito diferentes. Para mim, palestiniano, significou ser rotulado como uma “ameaça demográfica,” enquanto tu exultavas Israel e o teu orgulho em ser cidadã israelita.

Ambos deixámos Israel e viemos para os Estados Unidos muito jovens com as nossas famílias. Quem sabe se não partilhámos o mesmo voo para atravessar o Atlântico, embora eu tenha a certeza de que o teu controlo de segurança alfandegário tenha sido bastante diferente do meu (ainda que provavelmente os dois tenhamos batido palmas quando o piloto completou a aterragem em segurança). Mas, chegados ao Estados Unidos, caso a tua experiência tenha sido como a minha, nunca te sentiste inteiramente confortável nem cá nem lá, mantendo um pé em cada lado do Oceano e o coração com uma eterna saudade de “casa”.

E foi aqui que os nossos caminhos divergiram. Seguiste uma carreira de atriz ganhando um Oscar da Academia. A minha carreira de ator culminou numa peça do Feiticeiro de Oz, no 7º ano – fiz o papel do leão e dei ao sotaque de Bert Lahr um toque muito pessoal. Acho que me saí decentemente, mas a minha paixão levou-me para um caminho diferente, razão pela qual hoje te escrevo.

A justificação que deste para não aceitar o “Genesis Prize” foi a de não quereres partilhar um palco com Netanyahu ou de nem sequer o levares a pensar que lhe estivesses a prestar qualquer forma de apoio.

Acredito estar seguro de poder assumir que o teu problema com Netanyahu não é pessoal. Não é pela sua escolha do tom de cor com que pinta o cabelo ou pelo uso abusivo de truques de baixa qualidade e efeitos sonoros durante os discursos que profere, mas antes pelas políticas e diretrizes que personifica – políticas que violam a lei internacional e os direitos básicos dos palestinianos, aplicadas diariamente pelo estado israelita. E ao escolheres não condenar essas políticas e os seus mentores, estás a assinalar que reconheces que o Estado de Israel considera que essas políticas não são um problema.

Em vez disso, aquilo que o Estado israelita acredita ser a “perceção mundial” das suas políticas e diretrizes é que passou a ser o verdadeiro problema. Se eles conseguissem levar o mundo a compreender que pode ser, de alguma forma, tolerável negar constantemente os direitos básicos de milhões de pessoas, então tudo estaria bem. A estratégia do Estado israelita para levar o mundo a aceitar esta situação passa por trazer celebridades como tu a palcos israelitas, passando a mensagem para os seus fãs de que o que Israel está a fazer é correto. Esta é uma estratégia de Relações Públicas particularmente importante para Israel porque é direcionada para uma faixa etária mais jovem que está a virar as costas ao Estado de Israel.

O que fizeste foi passar a mensagem para Israel que as suas políticas, que violam direitos civis e humanos, são inconscientes. E é por isso mesmo que é tão importante que tenhas decidido não comparecer nem participar nesta cerimónia.

Eu sei que podes não entender assim. Na tua declaração, escreveste “não faço parte do movimento BDS e nem o subscrevo.” e “Assim como muitos outros israelitas e judeus pelo mundo fora, eu tenho o direito de criticar a liderança do Estado de Israel, sem ter a intenção de boicotar toda a nação,”. E escreveu ainda “Estimo muito os meus amigos e família israelitas, assim como a sua comida, livros, arte,cinema e dança.”

Do ponto de vista de um cidadão israelita, a prática do boicote pode parecer complicada. Ambos temos pessoas que amamos em Israel e que não conseguimos imaginar não voltarmos a ver. O povo israelita, como todos os povos, têm muito para oferecer ao mundo. E por esta razão compreendo a tua hesitação em relação a “boicotar toda a nação.”

Mas o BDS não é isso. Os alvos dos esforços de boicote não são os indivíduos mas sim o Estado. Estas são duas coisas que podem e devem ser separadas.

A verdade é que BDS nem sequer é um movimento. Boicote, Desinvestimento e Sanções são um conjunto de táticas não violentas usadas em muitos outros movimentos mas que as instituições da sociedade civil palestiniana pediram à comunidade internacional para adotar, como parte de um movimento não violento de defesa dos direitos dos palestinianos, no sentido de enviar a mensagem a Israel de que devem parar de ignorar a sua existência. E o Estado de Israel, por sua vez, petrificado pela larga escala do alcance da adoção destas táticas, tentou descredibilizar os ativistas e criar barreiras entre palestinianos e internacionais que querem apoiar e defender os seus direitos, numa tentativa de intimidar as pessoas que usam estas estratégias não violentas.

Em último recurso, palestinianos e isrealitas terão de chegar a acordo sobre as regras políticas que governarão a sua coexistência. Mas isso nunca poderá acontecer enquanto o Estado israelita não perceber que o “status quo” é inaceitável, imoral e muito dispendioso.

O mais importante é que esta mensagem passe. Israel precisa de a ouvir.

A forma que escolhemos para mandar a mensagem para Israel é da responsabilidade de cada um, individualmente. Há certamente maneiras de fazer visitas éticas que não legitimem ou apoiem o Estado israelita e as suas políticas. Eu sou a favor de ações económicas não violentas direcionadas ao Estado israelita e às instituições ou empresas que a ele estão ligadas quer porque lucram, fruto de políticas abusivas, quer porque contribuem para seu “branqueamento”. Isso não significa que eu não possa comprar hummus no “makolet” do meu primo se eu vier visitar a minha família.

E parece-me que encontraste a tua própria forma de participar – ao boicotar o Genesis Prize.

Há ainda uma última diferença entre nós que eu gostaria de assinalar. Talvez tenhas equacionado um dia voltar dos Estados Unidos para morar em Israel com a tua família. O teu companheiro, Benjamim, um coreógrafo nascido em França, poderia residir em Israel e depois tornar-se cidadão Israelita porque tu és uma cidadã israelita.

Mas a minha companheira e eu não podemos regressar porque ela, professora de Química, é palestiniana nascida na Cisjordânia, uma terra ocupada pelos israelitas. Isto quer dizer que, apesar de eu ser um cidadão israelita, o Estado impede quem tiver casado com palestinianos de morar com eles em Israel. E isto porque, conforme explicou Netanyahu, isso levaria a um “derrame demográfico”.

A diferença, compreendes, é que o Estado se sente ameaçado pelos nossos filhos que hão de vir, mas não com os teus.

Contribuiste à tua maneira esta semana no sentido de acabar com esta situação perversa, colocando-te no limite de quem quer ver acabar este tipo de desigualdades. Espero que tu e outros que se tenham sentido inspirados pela tua decisão o continuem a fazer de modo a amplificar o volume até que a mensagem já não possa ser ignorada.

Atenciosamente,

Yousef

 

Yousef Munayyer, analista político e escritor, é Diretor Executivo da Campanha dos E.U. pelos direitos dos Palestinianos

Originalmente publicado em forward.com

Traduzido por Kevin Tavares

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