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Milhares de advogados e solicitadores sem proteção social

Perante a crise pandémica, a grande maioria destes profissionais sofreu uma perda de rendimento acentuada. A Caixa de Previdência pela qual são abrangidos não assegura os apoios necessários. Neste debate, José Manuel Pureza, Paulo Pedroso e Ana Silva debatem que proteção social para estes trabalhadores.

Esta sexta-feira, Ana Silva, advogada, Paulo Pedroso, sociólogo e antigo ministro do Trabalho e da Segurança Social, e José Manuel Pureza, deputado do Bloco, participaram num debate online transmitido em direto na página de facebook do esquerda.net.

Um regime desatualizado e desadequado

Na abertura deste encontro, José Manuel Pureza sinalizou que se registou uma perda de rendimento muito acentuada por parte da grande maioria dos advogados e solicitadores face ao encerramento na prática dos tribunais. Ainda assim, estes profissionais mantêm a obrigação de descontar mensalmente um mínimo de 251,38 euros para a Caixa Previdência para Advogados e Solicitadores (CPAS). Neste período de crise pandémica, acentuaram-se as reclamações dos profissionais no sentido de que a CPAS não assegura os apoios necessários.

Entre 24 e 30 de abril, o Bloco abriu um questionário para advogados, solicitadores e agentes de execução, ao qual obteve 1122 respostas, nas quais a esmagadora maioria denunciou casos de falta de proteção mínima. De acordo com José Manuel Pureza, este resultado é reflexo do movimento de indignação e contestação que vai ganhando expressão e que se materializa, por exemplo, na recolha, em curso, de assinaturas para um referendo que reveja o estatuto da CPAS.

O deputado bloquista sinalizou que o perfil de profissionais já não é o mesmo, com a perda de estatuto, a precarização crescente e a fragilidade social associada, e que há uma desatualização, uma desadequação do regime de previdência a que estes profissionais estão obrigados.

A precariedade laboral que grassa na advocacia

Ana Silva reforçou que, de facto, se regista o surgimento de movimentos espontâneos, embrionários, que agora despontam com mais força. No entanto, lamentou que os mesmos ainda contem com pouca organização e estrutura. Segundo a advogada, ainda carecemos de mediadores, de defensores destes trabalhadores.

Ana Silva deu ainda conta da precariedade laboral que grassa na advocacia, ainda que os próprios profissionais, muitas vezes não assumam a sua circunstância, até mesmo por uma questão de preconceito e do estereótipo que está associado à profissão.

“A existência de advogados assalariados numa sociedade de advogado não é muito diferente do contexto de uma empresa”, exemplificou.

Acresce que, nos primeiros anos de profissão, é praticamente impossível ganhar dinheiro, sendo que as remunerações são irrisórias face ao trabalho prestado e responsabilidade que têm, conforme explicou a advogada. Os estágios de agregação à Ordem, não remunerados ou parcamente remunerados, as taxas de inscrição muito elevadas, as quotas pagas à Ordem, todos os gastos inerentes ao acesso à profissão acabam por se tornar “num constrangimento vil, porque se baseia num obstáculo financeiro”. E estão em causa encargos sem qualquer contrapartida. A isso soma-se o facto de muito trabalho não ser remunerado, o que se traduz em dividas à CPAS, dívidas de quotas à Ordem por parte de muitos profissionais.

Ana Silva fez ainda referência ao facto de os advogados que trabalham sozinhos ou em pequenas sociedades de advogados estarem a ser confrontados com a perda de clientes que, também eles são os mais afetados pela crise.

A advogada defendeu que é preciso criar unidade dentro da classe profissional e aproveitar este momento para exigir efetivas mudanças. Bem como é imperativo traçar um diagnóstico sobre a situação dos advogados em Portugal, nomeadamente no que concerne à quantidade de profissionais que, na prática, acabam por trabalhar por conta de outrem.

CPAS é o último sobrevivente do sistema de previdência social fascista

Paulo Pedroso sublinhou que a CPAS não é privada, tratando-se de um sistema público no âmbito das instituições de previdência social da lei fascista de 1935 que levou à criação desta caixa de previdência em 1947, alargada aos solicitadores ainda antes do 25 de Abril.

Lembrando o que estipula a Constituição portuguesa sobre o direito a um sistema de Segurança Social único e descentralizado, reconheceu que a integração do CPAS continua por fazer. O sociólogo e antigo ministro do Trabalho e da Segurança Social deu conta de que, nos primeiros governos, foi dada prioridade à integração dos sistemas que tinham base distrital, do que resultou que as caixas nacionais se tenham mantido autónomas. “Juntou-se vontade de autonomia dos advogados com a compreensão dos ministros da Justiça”, avançou, sinalizando que o regulamento da caixa, ainda assim é publicado em anexo a um decreto-lei.  

Pedro Pedroso fez ainda referência ao facto de, em 78, durante o governo de Nobre da Costa, ter sido publicado o estatuto da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, que tem sido revisto quando necessário. Acresce que, em 2012, Marques Guedes, quando extinguiu as caixas de previdência, afirmou que a CPAS era privada, deixando-a de fora.

O ex governante apontou que os profissionais são obrigados a inscreverem-se no CPAS e estão proibidos de fazer descontos no regime de Segurança Social dos trabalhadores independentes e que, ainda que a gestão de a CPA ser mimética da Segurança Social Pública, há benefícios na segurança social geral que a CPA só incorpora se entender incorporar. Se, por um lado, não contempla, por exemplo, os direitos parentais, também é apenas parcialmente mimética mesmo em situação de crise pandémica, não contemplando apoios extraordinários.

Este sistema de contribuição obrigatório é o “último sobrevivente do sistema de previdência social fascista”, vincou.

De acordo com Paulo Pedroso, “justiça social séria seria integrar a CPAS na Segurança Social e integrar advogados assalariados no regime geral aplicado aos trabalhadores por conta de outrem”.

 

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