Mike Davis: Os “midterms” e a hegemonia de Trump

01 de December 2018 - 14:40

Os resultados das eleições de meio de mandato deveriam dissipar qualquer ilusão de que o trumpismo seria um pesadelo passageiro ou um acidente histórico. Nenhum Presidente norte-americano, nem Roosevelt, nem Nixon, jamais exerceu domínio tão incontestável sobre o seu partido. Por Mike Davis.

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Há dois anos atrás, analisei os 24 condados que elegeram Obama no coração industrial onde Clinton perdeu para Trump.i Em quase todos os casos, essas áreas, ancoradas por pequenas cidades e municípios industriais que tinham sido focos da CIOii, tinham experimentado encerramentos de fábricas – mais de uma dúzia só durante a campanha. A eleição de meio de mandato, o midterm, de 2018 confirmou que eles tinham-se tornado “vermelhas” (Republicanas)? De forma alguma. Em vinte condados, os Democratas, conforme registam os resultados eleitorais dos Governos ou do Senado, venceram, geralmente pelas suas margens tradicionais. Em dois casos – Niágara (Lockport) e Stark (Canton) – o resultado foi extremamente apertado. No condado de Madison (Granite City) IL onde a reabertura de uma siderúrgica foi atribuída a Trump, os Republicanos, como era de se esperar, tiveram uma vitória fácil. Embora Trump possa reter certa popularidade por causa das suas políticas comerciais, não houve evidência alguma de uma migração generalizada de eleitores um partido para outro. Até mesmo na Virgínia Ocidental, Joe Manchin, do Partido Democrata, levou dois-terços dos votos no condado industrial de Kanawha (Charlestown) onde os professores e outras categorias sindicalizadas fizeram uma forte campanha em sua defesa. (O revés dos Democratas no 5º Distrito Congressional de Oklahoma também se deveu muito à mobilização dos professores.)

Os Democratas saíram-se melhor na Pensilvânia, onde a justiça determinou alterações nos distritos que derrubou uma escandalosa Gerrymander.iii Eles obtiveram três lugares na câmara e uma trifectaiv em Harrisburg. Da mesma forma, reconquistaram todo o terreno que tinham perdido em Iowa e garantiram dois lugares na câmara. Em Michigan, onde a delegação do Congresso está atualmente empatada, ficaram com o Governo mas os Republicanos ainda controlam ambas as casas da legislatura, assim como em Wisconsin, que foi de “azul” a “roxo” na última década. Em ambos os Estados, que já foram bastiões da UAWv, leis recentes right-to-work permanecem firmemente vigentes. Ohio, em contraste com a Pensilvânia, foi mais uma vez um massacre para os Democratas, enquanto que Missouri e Indiana, que já foram Estados “roxos”, agora são seguramente “vermelhos”, conforme ratificado pela derrota de Claire McCaskill e Joe Donnelly, do Partido Democrata.

Nessas áreas do centro-oeste, a chave para o declínio dos Democratas não repousa nos brancos de colarinho azul do arco dos Grandes Lagos, mas mais ao sul, nos subúrbios e nas áreas rurais. Cincinnati e o interior suburbano de Columbus são casos exemplares. A figura do Democrata trumpista de colarinho azul que aparece repetidamente nos editoriais e nas colunas de opinião é em larga medida uma construção ficcional e no máximo um fenómeno transitório.

Enquanto isso, no Sul, a Virgínia representou uma impressionante vitória do partido Democrata, especialmente nos subúrbios de Richmond, provavelmente coroando a sua transformação num Estado seguramente “azul”. A Carolina do Norte, no entanto, permanece refém da Gerrymander responsável pela sua legislatura Republicana reacionária. Mais agradável foi a captura Democrata de Charleston e da lowcountry da Carolina do Sul (SC-01) – uma grande surpresa. Tennessee, Kentucky e Arkansas – todos Estados recentemente competitivos – permaneceram tão seguramente “vermelhos” quanto o Alabama.

Os Democratas, é claro, estão a dar ares de reviravolta épica a esse que talvez esteja mais próximo de um resultado comum de midterm para o partido de oposição.

Em Plains, a reação contra a era Brownback trouxe resultados agradáveis no Kansas. No Nebraska, a progressista Kara Eastman, apelando a tradições perdidas de populismo prairie, perdeu por uma estreita margem ao Republicano incumbente, um general aposentado, em NE-02. Os Democratas estão praticamente extintos na legislatura da Dakota do Sul, mas a corrida pelo governo do Estado foi apertada. Entre os Estados Montanhosos no norte, o Colorado é agora seguramente “azul” e os Democratas controlam a região ocidental de Montana e Greater Salt Lake City. O status quo da legislatura do Estado, no entanto, permanece o mesmo em Montana, Utah e Idaho, embora a expansão do Medicaid tenha vencido em diversas urnas.

Em Washington, a massiva maioria Democrata na região do Puget Sound ofusca o controlo Republicano em Spokane, uma cidade que já teve um autarca negro e um eleitorado Democrata. Apesar das altas expectativas investidas em Mark Begich, os Republicanos preservaram a sua trifecta alasquense com facilidade. A disputa pelo governo do Estado de Oregon foi mais apertada do que deveria ter sido, mas o status quo manteve-se o mesmo. Deixo de lado a Califórnia e a Arizona porque diversas disputas chave ainda não estão decididas.

Os Democratas, é claro, estão a dar ares de reviravolta épica a esse que talvez esteja mais próximo de um resultado comum de midterm para o partido de oposição. Uma verdadeira “onda” eleitoral assemelhar-se-ia mais ao que ocorreu em 2010, quando os Republicanos arremataram 63 lugares. Além disso, o resultado é na verdade uma vitória estratégica para Trump. Ignorando todas as orientações que o aconselhavam a focar-se na economia, ele foi mais baixo que George Wallace e saiu-se bem. O Senado, que é peça chave para as indicações judiciais, é um prémio maior do que a Câmara e Trump, como os seus capangas apontaram hoje, está até contente com a perda de certos membros conservadores na câmara cuja lealdade ao Führer se tem provado duvidosa. A eleição de meio de mandato só foi um grande “acerto de contas” no sentido em que os resultados, se interpretados de maneira realista, deveriam dissipar qualquer ilusão de que o trumpismo não passaria de um pesadelo passageiro ou resultado acidental. Nenhum Presidente Estadunidense, nem FDR nem Nixon, jamais exerceu domínio tão incontestável sobre o seu partido.

Tradução de Artur Renzo para o Blog da Boitempo.

* Mike Davis nasceu na cidade de Fontana, Califórnia, em 1946. Abandonou os estudos precocemente, aos dezasseis anos, por conta de uma grave doença do pai. Trabalhou como talhante, motorista de camião e militou no Partido Comunista da Califórnia meridional antes de regressar à sala de aula. Aos 28 anos, ingressou na Universidade da Califórnia de Los Angeles (Ucla) para estudar economia e história. Atualmente, mora em San Diego, é um distinto professor no departamento de Creative Writing na Universidade da Califórnia, em Riverside, e integra o conselho editorial da New Left Review. Autor de vários livros, entre eles Planeta favela, Apologia dos bárbaros e Cidade de quartzo. O autor também colabora com o livro de intervenção Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil.


i Mike Davis, “The Great God Trump & The White Working Class”, Catalyst. [N. E.]

ii O CIO (Congress of Industrial Organizations) foi uma importante federação sindical que organizava os trabalhadores em sindicatos industriais nos EUA e no Canadá entre 1935 e 1955. [N. T.]

iii Termo bastante utilizado no jargão da ciência política norte-americana para descrever traçados geográficos de zonas eleitorais que produzem distorções de modo a conceder vantagem a determinado partido. [N. T.]

iv Nas eleições do meio dos Estados Unidos fala-se em “trifecta” quando um mesmo partido obtém controlo sobre o executivo do governo do Estado e maioria tanto na Câmara quanto no Senado desse mesmo Estado. [N. T.]

v UAW – United Automobile Workers. [N. T.]