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Marx, imperialismo e o mundo árabe

Neste resumo da sua intervenção na Conferência dos 200 anos de Karl Marx, a 24 e 25 de março, Luís Fazenda defende que desconstruir as teorias de choque de civilizações e as pretensões reacionárias de califados são necessidades da luta imediata.
Luís Fazenda.
Luís Fazenda. Foto Paulete Matos.

A análise dos traços do imperialismo e da relação colonial que Marx produziu tem claramente dois tempos e dois modos.

Durante bastante tempo, Marx laborou na tese de que a revolução socialista na Inglaterra, em França, ou na Alemanha, libertariam as colónias para um desenvolvimento independente mas, mais tarde, evolui para a ideia de que as revoluções anticoloniais podem desferir golpes formidáveis nas burguesias dominantes, instaladas nas metrópoles do imperialismo. O caso da Irlanda foi propulsor dessa inovação estratégica, de como a revolução nacional na Irlanda para afastar o jugo britânico poderia acelerar a revolução socialista na velha Albion. O cursor desse pensamento está refletido na posição intermédia que Marx expressou em 1858, em correspondência com Engels: "Como o mundo é redondo, esta missão – a criação pela burguesia do mercado mundial – parece acabada depois da colonização da Califórnia e da Austrália tal como a abertura da China e do Japão. Desde logo, a questão difícil para nós é esta: no continente (europa) a revolução é iminente e tomará um caráter socialista, mas não será ela fatalmente abafada neste pequeno canto do mundo? De facto, sobre um terreno muito mais vasto, o movimento da sociedade burguesa é ainda ascendente!"  Já o Manifesto Comunista de 1848 assinalava a globalização do mercado e o triunfo do capitalismo à escala planetária. Esse facto cria uma interdependência entre países e regiões no comércio, na dinamização da indústria e da produção primária. As potências capitalistas dominavam os países "atrasados" impondo-lhes o fornecimento de matérias-primas enquanto lhes vendiam produtos industriais. A diferença de valor configurava a troca desigual, ainda mais desigual quando a opressão político-militar de uma das potências baixava artificialmente os preços das matérias-primas. Marx deu especial atenção ao processo colonial entre a Inglaterra e a Índia, embora as suas observações e comentários, em muitos artigos em gazetas da época, se estendessem à China e ao Extremo Oriente, Irlanda, entre outros. Nesse quadro estava descrito o imperialismo como fator político-militar e a relação colonial como governo ocupante. A interpretação marxista do imperialismo como "económico", pela exportação de capitais e domínio do capital financeiro, resultante de um capitalismo organizado em monopólios, é mais tardia e foi partilhada por vários pensadores nos primórdios do século XX.

As referências de Marx ao mundo árabe são esparsas, histórico-culturais, ou notas políticas de repúdio por invasões inglesas ou francesas. Contudo, Marx deu importância ao estudo económico do Egito e ao inventário de modos de produção pré-capitalistas. Também nós entendemos o prisma cultural, Averróis escreveu vários livros e foi tradutor de Aristóteles, discutiu fé e razão e abriu caminho ao racionalismo moderno. Foi contemporâneo de Afonso Henriques, analfabeto. Mas o que é decisivo não são os avanços ou retrocessos culturais mas a perceção das relações de produção em cada época histórica.

É patente a imprescindibilidade de uma leitura marxista atual do mundo árabe a descortinar as contradições de classe numa singular combinação entre o fenómeno pan-nacional e a multiplicidade de estados muito diferentes entre si, os contrastes religiosos e a dominação das companhias estrangeiras. As indicações de Marx sobre as interpenetrações entre as revoluções nacionais e as revoluções socialistas, muito desenvolvidas posteriormente, são um bom ponto de partida quando se olha de perto para o fracasso recente da chamada "Primavera Árabe".

Desconstruir as teorias de choque de civilizações, indutoras das guerras imperialistas, desconstruir as pretensões reacionárias de califados, são necessidades da luta imediata no espaço europeu e americano pois elas adubam o expoente militarista da NATO e dos seus membros. Só a explicação dos conflitos que traz as classes para o centro dessa visão, e não as etnias ou as declinações do islamismo, pode unir a perspetiva dos trabalhadores e das esquerdas qualquer que seja a sua origem e georeferência. Esta é uma proposta internacionalista difícil e, porém, é uma emergência face ao ascenso de Trump e comparsas.
 

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, professor.
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