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“A maior luta democrática nos EUA é garantir que se podem contar os votos”

No debate "Eleições nos Estados Unidos e desafios globais", realizado esta quarta-feira no Teatro do Bairro, em Lisboa, intervieram a eurodeputada e candidata à Presidência da República Marisa Matias e Marcos Farias Ferreira, investigador e professor de Relações Internacionais. Contou ainda com a participação de Izaura Solipa e Miguel Heleno, por videoconferência a partir dos EUA.
Um grande consenso entre democratas e republicanos
Marcos Farias Ferreira começou por destacar a importância das eleições nos Estados Unidos, não só as eleições presidenciais, mas também todas as outras eleições, nomeadamente para a Câmara de Representantes e para o Senado. “As eleições nos EUA são importantes porque afetam-nos a todos, porque os Estados Unidos, como grande potência mundial, têm capacidade de influenciar as transformações no sistema internacional”, apontou o investigador, sublinhando que além disso “os Estados Unidos são um dos atores fundamentais do capitalismo”, que o promove e reproduz e onde se desenvolvem as suas dinâmicas.
“Há um grande consenso dos dois grandes partidos sobre o que são os interesses dos EUA no mundo e quais são as políticas que os EUA devem seguir para projetar esse poder”, salientou em segundo lugar o investigador, acentuando ainda a importância do grande consenso das duas forças sobre a importância de uma estrutura militar para defender e proteger esses interesses.
“Tendo nós a dúvida sobre a capacidade de uma grande potência ser um fator de transformação positiva do sistema internacional para melhor, em nome da emancipação humana, temos de ser capazes de criticar e mesmo escolher o menos mau candidato”, concluiu Marcos Farias Ferreira.
“A maior luta democrática nos Estados Unidos neste momento”
Marisa Matias começou por salientar que estas eleições nos EUA “foram muito mais disputadas do que as sondagens previam”, referindo depois a hipótese de vitória de Biden e os vários processos de impugnação por parte de Trump.
“Estamos a assistir situações atípicas, com interrupção de votações ainda antes da primeira contagem”, sublinhou a eurodeputada, apontando que “neste momento, provavelmente a maior luta democrática nos Estados Unidos é mesmo garantir que se podem contar os votos”.
Marisa Matias referiu a seguir que a disputa presidencial não é uma disputa com os democratas socialistas da América (DSA), “é uma disputa com Biden, com o apoio dos DSA, que se mobilizaram”, mas não conseguiram traduzir a sua luta num movimento na sociedade. “Isto mostra a dificuldade de discutir uma alternativa real nos EUA”, frisou.
A eurodeputada apontou a seguir a necessidade de “pensar seriamente” sobre o facto de Trump reforçar a sua votação nos setores ditos democratas, depois de “quatro anos ao serviço dos interesses mais instalados nos EUA, dos lóbis mais fortes nos EUA, como o da saúde como negócio, ou o do armamento.
O referendo sobre o trabalho nas plataformas como a Uber
Miguel Heleno interveio a partir de Berkeley, na Califórnia. Considerou que a campanha foi “muito apagada e muito cinzenta” e disse que a disputa dos resultados “vai ser muito renhida, nos swing states habituais”. “Muito provavelmente estaremos a contar votos nos próximos dias”, referiu, alertando que Trump “vai abrir uma guerra institucional sobre a legitimidade dessas eleições” e se ganhar “será um mandato ainda mais autoritário e racista”. No caso de Biden ganhar não existirão mudanças profunda, afirmou Miguel Heleno, considerando que o melhor que se poderá esperas será “um mandato semelhante ao do segundo mandato de Obama”.
A concluir, Miguel Heleno exemplificou os perigos da situação atual com o facto de as grandes empresas de plataformas como a Uber terem ganho o referendo sobre o trabalho nas plataformas na Califórnia, em que foi derrotada uma lei antiprecariedade, que considerava como trabalhador quem trabalha para essas plataformas. “O dinheiro manda e consegue dominar”, relevou.
A importância da campanha de Bernie Sanders
Izaura Solipa falou sobre a campanha de Bernie Sanders, salientando que ele deu vida a um movimento e construiu uma identidade política.
Bernie foi um candidato antissistema, disse Izaura, apontando questões importantes na sua campanha, a aceitação da palavra “socialista” pela sociedade americana, a oposição à extrema-direita e o ataque ao dogma da responsabilidade individual, não responsabilizando as pessoas individualmente pela sua condição desigual e defendendo a solidariedade.
Mais importante que o próprio Bernie, foi construir uma identidade política, disse Isaura Solipa, lembrando que os DSA aumentaram aos milhares e os movimentos que estão a ser criados. “Este é o legado da campanha Bernie, podemos ser otimistas em relação ao que ele nos deixou”, frisou.
A luta por um sistema mais justo e equitativo no mundo
Marcos Farias Ferreira falou ainda sobre a importância do multilateralismo, para enfrentar as relações internacionais, como mostrou o combate à pandemia covid-19.
“O multilateralismo é fundamental para tratar dos grandes assuntos do mundo. De questões transversais à humanidade. Precisamos disso como mostrou o coronavírus e será na vacina. Como produzir e distribuir bens públicos de forma equitativa”, apontou o professor de Relações Internacionais, sublinhando que se trata do combate por um sistema mais justo e equitativo .
Sobre o “Black Lives Matter”, Marco Farias Ferreira salientou a capacidade de construir grupos, interseccionalidades, acrescentando que a luta contra as desigualdades e as segregações precisa de alianças entre as várias desigualdades. Destacou ainda a importância da mudança a partir de baixo nes diversas contra as diversas desigualdades.
De 4 para 10 deputadas
Marisa Matias reafirmou ainda a importância do reforço dos democratas socialistas da América, que conseguiram reeleger as quatro deputadas e alcançaram outros mandatos no país. E no próximo Congresso dos EUA, em vez de quatro deputadas haverá 10.
“Nunca pensei que a Cori Bush podia ser eleita para o Congresso”, afirmou Marisa Matias, lembrando que se trata de uma ativista do movimento Black Lives Matter, a primeira mulher negra a ser eleita no estado do Missouri.
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