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"Lista VIP já não é uma lista de quatro pessoas, mas de uma elite do país”

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos afirma que em causa estão pessoas ligadas à política, às finanças e aos negócios. Paulo Ralha tece críticas ao ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, lembrando a sua ligação com “grandes escritórios de fiscalidade que protegem os seus interesses e o seu capital”.
Foto de Paulete Matos.

Em entrevista ao jornal i, Paulo Ralha assinalou que, no que respeita ao combate à fraude e evasão fiscal, persegue-se apenas os contribuintes e os pequenos negócios: “Dá-se a impressão que se está a fazer um trabalho eficaz, que se está a aumentar as receitas fiscais, que não existe fraude e evasão fiscal, quando todos os números mostram exatamente o contrário”, salientou.

Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI), os perdões fiscais “são um incentivo ao ilícito e à fuga”.

“Em Portugal, chegámos a um ponto em que tem de se fazer qualquer coisa que de facto mude consciências e que permita às pessoas agirem por si próprias para contribuírem para que haja justiça fiscal. Chegámos a um ponto em que apenas o fim do sigilo fiscal consegue transformar a sociedade para essa via”, advogou.

Lembrando que “a economia não registada, que é o conjunto de tudo o que está relacionado com fraudes, evasão e planeamento fiscal agressivo, representa cerca de 26% do PIB”, Paulo Ralha sublinhou que “mesmo que não se consiga recuperar essa verba toda, porque é impossível, se recuperássemos um terço era mais do que suficiente para pagar o orçamento do ministério da saúde”. “Permitia pagar o empréstimo à troika sem constrangimentos”, acrescentou.

Muitos daqueles que têm “ocupado cargos na política e em lugares chave no Ministério das Finanças” estão “direta ou indiretamente relacionados com grandes escritórios de fiscalidade e que protegem os seus interesses e o seu capital”

Segundo o dirigente sindical, não temos seguido esse caminho porque muitos daqueles que têm “ocupado cargos na política e em lugares chave no Ministério das Finanças” estão “direta ou indiretamente relacionados com grandes escritórios de fiscalidade e que protegem os seus interesses e o seu capital”.

Paulo Ralha deu o exemplo do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, “que veio de uma sociedade de fiscalidade, está na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, sai do governo e depois está outra vez numa sociedade de fiscalidade”, que tem como “único fim” fazer com que “os seus clientes paguem menos impostos”.

Assumindo que não estamos perante uma ilegalidade, o responsável do STI adiantou que “é legal, mas o que não devia ser legal nem eticamente aceitável é que profissionais desse ramo ocupassem lugares de relevo na política e lugares chave que estão relacionados com a condução da política fiscal do nosso país”.

Paulo Ralha referiu-se aos constrangimentos na análise dos sinais exteriores de riqueza, denunciando que os inspetores estão a ser chamados à auditoria para explicar porque é que estão a aceder a determinados registos. “Neste momento, as pessoas são chamadas à auditoria por causa do trabalho que estão a fazer bem”, referiu.

O que não devia ser legal nem eticamente aceitável é que profissionais desse ramo ocupassem lugares de relevo na política e lugares chave que estão relacionados com a condução da política fiscal do nosso país”.

O dirigente sindical esclareceu que quem está a ser protegido “são pessoas que aparecem na comunicação social ligadas à política, às finanças e aos negócios”. “É esse tipo de pessoas que, através da generalização de controlo de controlo ao acesso aos dados informáticos, estão a ser protegidos, não é o cidadão comum”, avançou.

Questionado sobre se a lista VIP está cada vez mais alargada, Paulo Ralha é perentório: “Sim e já é uma lista de elite. Já não é uma lista de quatro pessoas, mas de uma elite do país. E tem sido protegida dentro da casa através desta direção-geral. Logo que foi despoletado o caso da lista VIP, a situação que devia ter sido completamente desconstruída e voltar ao normal, não, aconteceu, aumentou. A vigilância sobre os trabalhadores aumentou, continuam a ser instaurados processos e está-se a criar um ambiente de medo dentro da casa que desincentiva qualquer ação contra a fraude e a evasão fiscal”.

O presidente do STI alertou que, desta forma, o combate à fraude fica comprometido, defendendo que “num registo democrático todos os cidadãos estão no mesmo pé de igualdade, não se pode criar um regime desta natureza que na prática protege os trânsfugas fiscais, quem tem mais dinheiro, mais relevância imediata, económica e política”.

“Num registo democrático todos os cidadãos estão no mesmo pé de igualdade, não se pode criar um regime desta natureza que na prática protege os trânsfugas fiscais, quem tem mais dinheiro, mais relevância imediata, económica e política”.

Lembrando que a Direção-Geral dos Impostos se mantém e vem do anterior governo, Paulo Ralha defendeu que “tem de haver uma pressão da opinião pública sobre determinados procedimentos que foram implementados, e que continuam em vigor, que enganam as pessoas do ponto de vista mediático ao dizerem que está a ser feito um bom trabalho”. Estes procedimentos, “na prática, escondem um esqueleto que é altamente assustador e estes escândalos sucessivos que temos vindo a conhecer acontecem pela proteção que existe a uma certa elite portuguesa que age de forma tão impune e só de vez em quando é que é descoberta”, apontou.

O dirigente sindical criticou também “a situação completamente anacrónica à custa da separação de poderes que beneficia os trânsfugas, os criminosos e todo o género de crimes”, lembrando, por exemplo, que “a Polícia Judiciária não tem acesso à base de dados da Autoridade Tributária, o que faz com que as limitações da PJ sejam muitas”. “E fruto desta separação e segregação de informação quem está a ser beneficiado é o crime organizado, os trânsfugas fiscais. Todas estas bases de dados têm de estar ligadas em tempo real”, advogou.

Sobre a ideia difundida de que Portugal bateu recordes na arrecadação de receitas fiscais, Paulo Ralha referiu que “é verdade que estamos a bater recordes”, mas não à custa das grandes multinacionais, dos grandes multimilionários, e sim “à custa da classe média”.

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