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Licença para extrair: as ligações da BP à oligarquia da Rússia

A gigante petrolífera viu no colapso da economia russa uma oportunidade para crescer. Nos últimos 30 anos, foi cimentando a sua posição no negócio dos combustíveis fósseis russos, aliando-se a vários oligarcas.
Stand da BP no Salão Automóvel de Moscovo em 2008. Foto Simon Chapman/Flickr

No início da década de 1990, os recursos naturais existentes na Rússia, incluindo as reservas de gás natural e petróleo que a tornam um dos maiores distribuidores mundiais, encontravam-se na posse do Estado. Mas os ventos eram de mudança. A liberalização agressiva levada a cabo pelo governo de Boris Yeltsin já começava a produzir efeitos e as privatizações não tardariam a chegar. 

Em abril de 1990, o ministro Vagit Alekperov preparava um plano para criar uma empresa petrolífera privada, detentora de uma parte dos ativos que o próprio controlava enquanto membro do Governo. Contactou a petrolífera britânica BP para saber se estaria interessada em participar, embora o negócio não tenha avançado. Mas um dos executivos da empresa na altura, John Browne, recorda o que todos pensavam: “era bastante claro que, após a queda do Muro de Berlim, algo estava a acontecer e nós precisávamos de fazer parte disso”.

Seria o início de uma longa ligação da BP aos negócios na economia russa, como relata o Financial Times. A gigante petrolífera viu no colapso da economia russa uma oportunidade para crescer: o país detinha 7% das reservas de petróleo mundiais e 1/3 das de gás e as oportunidades de investimento eram enormes, sobretudo depois de o Ocidente ter perdido o acesso a uma parte importante destes recursos no Médio Oriente, onde haviam sido nacionalizados.

A BP abriria um escritório em Moscovo ainda em 1990. Depois disso, lutou afincadamente para obter as concessões de exploração e produção de combustíveis fósseis. Em 1997, adquiriu 10% das ações da Sidanco, uma produtora de petróleo russa dirigida pelo oligarca Vladimir Potanin, por 571 milhões de dólares. Potanin era um dos vários oligarcas que enriqueceu através da privatização dos recursos estratégicos do país e de esquemas de “empréstimos-por-ações”, que permitiam a empresários com ligações políticas adquirir participações em empresas públicas a preços muito baixos. “Na altura, se se queria estar na Rússia e estar envolvido no mercado de um determinado recurso, trabalhava-se com um oligarca”, explica Browne.

Ao longo das três décadas seguintes, a BP foi cimentando a sua posição no negócio dos combustíveis fósseis russos, estabelecendo parcerias com outros oligarcas, como Mikhail Fridman, e tornando-se, a certo ponto, responsável pelo maior projeto de investimento direto estrangeiro no país.

O papel da gigante petrolífera na construção de relações comerciais entre a Rússia e os países ocidentais foi significativo. O então primeiro-ministro britânico, Tony Blair, queria estreitar as relações com a economia russa e com o presidente recém-eleito… Vladimir Putin. Foi numa visita de Putin ao Reino Unido, em 2003, que o acordo entre a BP e a TNK, de Mikhail Fridman, foi assinado.

Com o passar dos anos, Fridman e outros oligarcas acionistas passaram a querer um controlo maior da exploração petrolífera e a pressionar os seus sócios britânicos. Bob Dudley, executivo da BP que dirigia o consórcio TNK-BP, chegou a abandonar a Rússia devido às pressões que diz ter sofrido por parte dos oligarcas próximos de Putin.

A BP acabaria por vender a sua metade do consórcio em 2013, a troco de 12 mil milhões de dólares e de 18,5% na empresa pública Rosneft. Somando os 19 mil milhões de dólares que recebeu em dividendos entre 2003 e 2013, houve quem considerasse este o melhor negócio da história da petrolífera britânica.

O Financial Times refere ainda que, desde 2013, a participação na Rosneft gerou mais 5 mil milhões de dólares em dividendos para a BP, mesmo apesar das relações entre os países se terem deteriorado e da empresa russa ter sido alvo de sanções norte-americanas e europeias em 2014, na sequência da anexação da Crimeia.

Bernard Looney, o executivo que substituiu Dudley na BP em 2019, continuava a integrar a direção da Rosneft até há pouco mais de um mês. No início de Fevereiro deste ano, disse ao Financial Times que não acreditava numa invasão russa da Ucrânia e que não tencionava desviar o seu foco dos negócios. Tudo mudou no dia 24, quando a invasão se concretizou. A BP anunciou em poucos dias o fim das suas operações na economia russa. Na Rússia, discute-se a expropriação dos ativos de empresas estrangeiras de “países hostis”, como os EUA ou o Reino Unido. O futuro não podia ser mais incerto. 

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