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A libertação de Eddie Conway e a história de opressão aos negros nos EUA

Ao fim de 44 anos na cadeia por um crime que sempre negou ter cometido, o ativista dos Panteras Negras de Baltimore pretende continuar a trabalhar na rede de apoio aos presos que fundou atrás das grades.
Eddie Conway na convenção do Partido dos Panteras Negras em Washington, em junho de 1971. Foto: Thomas J. Halloran

Marshall “Eddie” Conway saiu da prisão esta semana, onde estava há quase 44 anos. Ele foi condenado pela morte de um agente policial em Baltimore, em abril de 1970, e sempre se declarou inocente. Na altura da sua prisão e julgamento, ele era um membro de destaque do comité do Partido dos Panteras Negras de Baltimore, a organização militante pelos direitos dos negros que foi o principal foco do COINTELPRO, o “programa de contrainteligência” ilegal do FBI. O FBI, sob o comando de J. Edgar Hoover, vigiou e infiltrou-se nos comités dos Panteras Negras de costa à costa, sabotando as suas atividades, muitas vezes com violência.

A procuradoria alegou que Conway estava por trás do tiroteio que ocasionou a morte do polícia Donald Sager. O caso baseou-se no testemunho de um agente e de um informador de dentro da penitenciária, que afirmou que Conway descreveu o crime enquanto eles dividiam uma cela. O antigo presidente da NAACP (sigla americana para “Associação Nacional para o Progresso de Pessoas Negras,” em português) de Baltimore, Marvin “Doc” Cheatham, um apoiante de Conway, declarou ao The Baltimore Sun: Isto foi quando o programa COINTEL estava no seu auge. (...) Eles não tinham uma testemunha que o tenha visto no local do crime. Eles não tinham nenhuma impressão digital ou prova. Eles basicamente o condenaram com base na declaração de um informador.” Um movimento mundial cresceu clamando pela libertação de Conway. Em 2001, o Conselho da Cidade de Baltimore elaborou uma resolução pedindo ao governador de Maryland que o perdoasse.

A prisão de Conway ocorreu um ano antes que um grupo de ativistas anti-guerra invadisse um escritório do FBI em Media, Pensilvânia, e levasse milhares de documentos secretos do FBI, divulgando-os na imprensa. A palavra “COINTELPRO” foi exibida pela primeira vez.

Um dos advogados de Conway por mais de 20 anos, Bob Boyle, explicou: “o julgamento de Conway ocorreu em janeiro de 1971. A invasão ao escritório do FBI em Media, que levou às revelações sobre o COINTELPRO, só ocorreu em abril daquele ano. Então Eddie foi a julgamento num tempo em que o COINTELPRO ainda estava ativo e o júri não sabia que havia uma campanha para neutralizar as lideranças e acabar com a organização do Partido dos Panteras Negras."

Foi neste meio que o comité do Partido dos Panteras Negras foi criado. Conway esteve no exército dos EUA na Alemanha e foi convocado para servir no Vietname. No verão de 1967, ele viu uma foto dos protestos em Newark, “colocaram veículos blindados dentro da comunidade negra e apontaram metralhadoras calibre .50 na direção de umas 30 mulheres que estavam paradas numa esquina (...) alguma coisa estava errada, e eu sabia que eu podia voltar pra casa para ajudar a mudar aquela situação”.

Ele juntou-se à NAACP e ao CORE (Congresso de Igualdade Racial, em português), “analisei as diferentes organizações, e o Partido dos Panteras Negras representava uma tentativa séria de alimentar as crianças, começar a educar a população, começar a organizar um sistema de saúde e coisas assim. Então juntei-me a eles e comecei a trabalhar.”

O que Conway não sabia é que o comité de Baltimore tinha sido na verdade criado por um polícia infiltrado. Conway começou a desconfiar de um dos líderes locais, “havia um capitão de defesa chamado Warren Hart, ele trabalhava para a Agência Nacional de Segurança (NSA) (...) eu expus a sua identidade depois de uma série de investigações e ele deixou o país.” Pouco depois de expor o agente, Conway foi preso por acusações que acabaram por deixá-lo preso por quase 44 anos.

Ele levou uma vida exemplar atrás das grades, detalhada nas suas memórias “Marshal Law.” Conway contou ao “Democracy Now!” sobre as prisões do estado de Maryland: “há uma quantidade gigantesca de homens jovens na prisão, e pelo facto de não haver nada construtivo para se fazer por lá, havia muita violência. Então eu comecei a tentar encontrar formas de diminuir a violência e depois encontrar coisas que pudessem enriquecer a vida do prisioneiro.” Ele ajudou a fundar o programa Amigo de um Amigo, que ajuda os prisioneiros mais jovens e mais vulneráveis a adaptar-se e sobreviver melhor a um sistema prisional tão brutal.

Eddie Conway fará 68 anos em abril. Depois de 44 anos atrás das grades, vocês pensariam que ele nunca mais gostaria de pôr o pé fora da cadeia novamente. Mas este não é Eddie Conway. Para o futuro, ele diz: “vou continuar a trabalhar com a organização Amigo de um Amigo. Acredito que salvei muitas vidas. Acredito que posso salvar muitas mais.”


Tradução de Roberto Brilhante, publicado no portal Carta Maior.

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Sobre o/a autor(a)

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
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