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Kirk Douglas faz cem anos, e o circo continua

"Ace in the Hole" e "Spartacus" revelam porque razão o trabalho de Kirk Douglas permanece atual. Por Tiago Ivo Cruz.

No final de Ace in the Hole, Chuck Tatum, um jornalista que inventa histórias sensacionais interpretado por Kirk Douglas, avisa a população que "o circo acabou". O mineiro soterrado tinha morrido e a feira popular que tinham montado graças às suas notícias torna-se repentinamente grotesca. Uma imagem tenebrosa da relação entre os media e o poder político que só ganhou relevância na era da pós-verdade das direitas.

O desastre de bilheteira de Ace in the Hole em 1951 é fácil de entender à distância. Apesar da personagem cativante de Kirk Douglas e da realização de Billy Wilder, a narrativa não é fácil de enquadrar e choca pela força da crítica que lança sobre o sistema.

O trailer apresenta Tatum como o "campeão", mas do quê? Da mentira? O mineiro morre por culpa de Tatum ao subornar o xerife para atrasar as operações de salvamento de forma a vender mais jornais, e ninguém é responsabilizado. O sistema não responsabiliza ninguém nem Tatum se revela numa perfeita metáfora da violência objetiva do capitalismo que é simplesmente inominável - ao contrário do comunismo, ninguém atribui vítimas ao capitalismo -, resultando no colapso neurótico de Tatum no final do filme.

"Commie-Lover"

Foi a ameaça que membros do Comité para as Atividades Não-Americanas (the House Un-American Activities Committee) - entre os quais, Ronald Raegan - lhe lançaram quando Douglas defendeu a contratação de Dalton Trumbo como argumentista de Spartacus.

Trumbo, membro convicto do Partido Comunista dos Estados Unidos da América, foi colocado na lista negra pelo movimento de McCarthy, o que significava na altura o desemprego e exclusão social. Dizia Kirk Douglas aos 98 anos, «Durante a lista negra, tinha amigos que se exilaram por ninguém lhes dar trabalho; actores que se suicidaram em desespero. (...) Eu próprio fui ameaçado com o fim da minha carreira se contratasse Donald Trumbo. Há alturas em que uma pessoa tem de defender princípios."

Não deixa de ser profundamente simbólico que tenha sido com Spartacus que Kirk Douglas tenha derrotado o Comité, reabilitando algumas das vítimas de perseguição política em Hollywood. O romance histórico de Howard Fast (ele próprio vítima de perseguição política nos EUA) sobre o qual Kubrick realizou Spartacus, sintetiza os principais elementos da figura romântica que se tornou conhecida no século XX: um escravo/gladiador que se rebela contra a opressão romana.

Na realidade, não há, de facto, grandes evidências que o pastor Trácio, tornado soldado romano e vendido como escravo tenha alguma vez tido um objetivo político emancipatório. No entanto, apenas o facto de ter provocado a ira da direita reacionária norte-americana sugere que "Spartacus" mantém uma atualidade política inegável.

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