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“Juntamos esta maioria para proteger quem trabalha”

Mariana Mortágua afirma que o Bloco de Esquerda aprova o Orçamento do Estado para 2016 (OE2016) e salienta que o contributo do Bloco “foi decisivo para que este orçamento possa ousar travar o empobrecimento do país”.

Intervenção de Mariana Mortágua no encerramento do debate do OE2016

O orçamento que hoje será aprovado com o voto do Bloco de Esquerda teve um rascunho inicial e muitas propostas de alteração. Foi piorado pela Comissão Europeia e melhorado, depois, pela Assembleia da República. Sabendo das dificuldades deste Orçamento - pela parte do Bloco, nunca escondemos as suas insuficiências - há duas coisas que ninguém pode negar:

Em primeiro lugar, este foi o orçamento mais escrutinado, mais debatido e negociado da nossa história recente. É a expressão de um novo momento político, livre do autoritarismo das maiorias absolutas e sujeito à legítima diversidade representativa do parlamento. Houve pluralismo e democracia nestes dias.

este foi o orçamento mais escrutinado, mais debatido e negociado, da nossa história recente

Em segundo lugar, é a primeira vez, em cinco anos, que a Assembleia da República aprovará um orçamento totalmente em acordo e respeito pela Constituição da República Portuguesa, e isso não é coisa pouca. Há mesmo quem não se consiga habituar a esta bizarria.

É certo que ontem, durante o debate da manhã, tivemos a oportunidade de ouvir deputados do PSD indignados com uma norma orçamental que pretendia alterar, imagine-se, de forma unilateral e abrupta, nada menos que uma regra de funcionamento do sistema bancário. Mexer no imposto de selo sobre os bancos? Anátema! Quem se atreve a tocar nas legítimas expectativas, no pé de meia constituído pelos nossos esforçados banqueiros?

é a primeira vez, em cinco anos, que a Assembleia da República aprovará um orçamento totalmente em acordo e respeito pela Constituição

O PSD exige respeito. O mesmo PSD que, na chefia do governo anterior, orçamento após orçamento, cortou unilateralmente complementos de reforma, salários, pensões e apoios sociais, do RSI ao abono, passando pelo subsídio de desemprego.

Já o CDS, que agora arranca os cabelos pela tributação dos combustíveis, é o mesmo CDS que, orçamento após orçamento, alterou os escalões do IRS, subiu o IVA da restauração e da eletricidade, impôs uma sobretaxa sobre os salários e só não tornou permanentes os cortes nas pensões porque o Tribunal Constitucional não permitiu.

Programa de Passos e Portas: “Contenção dos rendimentos, devastação da segurança social, cortes nas pensões”

A transformação que a direita operou em Portugal ao longo dos últimos quatro anos tem uma medida muito clara: a tal classe média que tanto diz proteger nunca foi tão reduzida.

Os efeitos da austeridade estão à vista de todos: aumento do desemprego estrutural, da pobreza infantil e entre os idosos.

PSD e CDS dirão a este respeito que toda a austeridade era inevitável, uma imposição da Troika que nos diagnosticou a bancarrota. É falso. Não só havia alternativas como o projeto de transformação da direita foi muito além da austeridade, deixando marcas profundas no regime social.

No Programa de Estabilidade até 2019, entregue à Comissão Europeia por Passos Coelho e Paulo Portas, lá estava: contenção dos rendimentos, devastação da segurança social, cortes nas pensões em pagamento

Enquanto batia com a mão no peito pela saúde pública, o governo PSD-CDS subia taxas moderadoras, cortava no orçamento do SNS, expandia a precariedade e a subcontratação e entregava de mão beijada hospitais às misericórdias.

Enquanto batia a mão no peito pela qualidade do ensino, o governo PSD-CDS inventava novas humilhações contra os professores e mais contratos de favor com os grupos privados do ensino.

Enquanto se declarava pelo Estado Social, o governo PSD-CDS excluía 60 mil idosos do CSI, 60 mil crianças do RSI e entregava pela calada funções cruciais da segurança social a instituições privadas.

Enquanto juravam pelo país, Passos Coelho e Paulo Portas contentavam-se com a pior relação diplomática com Bruxelas e Berlim: a submissão obediente, sem perguntas ou discussões.

O “ajustamento estrutural”, que é o nome desta revolução perversa e nunca verdadeiramente assumida, não é apenas um programa económico. É, acima de tudo, um novo projeto ideológico de poder social autoritário, apoiado na troika mas continuado como um destino nacional.

No Programa de Estabilidade até 2019, entregue à Comissão Europeia por Passos Coelho e Paulo Portas, lá estava: contenção dos rendimentos, devastação da segurança social, cortes nas pensões em pagamento.

Felizmente, essas opções orçamentais da direita nunca chegaram a ver a luz do dia. E uma coisa garanto: estavam muito mais perto do extremismo ultra-liberal do que dessa social-democracia que o PSD sempre invoca em dias de festa ou cerimónias fúnebres, e mesmo da confissão cristã que emerge sempre que o CDS chega à oposição.

Ao contrário desse futuro de austeridade que soubemos recusar, o orçamento que vamos aprovar hoje repõe a normalidade constitucional. A aversão que a direita lhe tem mostra bem a forma como se radicalizou, como se afastou desses princípios, do projeto social que fundou a democracia em Portugal e que marcou a Constituição da República Portuguesa.

Começar a corrigir injustiças graves e trazer algum alívio à vida de milhões de cidadãos”

Não perdemos tempo com ilusões. As pressões da Comissão Europeia são, hoje, o maior risco para a consagração desse projeto. Quem tiver dúvidas, confira as estratosféricas exigências para um obscuro “défice estrutural”, conceito mais que duvidoso. Foi nessa receita que veio prescrito o aumento do imposto sobre os combustíveis.

Ainda assim, a proposta que chegou à Assembleia traçava um diagnóstico que partilhamos e que é, em si, uma estratégia: o empobrecimento, o desrespeito pelo salário e pelo trabalho, a desigualdade social e fiscal não são formas de desenvolvimento ou de progresso.

Por isso, começámos por inverter o retrocesso: os acordos entre o PS e os partidos à sua esquerda permitiram a devolução de salários na função pública, a eliminação da sobretaxa para quase todos os contribuintes já este ano, o aumento do salário mínimo, a reposição de apoios sociais sabotados pela direita e a reversão da injusta reforma do IRC.

Depois, o debate na Assembleia cumpriu o seu papel e o documento voltou a melhorar.

orgulhamo-nos do que conseguimos:
atribuição automática da tarifa social a um milhão de famílias;
novo aumento do Complemento Solidário para Idosos e do abono de família para dependentes com deficiência;
regime contributivo mais justo para os trabalhadores a recibos verdes;
mais equidade no IMI

Pela parte do Bloco de Esquerda, orgulhamo-nos do que conseguimos: a atribuição automática da tarifa social a um milhão de famílias com comprovada carência económica (-110 a 130€ por ano na conta da luz); um novo aumento do Complemento Solidário para Idosos e do abono de família para dependentes com deficiência; um regime contributivo mais justo para os trabalhadores a recibos verdes; mais equidade no IMI, já que as deduções fixas por dependente vêm evitar que o filho de um rico valha mais que o filho de um pobre. Estes são apenas alguns exemplos, porque estamos a prestar contas por cada decisão, nem sempre fácil, que tomámos.

No final deste processo, com o esforço da proposta e a força do nosso voto, contribuímos para começar a corrigir injustiças graves e trazer algum alívio à vida de milhões de cidadãos que a austeridade tanto tem castigado.

A questão que se impõe é: que contas prestará o PSD ao país? Como conseguirá explicar que, por pura birra, votou contra a majoração do subsídio social de desemprego, contra o aumento do abono de família ou do complemento solidário para idosos.

Neste processo orçamental, o PSD não provou apenas ser absolutamente inútil ao país. Ficou claro que só tem agressividade onde lhe falta razão, que despreza a obrigação de representar os seus eleitores e acha que a política só vale uma pirraça. Agradecemos por isso a Passos Coelho: o vosso sucesso ao demonstrarem que só pensam nos lugares que perderam quando vos faltaram os votos poupa-nos muito trabalho. Ao povo deste país basta-nos dizer: "vejam e ouçam a direita". É ao que está reduzida a glória da austeridade.

Contributo do Bloco foi decisivo”

Votamos este orçamento pelas escolhas que faz, sabendo que fica muito por fazer.

Num país que atingiu níveis inimagináveis de pobreza nos últimos anos, é necessário pensar, aplicar e financiar respostas para os desempregados, sobretudo os de longa duração.

se queremos criar emprego, fomentar a inovação e o desenvolvimento produtivo, então o Estado deve assumir as suas funções.
Para além de escolhas claras de política económica e industrial, é preciso ter investimento público.
Nenhuma destas prioridades é ainda respondida em pleno por este orçamento

É urgente combater a precariedade começando por bani-la do Estado, dando a estes trabalhadores um vínculo, um salário e os direitos que lhes devemos.

Precisamos de prosseguir o aumento do salário mínimo para proteger a economia e os baixos rendimentos.

É necessário fazer reformas profundas e estruturais no nosso regime fiscal para acabar com os alçapões e os incentivos à fuga consentida ao fisco. Não mais podemos ter uma autoridade tributária implacável com quem não paga porque não pode ou não sabe, mas tão complacente com o abuso propositado.

Finalmente, se queremos mesmo criar emprego, fomentar a inovação e o nosso desenvolvimento produtivo, então o Estado deve assumir as suas funções. Para além de escolhas claras de política económica e industrial, é preciso ter investimento público.

Nenhuma destas prioridades é ainda respondida em pleno por este orçamento. Nem poderá ser, provavelmente, num país em que os juros dívida pública sangram mais de 10% de toda a despesa e em que o sistema financeiro é uma bomba relógio a tique taquear cada vez mais alto.

Estas escolhas implicam por isso os debates mais difíceis sobre o que fazer com este sistema financeiro e como garantir a sustentabilidade da dívida

Estas escolhas implicam por isso os debates mais difíceis sobre o que fazer com este sistema financeiro, neste momento disputado por Espanha e Angola, e como garantir a sustentabilidade da dívida. Os grupos de trabalho acordados entre o Bloco e o Partido Socialista permitirão, num prazo de seis meses, avançar nas respostas sobre estes temas essenciais.

O contributo do Bloco foi decisivo para que este orçamento possa ousar travar o empobrecimento do país. Orgulhamo-nos deste caminho. Falta agora o mais difícil: coragem para executar estas escolhas, alicerçada na força social que defende o país da burocracia europeia.

M.Mortágua: “Bloco foi decisivo para que este orçamento possa travar o empobrecimento do país”

Termos relacionados Orçamento do Estado 2016, Política
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