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Inocêncio de Matos, estudante morto pela polícia em Angola tornou-se símbolo

A sua família anunciou que irá processar o Estado. Uma vigília de homenagem acabou por não se realizar depois de três pessoas serem detidas. O funeral será esta segunda-feira.
Uma das imagens de Inocêncio de Matos que circula nas redes sociais.
Uma das imagens de Inocêncio de Matos que circula nas redes sociais.

Inocêncio de Matos nunca tinha participado numa manifestação. Saiu à rua no 45º aniversário da independência de Angola. A irmã diz ao Novo Jornal que a família o tentou demover “por receio de que lhe acontecesse algo". Não voltou a casa e só souberam que aconteceu o pior quando viram um vídeo que circulava nas redes sociais sobre a morte de um jovem manifestante.

Tinha 26 anos e era conhecido como “Beto”. Natural do Uíge, vivia no bairro São Pedro da Barra, na periferia de Luanda e estudava no 3º ano de Ciências da Computação da Universidade Agostinho Neto.

À Lusa, o seu pai, Alfredo Miguel de Matos, um ex-combatente que perdeu o outro filho há cerca de um ano, não se mostra convencido com o relatório da autopsia do hospital Américo Boavida. Nele está escrito que o jovem foi vítima de "agressão física com objeto não especificado", tendo resultado dessa ação um "traumatismo cranioencefálico grave, fratura aberta e penetrante frontal direita com exposição de tecido cerebral".

Para Alfredo, “dão-nos a entender que o Inocêncio entrou vivo para o hospital, mas por tudo o que espelha o próprio documento acreditamos que tenha entrado já morto. O que aconteceu foi nada mais do que brutalidade, uma atitude desproporcional das forças policiais”.

O pai de Inocêncio apresenta assim o filho: "no tipo de famílias que somos, ter um filho a este nível realmente foi o orgulho da família, um filho completamente regrado, sem motivos de queixa embora determinadas pessoas queiram fazer passar a informação distorcida sobre o indivíduo que ele era”.

Face às dificuldades financeiras desta família há uma campanha de recolha de donativos para o funeral marcado para esta segunda-feira. Também o apoio jurídico será apoiado. À Deutsche Welle África o advogado Zola Bambi dá conta que, em nome da família, irá processar a política e o governo. O advogado é outro dos muitos que não acredita na versão oficial do sucedido. Pensa que as declarações da polícia a negar o uso de balas reais foram “infelizes”, uma vez que o "o facto foi presenciado por muita gente e haviam muitos telefones a filmar e testemunhas oculares".

A Human Rights Watch também protesta contra os tiros policiais. Zenaida Machado, investigadora sénior da organização de defesa dos direitos humanos, escreveu em comunicado que "os disparos da polícia contra manifestantes pacíficos são revoltantes e criminosos", escreveu em comunicado da HRW.

Três detidos em vigília

Inocêncio de Matos tornou-se entretanto um símbolo da revolta. Foram marcadas vigílias em sua memória. Uma delas, marcada para sexta-feira, no largo da Igreja Sagrada Família, em Luanda, foi alvo de uma intervenção policial da qual resultou a detenção de três ativistas, Rui dos Anjos, Songola Latino e Laurinda Gouveia.

À RFI, Francisco Mapanda, um ativista angolano conhecido como Dago Nível, também presente no local fala em “sequestro”, numa circunstância em que “não havia razões legais” para impedir a ação e diz que depois os detidos terão sido abandonados numa mata do Kwanza Norte.

Dago Nível, que tinha estado ao lado de Inocêncio de Matos, que não conhecia, foi um dos manifestantes que confirmou os tiros policiais: “éramos muitos e não tinham como nos parar, começaram a fazer tiros para o ar e para o chão e nós ajoelhámos e levantámos as mãos como forma de inibir a polícia e começámos a cantar o hino”, contou à Lusa.

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