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Indulto a Fujimori é o triunfo da imoralidade

Em dez anos na presidência, Fujimori acumulou uma fortuna estimada em 600 milhões de dólares. Kuczynski consagrou a impunidade – a sua própria e a de Fujimori - como único fundamento do seu governo. Por Oscar Ugarteche, economista peruano.
Atual presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, à esquerda, e Keiko Fujimori, à direita. Ao centro, Francisco Távara Córdova, ex-presidente da entidade eleitoral (Jurado Nacional de Elecciones - JNE)
Atual presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, à esquerda, e Keiko Fujimori, à direita. Ao centro, Francisco Távara Córdova, ex-presidente da entidade eleitoral (Jurado Nacional de Elecciones - JNE)

No domingo passado, o presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski concedeu um indulto ao ex-ditador Alberto Fujimori, que cumpria pena de 25 anos por crimes de lesa humanidade. A medida deixou em evidência o preço pago pelo presidente aos deputados fujimoristas entre eles Kenji Fujimori, filho do indultado - que votaram contra uma moção que levaria o atual presidente à destituição por permanente incapacidade moral, devido aos seus vínculos com os casos de corrupção envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht, a quem Kuczynski prestou serviços de consultoria.

A situação era insólita: enquanto o presidente negociava os termos dos favores que precisará devolver com um grupo de partidários do ditador preso, os seus aliados conversavam com a esquerda para que esta não votasse a favor da destituição, e em troca oferecia a negativa a qualquer tipo de perdão a Fujimori.

A imoralidade das negociações do grupo de Kuczynski é impressionante, e o resultado final foi um acordo marcado por duas manchas de impunidade: a do próprio presidente, que se livrou das denúncias de corrupção, e a do máximo responsável pelas gravíssimas violações aos direitos humanos ocorridas no Peru entre 1990 e 2000 - um sujeito que, infelizmente, ainda conta com uma ampla base política no Congresso do país, a qual é liderada por sua filha, a ex-presidenciável Keiko Fujimori, derrotada por Kuczynski em 2016.

Cabe recordar que Alberto Fujimori realizou um autogolpe em 1992 para aumentar o seu poder, ficando toda uma década na presidência do Peru. Em dezembro de 2007, depois de quatro anos fugindo de problemas na Justiça, ele foi condenado pela sua responsabilidade pelos massacres de La Cantuta e Barrios Altos, onde morreram dezenas de opositores do seu regime.

Mas os atentados aos direitos humanos não foram as únicas façanhas do ditador: nos seus dez anos na presidência, Fujimori acumulou uma fortuna estimada em 600 milhões de dólares, corrompeu diretores de meios informativos com dezenas de milhões de dólares, criou uma rede de espionagem ilegal para monitorizar e atacar os seus opositores e permitiu que o seu principal assessor, Vladimiro Montesinos, organizasse grupos paramilitares para atuar politicamente no país.

Com estes antecedentes, parecia natural que a ideia de um indulto por parte do presidente Kuczynski enfrentasse a oposição de setores mobilizados da sociedade, incluindo alguns aliados governistas. Ao conceder o benefício, o presidente mostrou-se como uma pessoa carente de escrúpulos, e assim viu como grande parte do seu apoio político evapora. Além disso, a medida foi tão desastrosa que o presidente sequer teve o cuidado de averiguar que ela é ilegal diante das normas internacionais às quais o Peru está comprometido, além de violar também as decisões do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos a respeito dos crimes do ditador - considerados crimes de lesa humanidade, e que portanto são imprescritíveis e não passíveis de receber indultos ou amnistias.

Desta forma, Kuczynski consagrou a impunidade – a sua própria e a de Fujimori - como único fundamento do seu governo, e com isso condenou o resto do seu mandato a permanecer sob questionamento, carente de legitimidade.

Se tivesse vergonha na cara, Kuczynski renunciaria, mas já se sabe que a sua única motivação é o dinheiro e o poder. Muitos dos que votaram por ele se sentem enganados, acreditavam no seu discurso de eficiente profissional do mercado. O espelho peruano termina por revelar que a corrupção política e a desintegração nacional chegaram à sua máxima expressão.

Artigo de Oscar Ugarteche, economista peruano, publicado em La Jornada, traduzido por Carta Maior.

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