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Incêndios: As erradas políticas florestais e a inaptidão e falhas do SIRESP

Fazerem-se as necessárias considerações aos recentes incêndios, obriga-nos a encontrar, muito graficamente, dois tipos de explicações, que passam pela larga tradição que as erradas políticas florestais têm em Portugal e a inaptidão e falhas do SIRESP. Por José Sintra.

Este é o segundo de sete artigos, da autoria do jurista José Sintra, que serão publicados no Esquerda.net. O próximo texto, sobre "O contrato entre o Estado e a sociedade gestora do SIRESP", será publicado no domingo, dia 6 de agosto.

O primeiro artigo está disponível aqui:

Incêndios, Pedrogão Grande, e as diferentes responsabilidades que cabem ao Estado e SIRESP


As erradas políticas florestais têm larga tradição em Portugal

As relativamente mais remotas no tempo, desde o salazarismo, tomando como referência os seus modelos das economias dos campos, determinados pelos interesses económicos e sociais e consagrados pela sua grelha ideológica, dos anos 30 em diante.

Num segundo momento, o pós 25 de Abril de 1974, que reproduz a falta de ordenamento territorial e da floresta, com efeitos agravados pelo decurso do tempo até aos dias de hoje. Ou seja, somos hoje tributários das políticas erradas e implementadas há quase cem anos.

Se nos reportarmos ao período do Estado Novo, há dois momentos paradigmáticos de atentados ao património florestal, anos 30’s e 40’, com o desmatamento e abate das florestas de espécies autóctones (carvalhos, sobreiros, azinheiras e castanheiros) sobretudo no Alentejo mas também na região de Setúbal, Beira Baixa e Algarve para as “campanhas da monocultura do trigo”, política económica que se prolongaria até ao 25 de Abril. No interior centro e norte, o abate da floresta composta pelas espécies autóctones foi mais tardio.

As campanhas do trigo iniciadas nos anos 30’s foram um factor de procura de autonomia cerealífera, a explicação económica do regime, discutível porquanto o nosso clima e terras não era o adequado e as produtividades eram baixas, muito embora houvesse a tendência para aumento anual das áreas de sementeiras.  Paralelamente, era reduzido drasticamente o montado.

Uma outra explicação, complementar e também verificada, radica na necessidade de o fascismo consolidar a sua base social, os latifundiários, que encontraram nas condições de proteccionismo oferecidas pelo regime fascista uma garantia reforçada de venda do trigo com preços determinados e negociados com o governo e uma garantia de mercado exclusivo em Portugal nas Colónias africanas. Esta opção contribuiu em muito para consolidar materialmente a dependência da classe dos latifundiários pela manutenção das colónias e seu incondicional apoio à guerra colonial. Enquanto classe, os latifundiários sabiam-se indissociáveis da conservação do Império. Caso a colonização terminasse, o seu destino enquanto classe, fracção da classe dominante, era o seu inevitável óbito.

Com o 25 de Abril de 1974 e queda do fascismo, encerrou-se nos campos do Alentejo o modelo arcaico de reprodução social e apropriação das mais-valias pela classe latifundiária que desapareceria, enquanto tal.

No período da Segunda Guerra Mundial intensificou-se de novo o abate de floresta, não apenas pela intensificação das campanhas do trigo mas pelo seu valor de combustividade das madeiras de espécies e variedades locais para fazer carvão vegetal.

Também os baldios, terras comuns das aldeias e povoados, dos quais os habitantes locais retiravam algum rendimento para sua subsistência, áreas mistas de floresta e agro-pastorícia, foram objecto da destruição e apropriação pelo Estado Novo, merecendo, pelos populares, o epíteto de “Estado ladrão”, o que desencadeou forte repressão contra os camponeses. GNR e PIDE instalaram-se nos povoados que resistiam. A defesa dos baldios enquanto bem comum fora uma luta pluri-secular nos campos e, em muitos casos, com registos válidos averbados por entidades competentes ao longo da monarquia, a que Salazar poria fim. Com a apropriação das terras baldias, Salazar, coerentemente, melhor faria o elogio da sua ideologia da “pobreza honrada” das famílias camponesas.

Até ao 25 de Abril, grosseiramente, a situação da “mal amada” floresta não sofre alterações, não obstante o país ter uma notória ruralidade, ser o interior habitado, havendo presença humana e vida económica nas aldeias, pastorícia, pequena agricultura e produção animal. Mesmo nas regiões serranas e de economia maioritariamente de subsistência, havia recolha de matos e lenhas, quer para combustível, quer para o gado.

Os incêndios tinham muito menores condições para sua expansão e eram prontamente atacados pelas populações locais. A intervenção dos bombeiros era realizada com reduzidos efectivos e meios, demonstrando suficiência.

Apenas umas breves considerações sobre o contexto com incidência nas alterações no pós 25 de Abril. Ocorre então nova vaga de saída das populações para as cidades e não já para o estrangeiro, e a tendência para o abandono das terras do interior, a falta de limpeza das matas e a crescente generalização do pinheiro bravo e do eucalipto.

Apenas nos últimos anos desta década se inverteu a mancha florestal dominante, agora favorável ao eucalipto.

É neste contexto de grandes alterações na demografia e vida económica das terras do interior, que arrastou pessoas e matas para o abandono, que os incêndios encontram condições ideais para proliferar com maior violência. Estas circunstâncias favoráveis irão agravar-se crescentemente caso não hajam políticas públicas e uma efectiva reforma florestal. As políticas públicas envolvem a combinação em diferentes áreas, fomento florestal, medidas de fixação das populações com oferta de condições mínimas e de serviços de maior proximidade, medidas fiscais e de promoção de cooperação com produtores e autarquias. Estas são algumas  condições para reverter parcialmente a situação para além de um melhor aproveitamento da floresta na criação de pequenas indústrias locais. Portugal não tem indústria nem uma produção e actividade agrícola com expressão. Em contrapartida, quer pelos solos, quer pelo clima, há condições para ser retirado rendimento da silvicultura, sendo esta encarada enquanto actividade económica a ser desenvolvida. A sua racionalidade começa pela prevenção dos fogos, por demonstrar às populações que não estão abandonadas pelos poderes públicos e não ficarão sem suas produções a qualquer momento. Caso contrário, ninguém investirá nestas circunstâncias os seus pequenos rendimentos e sua radicação. A excepção são as celuloses que, com a autonomia que os grandes lucros lhes permitem, estão dotadas de meios de prevenção e organização produtiva como também de respostas de emergência eficazes. Tem o Estado que proporcionar aos produtores na silvicultura as medidas legais e apoio técnico enquanto condições prévias à sua necessária confiança.

A resistência governamental em admitir o mau funcionamento do SIRESP

Sem um balanço objectivo dos últimos acontecimentos, os fogos em Pedrógão e em Alijó e, mais recentemente, Proença a Nova, Mação, Coimbra ou Nisa e as repetidas falhas nos serviços de emergência envolvidos, não é possível encorajar as populações a investirem e cuidarem da produção florestal.

E mais, sem que o Estado aja como deve e nos termos de ética social assuma a sua responsabilidade, e estabeleça os nexos de responsabilidade que permitam soluções mais justas para as diferentes vítimas, prioritariamente os familiares dos que morreram, não será realizada justiça e nada vai mudar em tragédias futuras.

A resistência governamental em admitir o mau funcionamento do SIRESP, desvalorizando o facto, tem fácil explicação: tendo o Estado por atribuição a protecção de suas populações e território, e o valor moral da confiança, é difícil para o governo contrariar hoje uma continuidade num negócio celebrado com entidades privadas, o SIRESP.

A admissão de que o operador privado fracassara com o resultado na tragédia verificada em Pedrógão, seria consentir na ideia de que os serviços dependentes da governação não haviam fiscalizado o meio primordial de coordenação dos vários serviços nas necessárias respostas de emergência.

Tanto mais grave por parte do Estado porque as inadequações do operador das telecomunicações tem sido objecto de repetidas reclamações vindas ao conhecimento público em anteriores incêndios, com evidência há dois anos em Sardoal e na Madeira, ou por forças policiais, nomeadamente a PSP, dado que, frequentemente, por saturação ou outros motivos, ficam em baixo as ligações.

Este é o contexto que evidencia não ter o Estado acautelado a confiança das populações na sua segurança, com a consequência directa de cuidar dos prejuízos gerados, sendo-lhe atribuível necessariamente responsabilidade extra-contratual.

Nas esferas da justiça social e pública em que as populações são os destinatários centrais, apenas em sistemas não democráticos o Estado não assumirá sua responsabilidade. Os direitos e deveres do Estado social e de direito, numa acepção pública de justiça, e de suas finalidades sociais e públicas, decorre de auto-vinculações positivas na defesa de todos os bens primários, entre eles a segurança das vidas.

Subsiste unanimidade por parte de entidades públicas envolvidas no combate aos incêndios no dia 17 de Junho, Bombeiros, GNR e Defesa Civil, que as comunicações centralizadas pelo SIRESP tiveram largos e repetidos períodos temporais de não funcionamento e de não superação por sistemas móveis, dado que as duas viaturas para o efeito e na posse do universo SIRESP se encontravam indisponíveis, uma em manutenção e a outra aguardando manutenção mecânica para daí a dois ou três dias (vide sobre estas matérias o Relatório do Ministério da Administração Interna).

Até que ponto resultaram directamente as mortes ocorridas e a expansão dos incêndios, é questão que manifestamente tem causalidade nas circunstâncias concretas de descoordenação das forças no terreno por efeito da falta de informações e instruções sobre a evolução e avanço dos fogos e como melhor os combater e conter. O mais notório e grave foi o facto de a GNR ter dado a civis em pânico as indicações erradas sobre itinerário rodoviário de fuga, de resultaram directamente mortes por acção do fogo.

Estas ocorreram à distância de centenas de metros donde se encontravam os guardas da GNR que, por falta de esclarecimento e de comunicações, deram aquelas informações.

O governo do Partido Socialista deve admitir que a contraparte privada não cumpriu suas obrigações contratuais, factos trazidos ao conhecimento público pelos depoimentos e inúmeros testemunhos. Os resultados deste incêndio de Pedrógão Grande, as mortes dos seus residentes, assim como a destruição de mais hectares de floresta que em todo o país desde o princípio do ano, tiveram grande contributo pela inaptidão e falhas do SIRESP.

 

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