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Imigrantes saem à rua em Lisboa e Porto pela atribuição automática de residência

Vivem, trabalham e pagam impostos em Portugal há anos, mas continuam a aguardar Autorização de Residência. Manifestações deste domingo reivindicam atribuição automática e, em agendamentos futuros, que o processo funcione por ordem cronológica.

Juliet Cristino, da organização da iniciativa, apenas pede justiça. Com nacionalidade brasileira, está em Portugal desde 2019, ano em que apresentou uma manifestação de interesse para poder aceder à Autorização de Residência.

Quando, no dia 26 de maio deste ano, abriram as vagas para marcações, “foram muito poucas as pessoas que conseguiram, de facto, um agendamento”, lembra. “Algumas pessoas submeteram a manifestação de interesse depois de mim e conseguiram marcação. Não é uma questão de inveja, é uma questão de justiça”, frisa.

Em declarações ao Esquerda.net, Juliet Cristino explica que chegou a ver uma vaga para 28 de outubro, às 14h. Mas o sistema estava bloqueado. Quando conseguiu voltar a abrir a página de marcações, no espaço de cinco minutos, já não existiam vagas.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não anuncia a abertura de marcações, as e os imigrantes têm de estar 24 horas por dia em alerta para ter uma janela de oportunidade, que se fecha num piscar de olhos. “As vagas aparecem do nada”, aponta Juliet, sublinhando que conhece quem esteja à espera da Autorização de Residência há quatro anos.

“No meio das dificuldades que as e os imigrantes estão a passar”, esta situação “só veio aumentar o desespero”, refere. E deixa um desabafo: “As pessoas estão cansadas de ser desprezadas”.

As manifestações do próximo domingo, às 16h, em Lisboa, na Praça do Comércio, e no Porto, na Avenida dos Aliados, pretendem “chamar a atenção do governo: somos pessoas, não somos números”.

Juliet Cristino lembra que as e os imigrantes “ajudam o país a crescer”, mas não têm “nenhum tipo de apoio do governo”.

A Juliet, que criou a página de Facebook do grupo “Manifestação 11 de julho 2021 para liberação da residência em Portugal” e impulsionou este projeto, juntaram-se Karina Lerner, Sylvio Micelli e Wellington Gomes da Silva, co-organizadores da iniciativa.

E os apoios a esta manifestação, “que é apolítica e não tem nacionalidade”, foram aumentando. A organização faz um forte apelo à mobilização, e pede que as pessoas compareçam com uma camisa branca.

O documento que assinala as reivindicações do movimento é subscrito pela SOLIM - Solidariedade Imigrante - Associação para a defesa dos direitos dos imigrantes, Casa do Brasil de Lisboa, Associação Olho Vivo, GTO LX - Grupo Teatro do Oprimido de Lisboa, PBFA - Portugal Bangladesh Friendship Association, NRNA Portugal - Non-Resident Nepali Association, CulturFACE - Associação Cultural para o Desenvolvimento e BABP - Bangladesh Association of Barreiro Portugal.

Foto publicada na página de Facebook do grupo “Manifestaçao 11 de julho 2021 para liberação da residência em Portugal”.

O que reivindicam os imigrantes?

  1. Atribuição automática da Autorização de Residência para todos/as os/as estrangeiros/as residentes em Portugal que têm Manifestação de Interesse (MI) e para todos os processos pendentes sem distinção de artigo, independentemente da sua situação laboral;
  2. Em relação a agendamentos futuros, que o processo para obtenção da primeira Autorização de Residência funcione por ordem cronológica, e que os agendamentos fiquem a cargo do SEF, sendo comunicado ao imigrante data, hora e local em que será atendido para finalização o processo, de forma presencial;
  3. Que a estruturação do SEF - Serviço de Estrangeiros e Fronteiras seja efetivamente posta em prática e que as Autorizações de Residência sejam processadas por indivíduos com funções técnico-administrativas e não com funções policiais;
  4. Que as Autorizações de Residência tenham prazo retroativo à aprovação da Manifestação de Interesse para efeitos de atribuição de nacionalidade.

No documento era ainda assinalado que “migrar não é crime”, pelo que se repudiava a decisão de encaminhar os imigrantes para a prisão de Caxias ou para qualquer outra prisão. Entretanto, o Governo recuou nesta matéria.

Estado português não cumpre a lei

A lei portuguesa estipula que o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias. Já o pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias. O diploma legal prevê, inclusive, que, na falta de decisão no prazo previsto, o pedido é deferido e é emitido de imediato o título de residência.

Mas a realidade é completamente diferente. O tempo de espera e as burocracias infindáveis são transversais, e a pandemia só veio agravar um problema que já existia e que tem vindo a ser denunciado pelas organizações de defesa dos direitos dos imigrantes.

A grande maioria dos pedidos dizem respeito a autorização de residência para exercício de atividade profissional subordinada. Ao invés dos 90 dias previstos na lei, regra geral, as e os imigrantes que entregam uma Manifestação de Interesse ao abrigo do Artigo 88.º aguardam entre nove meses a um ano por uma simples resposta do SEF.

Depois têm de esperar uma média de três meses para que abram as marcações. Quando abrem vagas para marcação, como aconteceu no passado dia 26 de maio, o sistema entope rapidamente. As vagas são irrisórias face ao número de pedidos. As marcações não respeitam a ordem cronológica da submissão do pedido, o que gera enorme injustiça. E vingam as máfias que ocupam a maioria dos (escassos) lugares.

O Estado português não é chamado à responsabilidade pelo incumprimento da lei. Já as e os imigrantes enfrentam pesadas consequências, que vão desde dificuldades no acesso ao número do utente do Serviço Nacional de Saúde à aquisição ou troca de cartas de condução no Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) e à obtenção de equivalência no que respeita a currículos académicos. São ainda impedidos de viajar para outros Estados Membros da União Europeia e, se não são preteridos nos empregos por quem tem a sua situação regularizada, são submetidos a exploração escrava e a toda uma série de arbitrariedades a nível laboral.

De acordo com o SEF, as vagas para atendimento aos imigrantes que têm processos pendentes estão “totalmente preenchidas até 30 de outubro” e não existe previsão de abertura de novas vagas. Em 26 de maio, foram abertas 3.600 vagas para imigrantes, que “esgotaram em pouco mais de meia hora”, acrescentou este organismo.

Questionado pelo jornal Público no final de maio, o SEF referiu que estava, “com base nos princípios da igualdade, oportunidade e disponibilidade, a analisar a metodologia mais adequada para o agendamento por ordem cronológica, tendo em conta a data da aceitação da manifestação de interesse”.

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