Numa situação que espelha a atitude do setor privado de saúde em Portugal, a sobrecarga sobre o sistema público de saúde britânico levou o governo a reservar camas nos hospitais privados. Foram pagas na totalidade mas apenas 0,08% da capacidade foi utilizada, revelam agora os relatórios.
Nos 13 meses de crise pandémica aguda no Reino Unido, os 187 hospitais privados a operar em Inglaterra receberam mais de 400 milhões de libras por mês através de contratos que tinham por objetivo aliviar o National Health Service (NHS), o serviço público de saúde do Reino Unido, levado à exaustão devido à crise pandémica da covid-19 e uma gestão desastrosa por parte do governo de Boris Johnson no início da pandemia.
Em março de 2020, o governo britânico acordou o pagamento em bloco de toda a capacidade instalada nos hospitais privados, num total de 7.957 camas e cerca de 20 mil profissionais, para ajudar o NHS a lidar com a crise.
Segundo os dados do Centre for Health and the Public Interest, em 39% dos dias entre março de 2020 e o mesmo mês de 2021, os hospitais privados não trataram de qualquer paciente com covid, e noutros 20% dos dias trataram apenas uma pessoa por dia. No total, fornececeram apenas 3 mil das 3.6 milhões de dias de cama contratados nestes 13 meses, cerca de 0,08% do total.
Simultaneamente, os hospitais privados reduziram drasticamente as intervenções cirúrgicas realizadas, de 3.6 milhões em 2019, para apenas 2 milhões no período em questão, uma queda de 43%.
“Apesar de os contribuintes entregarem milhares de milhões ao setor privado, que foram essenciais para evitar que fossem à falência, os dados demonstram que poucos pacientes de covid trataram e que fizeram menos trabalho para o NHS do que faziam antes da crise pandémica”, disse ao Guardian um dos investigadores do Centro, Sid Ryan.
A sub-utilização da capacidade do setor privado não deveria ter surpreendido o Governo, afirma ainda o investigador, “porque os hospitais privados, tendo camas e salas de cirurgia, necessitam dos profissionais do NHS para garantir o seu funcionamento, e estes profissionais estavam ocupados a trabalhar nos hospitais públicos. O que levanta a questão: porque razão concordou o Governo com este negócio tão generoso [para os hospitais privados]?”
O acordo foi celebrado em março de 2020 como um mecanismo essencial para evitar a exaustão do NHS, mas os contratos estão até hoje fora de consulta pública. Nem o Governo nem o próprio NHS divulgou exatamente os montantes envolvidos nos contratos.