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História feita é história a fazer-se

O sociólogo João Teixeira Lopes sublinha que não há nada de etéreo no marxismo e que este não soçobra aos determinismos grosseiros que lhe quiseram imputar. João Teixeira Lopes estará presente na Conferência dos 200 anos de Karl Marx, a 24 e 25 de março, em Lisboa.
João Teixeira Lopes. Imagem esquerda.net

Se há algo que carateriza o pensamento de Marx é a sua veemente recusa em aceitar as “essências” ou “naturezas humanas” e o seu esforço em contextualizar no espaço e no tempo as relações sociais. O capitalismo, esse sistema de acumulação infinita, tem conseguido sobreviver e adaptar-se, mesmo produzindo crescente injustiça, pela habilidade em dissimular as relações sociais, nomeadamente a exploração. A “inevitabilidade” das desigualdades ou a defesa do seu cariz “biológico” ou “meritocrático”, não resistem à análise dos processos históricos e políticos. Enquanto “necessárias” e “independentes” da vontade dos indivíduos, que amiúde delas não têm consciência, tais relações constituem classes, incrustando-se num conjunto de condições materiais de existência incorporadas com o tempo (e a violência). Incorporadas quer dizer feitas corpo, no corpo, traduzindo-se em práticas como falar, comer, vestir… Não há nada de etéreo no marxismo, assim como é preconceituoso considerar que soçobra aos determinismos grosseiros que lhe quiseram imputar. Marx refere as “variações e matizes infinitas” das manifestações fenomenológicas das relações de classe e vê-as articulando um lugar na produção com o exercício desigual do poder e a luta pela legitimação que advém da produção e disseminação da ideologia (burguesa). Enquanto linguagem da vida real, as representações simbólicas produzem efeitos e participam no conflito sobre a classificação e organização do mundo.

A luta, o conflito e a dinâmica são permeáveis tanto ao tempo longo como ao tempo breve dos acontecimentos, o que fornece um papel crucial à experiência, quer a que é herdada, quer a partilhada no agir do presente. Assim, não há sentido único para a história, nem Marx lhe imputava, qual Messias, um devir inexorável. A história e a luta de classes acontecem no tempo quente das bifurcações e das contradições, como tão bem lembra Daniel Bensaïd.

Sem transcendência ou metafísica, a vida também não é o mergulho na subjetividade desencarnada. A vida é, pois, relação, interindividualidade e determinação recíproca dos sujeitos e das classes numa determinada configuração dinâmica de lutas e interdependências. Sobram, pois, as contradições e os desacordos e por isso as revoluções nunca batem totalmente certo com o contexto político, económico e social em que eclodem. Irrompe, então, a política e a hipótese, meramente a hipótese, sempre dependente das relações de força e dos contextos, de um rompimento do destino.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
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