Herberto Helder: livro censurado há 52 anos vai ser publicado

30 de May 2020 - 23:22

“Apresentação do Rosto”, um “auto-retrato romanceado” apreendido pela PIDE, vai finalmente poder ser lido a partir da próxima quinta-feira.

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Herberto Helder.
Herberto Helder.

O próprio Herberto Helder corrigira gralhas para uma nova edição. Só que nunca chegou a ver republicado o seu livro “Apresentação do Rosto”, que tinha sido apreendido pela polícia política salazarista quando foi publicado em 1968 na editora Ulisseia.

Do ponto de vista da ditadura, diz o despacho que a proíbe, trata-se de uma “autobiografia do autor, que é de índole esquerdista, escrita em linguagem surreal e hermética, que como obra literária não mereceria qualquer reparo, se não apresentasse passagens de grande obscenidade”.

Nas palavras do autor, reveladas na sinopse disponibilizada pela editora, “é um texto que se destina à consagração do silêncio, a gente já pensou tanto, já teve mãos por tantos lados, já dormiu e acordou – bom seria imaginar o espírito apaziguado, a reconciliação do pensamento com a matéria do mundo”. É, diz, o “livro de um poeta que não receia pôr-se diante do espelho e ver-se em profundidade com os ‘fantasmas’ da sua verdadeira descoberta de homem que procura no tempo a dimensão exata da sua presença no mundo.”

Herberto Helder deixou mais trabalho feito neste “auto-retrato romanceado” para além da correção de erros tipográficos e outro lapsos. Mas a Porto Editora esclarece que “não foram tomadas em conta restantes anotações, cortes e sinais, que constam desse exemplar, por não estabelecerem claramente uma nova organização do livro, indicando apenas hipóteses de alteração textual ou as referidas deslocações de fragmentos para outras obras do autor”.

A obra não morreu com essa destruição dos primeiros 1.500 exemplares impressos. Sobreviveu através de vários estudos e teses, como por exemplo “Uma Espécie de Crime - Apresentação do Rosto de Herberto Helder”, de Manuel de Freitas, e disseminou-se em vários outros livros do autor. Agora renasce definitivamente no formato inicial através da iniciativa de Olga Lima, a viúva do escritor.

Herberto Helder nasceu no Funchal em 1930 e morreu em Cascais em 2015. Frequentou as licenciaturas de Direito e de Filologia Românica que abandonou. Colaborou em vários jornais e revistas e foi diretor literário da editorial Estampa. Em 1994 foi-lhe atribuído o Prémio Pessoa que recusou.