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Há cem anos, o repúdio da dívida russa

A 10 de fevereiro de 2018 celebra-se o centenário do repúdio das dívidas ilegítimas, proclamado pelos sovietes a 3 de fevereiro de 1918. Artigo de Eric Toussaint.

Em 2017 celebrou-se o centenário da Revolução Russa, a primeira revolução na História a derrubar o capitalismo na perspectiva de uma revolução socialista internacional, suscitando imensas esperanças a todos quantos, à escala mundial, sofriam a violência da exploração capitalista, do colonialismo e da guerra. A revolução russa foi agredida pelos campeões da ordem imperialista e, após uma fase de progressiva deformação e degenerescência burocrática que teve início muito cedo, foi abafada pela ditadura estalinista |1|.

2018 é o centenário de diversas conquistas da Revolução russa No entanto, o início foi prometedor: o poder revolucionário instaurado em outubro de 1917 na Rússia pôs em prática algumas das principais reivindicações populares: a paz, a distribuição das terras aos camponeses, a nacionalização dos bancos e a anulação das dívidas camponesas a esses mesmos bancos, o reconhecimento efectivo do direito à autodeterminação dos povos, a afirmação dos direitos das mulheres, a jornada de trabalho de 8 horas.

2018 é portanto o centenário de diversas conquistas da Revolução russa. Uma delas, frequentemente esquecida, foi o cumprimento de uma promessa feita pelos revolucionários russos desde 1905: a 10 de fevereiro de 1918 |2| é publicado no diário oficial soviético o decreto de anulação de todas as dívidas contraídas pelo regime czarista, derrubado onze meses antes. O mesmo foi feito em relação às dívidas contraídas pelos governos provisórios que sucederam à queda do czar e à Revolução de 1917, uma vez que esses governos continuaram a usar as finanças públicas para fazer a guerra, perpetuando a situação de violência e de miséria, quando o povo exigia a paz.

Um repúdio anunciado e motivado desde 1905

Em dezembro de 1905, o soviete |3| de Petersburgo publicou um apelo, que ficou conhecido pelo nome de «Manifesto Financeiro» |4|, que denunciava as ilegitimidades das dívidas contraídas pelo czar e anunciava que não as reconheceria no dia em que a autocracia fosse derrubada.

O manifesto relatava o sofrimento em que viva a população, por causa das políticas económicas adoptadas pelo governo do czar, que «se conduz no seu próprio Estado como se estivesse em país conquistado». As políticas czaristas não tinham por fim desenvolver o país, mas sim enriquecer uma ínfima minoria privilegiada, reforçar o poder coercivo do czar e fazer guerras de conquista (a Rússia czarista tinha acabado de sofrer uma derrota militar contra o Japão).

Leon Trotsky chega de comboio a Petrogrado em maio de 1917

Reza assim o manifesto: «O governo está à beira da falência. Transformou o país num monte de ruínas juncado de cadáveres. Esgotados, esfomeados, os camponeses já não conseguem pagar os impostos. O governo serviu-se do dinheiro do povo para dar crédito aos proprietários. Agora não sabe o que fazer dos proprietários que lhe servem de penhor. As fábricas e oficinas já não funcionam. Falta trabalho. Por toda a parte reina o marasmo.»

Com este manifesto os revolucionários denunciavam o uso dado aos empréstimos e rendimentos do Estado: «O governo usou o capital dos empréstimos estrangeiros para construir caminhos de ferro, uma armada, fortalezas, paióis […]. Desde há muito que o governo gasta todos os rendimentos do Estado a manter um exército e uma armada. Não há escolas. As estradas estão num estado pavoroso. E no entanto falta-lhe dinheiro, ao ponto de ser incapaz de alimentar os soldados […]. O governo delapidou as caixas de poupança e serviu-se dos fundos depositados para acorrer aos bancos privados e às empresas industriais que, em muitos casos, são desonestas. Joga na Bolsa com o capital dos pequenos aforradores, expondo os fundos a riscos quotidianos.»

A dívida russa é ilegítima, odiosa e insustentável Este endividamento é ilegítimo: os empréstimos foram contraídos em benefício da autocracia czarista, que «nunca usufruiu da confiança do povo e que não tinha fundamento», assim como dos capitalistas estrangeiros, dos capitalistas russos, contra o povo russo e as nações dominadas pelo Império czarista.

É odioso: os banqueiros, maioritariamente franceses e ingleses, que emitiram os títulos da dívida russa estavam perfeitamente ao corrente do carácter não democrático do regime e sabiam que os empréstimos não eram contraídos em benefício da população. |5| Estes banqueiros, entre os quais o Crédit Lyonnais desempenha um papel de relevo, receberam avultadas comissões e são os mesmos que favoreceram o repatriamento imediato dos lucros resultantes dos investimentos dos capitalistas europeus na Rússia. Além disso ajudaram o czar a subornar os jornalistas e os políticos ocidentais, para que mentissem deliberadamente sobre a conjuntura no Império russo, de modo a encorajar as classes médias dos respectivos países a comprarem títulos da dívida russa. |6|

É insustentável: as condições de vida da população russa eram as descritas acima e não podiam melhorar enquanto o país estivesse asfixiado financeiramente pela sua dívida pública.

Ler também: Centenário da Revolução russa e do repúdio das dívidas

Por consequência, o soviete de Petersburgo apelou ao derrube da autocracia e ao estabelecimento de um poder constituinte representativo das aspirações populares e que «submeta a um inquérito rigoroso as finanças do Estado e estabeleça um orçamento detalhado, claro, exacto e verificado das receitas e das despesas públicas». Finalmente, decide «não tolerar o pagamento da dívidas de todos os empréstimos contraídos pelo governo do czar enquanto fazia guerra aberta ao povo».

Entre 1905 e 1917 a situação degrada-se. Em 1914 os imperialismos alemão, britânico e francês envolvem-se numa incrível carnificina pela partilha do mundo. Do lado dos impérios em declínio, o Império áustro-húngaro e o Império otomano escudam-se no Império alemão. A Rússia, por seu lado, alia-se à França e ao Império britânico, na esperança, nomeadamente, de obter acesso directo ao Mediterrâneo por meio da conquista de Constantinopla, capital do Império otomano |7|. Entre os socialistas russos no exílio, aqueles que serão os futuros dirigentes da Rússia soviética opõem-se à guerra desde o primeiro instante e apelam à solidariedade entre todos os povos europeus na luta contra as respectivas burguesias.

A guerra, com os seus milhões de vítimas e destruições massivas, precipitou o impulso revolucionário na Europa. Mas também resultou no enriquecimento dos vendedores de armas e dos bancos. Entre 1913 e a Revolução de Outubro de 1917, a dívida pública russa foi multiplicada por 3,6, passando de £ 930 milhões para £ 3385 milhões.

Em novembro de 1917, os bolcheviques e os socialistas revolucionários de esquerda formaram um governo apoiado pelos sovietes, nos quais era exercida de facto a soberania popular desde o derrube do czar. O novo governo reconheceu de jure a soberania dos sovietes. O decreto de repúdio das dívidas do regime czarista e dos governos provisórios foi aprovado a 3 de fevereiro de 1918 e publicado no jornal oficial uma semana depois.

Mais tarde, Leão Trotsky escreveria na sua autobiografia: «A revolução reconhece plenamente as suas responsabilidades. O compromisso que tinha tomado a 2 de dezembro de 1905 foi cumprido a 10 de fevereiro de 1918. Tem todo o direito de dizer aos credores do czar: “Os senhores foram prevenidos a tempo e horas!”.» |8|

A reacção violenta dos credores

Os dirigentes da jovem Rússia soviética não imaginavam que fosse possível cumprir a revolução sem que ela se alargasse além-fronteiras. A Rússia, economicamente fraca, precisava de aliados. Os dirigentes soviéticos apelavam à revolução mundial; ao mesmo tempo, o impulso revolucionário fazia-se sentir nos países europeus, onde tanto os soldados como as populações civis se opunham em número crescente à guerra. As potências capitalistas viram na oposição à Rússia soviética o meio de impedirem o contágio revolucionário nos seus próprios países.

Por outro lado, os interesses económicos das potências estrangeiras tinham ficado em maus lençóis com a revolução russa. Na véspera da Primeira Guerra Mundial, 80 % da dívida externa russa era detida por investidores sediados em França e a maior parte dos empréstimos à Rússia ainda a pagamento tinha sido emitida na praça financeira de Paris. Os outros credores da Rússia eram sobretudo britânicos, belgas e alemães. Os investimentos produtivos na Rússia provinham mais dos capitalistas europeus do que da classe capitalista russa, muito pouco desenvolvida. Ora, pouco tempo foi preciso para que ao repúdio das dívidas viesse juntar-se a nacionalização das indústrias.

Perante este estado de coisas, as potências capitalistas europeias, os EUA, o Canadá e o Japão lançaram-se numa agressão imperialista contra a Rússia soviética. Segundo Winston Churchill, ministro da Guerra do Governo britânico, as tropas estrangeiras aliadas ascendiam a 180 000 soldados. A intervenção estrangeira armou e apoiou activamente os exércitos contra-revolucionários na Rússia, com o objectivo de derrubar o governo soviético e restaurar o capitalismo no país. Não surpreende que, entre todos os governos estrangeiros que intervieram militarmente na Rússia, o francês, fiel aos interesses dos capitalistas do seu país, fosse o mais encarniçado.

A Rússia soviética conseguiu vencer a guerra civil e as tropas estrangeiras tiveram de retirar em 1920 e 1921 (só o Japão manteve tropas na Rússia até 1922). Reconheceu a independência dos três Estados bálticos e da Polónia em nome do direito à autodeterminação dos povos e reafirmou que as dívidas contraídas pelo czar em nome desses territórios ocupados pela Rússia imperial não deviam ser pagas. Esta decisão provocou vivos protestos da parte das potências aliadas, em total contradição com o Tratado de Versalhes de 1919, que estipulava que os territórios colonizados pela Alemanha até à sua derrota não deviam ser obrigados a reembolsar as dívidas contraídas pela potência colonizadora.

Tratava-se afinal de obter, pela via diplomática e por meio de chantagem, o que as armas não tinham conseguido alcançar. Na primavera de 1922, cinco potências capitalistas convocaram para Génova uma conferência internacional, tendo à cabeça a França (os EUA, que se tornaram a primeira potência mundial favorável à guerra, mantiveram-se à margem deste encontro). A jovem Rússia soviética, que foi convidada, à semelhança da maior parte das nações independentes, aceitou o encontro (contudo os seus representantes apresentariam uma crítica à ausência de convite aos povos colonizados e às organizações operárias). Oficialmente a Conferência de Génova destinava-se a organizar a reconstrução europeia. Na realidade a Rússia, exangue da guerra civil e sujeita a um bloqueio económico que ainda não tinha sido completamente levantado, estava disposta a contrair empréstimos e a atrair investimentos estrangeiros, para relançar a sua economia. Os dirigentes europeus, conscientes desta situação, contavam aproveitar-se dela para forçar o governo soviético a reconhecer as dívidas repudiadas em 1918 e a desistir dos seus apelos à revolução mundial. Tratava-se afinal de obter, pela via diplomática e por meio de chantagem, o que as armas não tinham conseguido alcançar.

De facto, cinco dias após o início da conferência, foi apresentado um documento onde eram expostas as exigências dos governos capitalistas em relação à Rússia. Aí constava o pedido expresso para que o governo soviético reconhecesse «as obrigações financeiras dos seus predecessores, ou seja do governo imperial russo e do governo provisório russo, em relação às potências estrangeiras e respectivos cidadãos»1. O documento exigia que fosse constituída uma «comissão da dívida russa», encarregada de exercer uma tutela financeira estrangeira sobre a Rússia, com o objectivo de reembolsar as dívidas anteriormente repudiadas.

A conferência de Génova em 1922

Os dirigentes capitalistas depressa se desencantaram. Os diplomatas russos reafirmaram que o governo provisório estava no perfeito direito de repudiar toda a dívida do czar (assim como a contraída pelo governo provisório antes da Revolução de Outubro de 1917). Afirmaram que as exigências europeias quanto ao pagamento da dívida do czar representavam para a Rússia a «sobrevivência de um passado que lhes era odioso» e que, quando uma revolução cria uma ordem jurídica nova, os governantes e regimes que se lhe seguem «não são obrigados a respeitar as obrigações dos governos destituídos».

Os diplomatas soviéticos trouxeram à baila os precedentes históricos da França e dos Estados Unidos: «A Convenção francesa, da qual a França se reclama legítima herdeira, proclamou a 22 de setembro de 1792 que “a soberania dos povos não é obrigada a aceitar os tratados dos tiranos”. De acordo com esta declaração, a França revolucionária não só rasgou os tratados políticos do antigo regime com o estrangeiro, mas também repudiou a sua dívida de Estado. Não aceitou pagar, e ainda assim apenas por motivos de conveniência política, senão um terço […]. Esta prática, elevada a doutrina política por homens de lei eminentes, foi seguida em quase todos os casos pelos governos saídos duma revolução ou duma guerra de libertação. Os Estados Unidos repudiaram os tratados dos seus predecessores, a Inglaterra e a Espanha.»

No entanto o governo soviético aceitou fazer concessões sob a forma de uma retoma de pagamento de certas dívidas do czar (nomeadamente as destinadas a construir os caminhos de ferro da Rússia) após um prazo de 30 anos, se os governos credores aceitassem em contrapartida reconhecer oficialmente a Rússia soviética, conceder-lhe empréstimos bilaterais e realizar investimentos produtivos.

Eis a resposta do Governo britânico: «Na Europa ocidental, […] se um homem empresta dinheiro ao seu vizinho, a pedido deste, contra promessa de reembolso, é de esperar que reembolse. Eis outro preconceito: se o vizinho vier à procura dele e lhe pedir ajuda, naturalmente o primeiro responde: “É sua intenção reembolsar-me? Comece por reembolsar o que lhe emprestei”. Se a isto o devedor responder: “Os meus princípios não me permitem reembolsá-lo”, por estranho que isto possa parecer à delegação russa, este Ocidental está tão impante de preconceitos que, muito provavelmente, não quererá voltar a emprestar-lhe dinheiro».

Os representantes soviéticos, que já tinham deixado claro que o seu governo não pediria indemnizações pelas destruições sofridas durante a guerra civil, embora pudesse fazê-lo, recordaram às potências estrangeiras as suas responsabilidades: «O senhor primeiro-ministro da Grã-Bretanha diz-me que se o meu vizinho me emprestou dinheiro, tenho de lhe pagar; pois bem, concedo no caso em apreço e a bem da conciliação, mas acrescento que se o vizinho irrompeu em minha casa e, depois de matar os meus filhos, me partiu a mobília e me queimou a casa, então deve começar ao menos por restituir o que destruiu».

Note-se que entretanto o Governo britânico reconheceu os fundamentos da doutrina do repúdio das dívidas de um antigo regime por um governo revolucionário, mas recusou aplicá-la, com o pretexto de que isso não seria diplomático: «Quando escreve a alguém a pedir novos montantes de dinheiro, a melhor maneira de o obter não consiste em dedicar uma parte da carta a fazer uma brilhante dissertação para justificar a doutrina do repúdio das dívidas. Por esse caminho não conseguirá obter créditos. Pode ser uma doutrina muito escorreita, mas não é diplomática.»

É possível levar a cabo o repúdio unilateral duma dívida!

E assim a conferência terminou sem que fosse possível alcançar um acordo entre a Rússia soviética e os credores europeus. Entretanto foi possível estabelecer um acordo bilateral entre a República de Weimar (que tinha substituído o Império alemão após a derrota deste) |9|, segundo o qual cada uma das partes renunciou a pedir indemnizações de guerra à outra. Por outro lado, ainda que fosse de esperar que a firmeza do governo soviético e o fracasso da Conferência de Génova levassem as potências capitalistas a endurecer a sua posição em relação a Moscovo, sucedeu o inverso.

Os países capitalistas consideraram, cada qual por si, que era necessário fazer acordos com Moscovo, pois o mercado russo, assim como os recursos naturais do país, tinham um grande potencial. Em 1923 e 1924, o governo soviético foi reconhecido de jure pela Inglaterra, Itália, países escandinavos, França, Grécia, China e vários outros países. Juntou-se-lhes o Japão em 1925. Em 1926 a URSS assinou um acordo de crédito com alguns bancos alemães. Em 1927 obteve crédito do banco inglês Midland. Em 1933 os EUA reconheceram de jure a URSS e em 1934 aceitaram fazer comércio com ela. Nesse mesmo ano, a fim de não ser o único excluído do mercado soviético, a França propôs, por sua própria iniciativa, conceder crédito à URSS, para que ela pudesse comprar produtos franceses.

O acordo entre a Rússia e o Reino Unido, com data de 15 de julho de 1986, permitiu a indemnização dos britânicos possuidores de títulos, à razão de 1,6 % do valor actualizado dos títulos. Em 1997, seis anos após a dissolução da URSS, Boris Eltsine firmou um acordo com Paris para pôr termo ao contencioso sobre os títulos russos. Os credores franceses foram ressarcidos à razão de 1 % dos montantes reclamados. Estas taxas de indemnização são insignificantes e mostram mais uma vez que um país pode repudiar unilateralmente a sua dívida sem sofrer verdadeiros prejuízos.

Por outro lado, a evolução do regime soviético (degenerescência burocrática e autoritária, políticas catastróficas nos domínios agrícola – nomeadamente a colectivização forçada sob Estaline – e industrial, e a instalação, sempre sob Estaline, de um regime de terror nos anos 1930) mostram que o repúdio da dívida não basta: para ser realmente útil à sociedade, tem de fazer parte de um conjunto coerente de medidas políticas, económicas, culturais e sociais que permitam evoluir para uma sociedade liberta de todas as formas de opressão e exploração.


Versão completa deste estudo disponível em: «Centenário da Revolução Russa e do Repúdio das Dívidas»

Tradução: Rui Viana Pereira. Artigo publicado no site do CADTM


Notas

|1| Éric Toussaint, «Lénine et Trotsky face à la bureaucratie – Révolution russe et société de transition», Europe solidaire sans frontières.

|2| O decreto promulgado a 3 de fevereiro foi publicado no jornal oficial a 10 de fevereiro de 1918. Os dias 3 e 10 de fevereiro correspondem às datas do calendário gregoriano que utilizamos actualmente. Nessa época e por alguns dias mais, o antigo calendário juliano estava em vigor na Rússia. Segundo esse calendário, o decreto de repúdio foi aprovado a 21 de janeiro e publicado no jornal oficial a 28 de janeiro.

|3| Os sovietes («conselhos» em russo) surgiram aquando do movimento revolucionário de 1905 e generalizaram-se em 1917. São estruturas de autoorganização do movimento revolucionário. O soviete de Petersburgo, capital da Rússia até março de 1918, desempenhou um papel destacado na direcção das revoluções de 1905 e de 1917.

|4| O texto do manifesto é reproduzido por Leão Trotsky, presidente do soviete de Petersburgo, em 1905, cap. 20. Daí vêm os excertos citados neste artigo. A obra está disponível, em francês, on-line: https://www.marxists.org/francais/t...

|5| Segundo a doutrina da dívida odiosa, uma dívida pode ser considerada odiosa e nula quando foi contraída contra o interesse da população e os credores estavam a par ou deviam ter feito o necessário para estarem. O facto de ainda por cima os credores saberem que estavam a ajudar um regime despótico é um factor agravante, mas não constitui condição sine qua non para determinar o carácter odioso duma dívida. Ver Éric Toussaint, «Démystifier Alexandre Nahum Sack et la doctrine de la dette odieuse», cadtm.org, 13/02/2017.

|6| Nathan Legrand, Éric Toussaint, «A imprensa francesa a soldo do czar», cadtm.org, 12/08/2017.

|7| Londres e Paris prometeram ao czar que lhe cederiam Constantinopla, à custa do Império otomano. A França retomaria a Alsácia e a Lorena ao Império alemão e uma parte do Médio Oriente (Líbano e Síria), subtraídos ao Império otomano. O Reino Unido reforçaria as suas possessões no Médio Oriente (Palestina, Jordânia, Iraque, península arábica) e a Pérsia. Por fim, a França e o Reino Unido contavam partilhar as colónias alemãs de África: o Togo e metade dos Camarões ficariam para a França; a Tanzânia, a outra metade dos Camarões e a Namíbia seriam dominados pelo Reino Unido. A Bélgica, que já detinha o Congo, obteria o Ruanda e o Burundi, em detrimento do Império alemão. Tudo isto, evidentemente, sem ter em conta o direito dos povos a dispor de si mesmos.

|8| Leão Trotsky, Ma Vie, 1930, cap. 14. Esta obra está inteiramente disponível on-line, em francês e em inglês.

|9| Na Alemanha e nos restantes países beligerantes a oposição à guerra foi crescendo à medida que esta se prolongava. Em janeiro de 1918, ao mesmo tempo que o Império alemão tenta impor os seus ditames à Rússia soviética durante as negociações de paz de Brest-Litovsk, uma greve geral dos trabalhadores alemães reclamava a paz sem anexação. Por fim o movimento grevista foi derrotado. Em finais de outubro desse mesmo ano, os marinheiros alemães amotinaram-se em Kiel, cidade portuária do Báltico. Formaram-se então conselhos de soldados e operários à imagem do modelo soviético da Rússia e tomaram o poder em diversas grandes cidades da Alemanha (Kiel, Hamburgo, Hanôver, Francoforte, Munique, etc.). A 9 de novembro decorreu em Berlim uma manifestação de massas. O imperador Guilherme II abdicou e Friedrich Ebert, um social-democrata, encabeçou o governo. É proclamada a República de Weimar, seguindo o modelo das democracias parlamentares. Mas o poder continuava a ser disputado pelos conselhos de operários e soldados, que reivindicavam a instauração de uma república de conselhos, segundo o modelo soviético. Em janeiro de 1918, a mando do governo de Friedrich Ebert, a revolução foi violentamente reprimida pelas tropas francas, que eram milícias de extrema direita e que abriram caminho à subida do nazismo na Alemanha. Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, que eram dirigentes do partido comunista, foram assassinados a 15 de janeiro de 1919. Depois disso, sob a presidência de Friedrich Ebert, a República de Weimar foi governada por uma aliança entre social-democratas, liberais e cristãos conservadores; era esta a coligação no poder aquando da Conferência de Génova.

Sobre o/a autor(a)

Politólogo. Presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo
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