Os preços dos bens alimentares têm subido. Só este ano, segundo a FAO, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, este aumento foi de 20%, deixando mais 345 milhões de pessoas numa situação de insegurança alimentar. Um crescimento para o qual pesam os aumentos dos preços dos cereais.
E estes pesam certamente nos aumentos dos lucros das principais empresas que se dedicam ao seu comércio. O comércio de cereais é monopolizado por quatro empresas, a Archer-Daniels-Midland Company, a Bunge, a Cargill e a Louis Dreyfus, que controlam entre 70-90% do mercado. Enquanto a Cargill anunciou um aumento de rendimentos na ordem de 23% até 31 de maio, um valor de 165 mil milhões de dólares, a Archer-Daniels-Midland anunciou os lucros mais altos da sua história no segundo trimestre do ano, a Bunge aumentou neste período as vendas em 17% e a Louis Dreyfus aumentou lucros em 2021 mais de 80%, registando rendimentos de 1,62 mil milhões no último semestre. E as previsões para os anos seguintes apontam para números ainda mais altos.
Os valores, apresentados pelo Guardian, levam vários especialistas e associações a criticar a especulação e a exigir impostos sobre os lucros extraordinários. O relator especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos e co-presidente do Painel Internacional de Peritos sobre Sistemas Alimentares Sustentáveis, Olivier De Schutter, é um dos que diz que “o facto dos gigantes da venda global estarem a ter lucros recorde num tempo em que a fome está a aumentar é claramente injusto e uma acusação terrível contra os nossos sistemas alimentares. O que é ainda pior, estas empresas poderiam ter feito mais para evitar a crise da fome”.
Os mercados dos cereais “estão ainda mais concentrados do que os da energia e são ainda menos transparentes, havendo assim um risco enorme de especulação”, adiantou, explicando que há uma insuficiente transparência das empresas que não mostram quanto cereal detêm e não há forma de as forçar a informar as quantidades armazenadas.
Do lado das associações, a Oxfam apela a um imposto sobre os lucros caídos do céu das empresas de todo o setor alimentar. O mesmo defende a Bond, uma rede de organizações não governamentais dedicada ao desenvolvimento sustentável. Sandra Martinsone, uma das suas responsáveis diz que essa medida seria uma forma de restaurar algum equilíbrio nos mercados alimentares e pode ajudar os mais pobres. Para ela, é claro que os preços não só estão a subir por causa da redução da oferta e do aumento da procura mas “isto é também exacerbado pelos mercados de ações especulativos.” Assim, equaciona também medidas como controlo de preços e mais regulação destes mercados.
Há posições diferentes sobre esta matéria, como a de Vicki Hird, dirigente para a agricultura sustentável da ONG Sustain, que pensa que as empresas iriam arranjar forma de fazer repercutir este imposto nos preços dos bens alimentares que chegam ao consumidor. Para ela, o fundamental é regulamentar e parar o abuso, uma vez que “enquanto os agricultores, consumidores e trabalhadores do setor alimentar sofrem com a subida em espiral dos preços da comida e dos combustíveis, os que estão confortavelmente no meio da cadeia alimentar – um pequeno número de negociantes enormes e dominantes – estão a encaixar grandes lucros”.
O Guardian apresenta ainda dados que desmentem a propaganda de algumas destas empresas que referem que a sua margem de lucro estaria a encurtar. Segundo um estudo referido pelo jornal britânico, a Archers-Daniels-Midland terá aumentado a sua margem de lucros de 3,65% para 4,46% no primeiro trimestre do ano e a Cargill de 2,5% no ano passado para 3.2%.
Isto quer dizer que a guerra na Ucrânia não é a explicação única para os aumentos dos preços alimentares, nem o são o aumento do preço da energia e dos fertilizantes ou as alterações climáticas que têm afetados colheitas na Europa, Índia e América do Norte. E De Schutter diz que para isto ser travado é “preciso quebrar os monopólios” do setor alimentar porque “uma mão cheia de empresas controla os mercados globais de sementes, fertilizantes, a genética alimentar e o comércio de cereais. Fazem lucros gigantescos à conta dos agricultores, consumidores e ambiente”.