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Greve da mala foi há 50 anos

Entre 1 e 3 de julho de 1968, os autocarros e elétricos da Carris de Lisboa circularam, mas não houve cobrança de bilhetes, pois nesses dias os cobradores deixaram a mala nas estações – daí o nome de greve da mala. Por Carlos Santos
Greve da mala, 1968 - Foto de fectrans.pt
Greve da mala, 1968 - Foto de fectrans.pt

Em 1968, cada autocarro ou elétrico da Carris tinha um motorista e um cobrador. Os passes eram caros e raros, pelo que quase toda a gente comprava o bilhete no veículo, ao cobrador que levantava, numa das quatro estações da empresa, uma mala para transportar o dinheiro.

Os trabalhadores da Carris ganhavam muito mal, como a maioria dos trabalhadores, e há muito que lutavam por aumentos salariais, tendo realizado diversas ações de protesto e reivindicação, nomeadamente a partir de 1960. Segundo o jornal Avante1, “de Fevereiro de 1960 a Junho de 1968, foram incontáveis as concentrações junto da administração da empresa, exigindo melhoria das condições de trabalho e enfrentando a ferocidade dos cães polícias e dos polícias cães”.

A Carris tinha então cerca de 4.000 trabalhadores2, divididos por quatro áreas - movimento (motoristas, guarda-freios e cobradores), oficinas, via e obras e escritórios - e inscritos em 21 sindicatos.

Segundo Guiomar Belo Marques (texto citado na nota 2), em 1968 foi criada uma “pró-comissão” clandestina com o objetivo de organizar e desenvolver uma ação reivindicativa para lutar por aumentos salariais. Essa “pró-comissão” efetuou então diversas reuniões setoriais (naturalmente clandestinas) e distribuiu folhetos, apelando à reivindicação e à ação de luta.

Greve da mala, ocupação das estações e apoio da população

No dia 1 de julho de 1968, os trabalhadores da Carris iniciaram a ação de protesto, não cobrando bilhetes, deixando as malas de cobrança nas estações e ocupando as estações de recolha de autocarros à noite.

Esse primeiro dia foi decisivo na evolução da luta, nenhum trabalhador saiu com a mala, enquanto na estação de Santo Amaro concentraram-se muitos trabalhadores, que apoiavam os que iam saindo nos autocarros e elétricos, mas sem levarem a mala.

A greve teve desde logo um grande apoio da maioria da população de Lisboa, que ao se aperceber que não havia cobrança de bilhetes começou a encher os veículos. Pessoalmente, então com 15 anos, lembro-me de dias de grande entusiasmo popular.

Folha de alface de aumento

Perante esta greve, o regime atuou com repressão, por um lado, invadindo as estações com polícia de choque e cães polícia, nomeadamente na terceira noite no piquete do Largo do Alto de Santo Amaro e no da estação de Cabo Ruivo. Mas, por outro lado, agiu habilmente, tendo o governo obrigado a administração da empresa a ceder, aumentando os salários em 20 escudos por dia (uma folha de alface, como se denominava popularmente a respetiva nota).

No final da greve, o regime promoveu uma manifestação de trabalhadores da Carris de apoio e agradecimento a Salazar, que teve notícia na televisão.

Uma nota do ministério das Corporações publicada, no final da greve nos jornais “Diário de Notícias”, “Século” e “Diário de Lisboa”, e citada por Guiomar Belo Marques, referia hipocritamente: “no decurso das negociações entre a Companhia Carris de Ferro de Lisboa e o pessoal ao seu serviço, com vista a melhoria das respetivas condições sociais, surgiram algumas divergências que não foi possível solucionar com a brevidade desejada”. Na nota podia ainda ler-se que foi “determinada a solução que se considera mais conforme com os interesses dos trabalhadores”, acompanhada da ameaça: “Como é evidente, a solução encontrada só poderá encontrar-se verificando-se normalidade de funcionamento dos serviços e regularidade na prestação do trabalho”.


Notas:

2 Dados do texto “Carris, junho de 68, a greve da mala” de Guiomar Belo Marques, publicado no livro “1968 Salazar cai da cadeira, Marcelo senta-se” da obra “Os anos de Salazar, o que se contava e o que se ocultava durante o Estado Novo”.

Sobre o/a autor(a)

Editor do esquerda.net Ativista do Bloco de Esquerda.
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