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Governo quer manter despedimentos a preço de saldo

Em plena pandemia, empresas que lucram milhões somam despedimentos. Indiferente ao desespero de milhares de trabalhadores, o PS recusa reverter a redução para menos de metade do valor da compensação por despedimento, herdada da troika e do governo da direita.
Foto de Paulete Matos.

O Bloco de Esquerda propôs, em sede de negociação do Orçamento do Estado para 2022, a reposição da compensação por despedimento em 30 dias por ano de trabalho, como vigorou até à intervenção da troika. Mas o Governo recusou a passagem de 12 para 30 dias (ou sequer para 20 dias, tal como o PS defendia na oposição).

Convém lembrar que, em 2009, o Código do Trabalho de Vieira da Silva, ministro do governo socialista de José Sócrates, previa uma compensação de 30 dias por ano. Em 2012, o executivo PSD/CDS, no âmbito do memorando de entendimento da troika, reduziu a compensação para 20 dias por ano. Um ano mais tarde, o governo de direita foi ainda mais longe do que a troika, reduzindo para 12 dias.

À época, o Partido Socialista opôs-se à alteração, defendendo a manutenção dos 20 dias por ano.

O então deputado Vieira da Silva afirmou, na Assembleia da República, que os deputados da maioria sabiam “perfeitamente que esta nova redução não foi uma exigência dos parceiros sociais, tal como ouviram dizer que o estudo que fundamentou esta nova redução não tem nenhuma solidez nem credibilidade técnica e política”.

Em nome do PS, frisou ainda que deputados da direita “não souberam defender os interesses de Portugal, que passavam por não introduzir mais este fator de perturbação nas nossas relações laborais”. “Este é o vosso projeto, este é o vosso caminho e neste caminho e neste projeto, meus senhores, não estão acompanhados por nós”, frisou Vieira da Silva.

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Já o Bloco exigiu, insistentemente e ao longo dos anos seguintes, a reposição dos 30 dias/ano. Em 2020, numa tentativa de aproximação no âmbito do debate de especialidade do Orçamento do Estado para 2021, o Bloco propôs 20 dias/ano. Apesar desta aproximação, e perante uma proposta igual à que tinha defendido no passado, o Partido Socialista rejeitou esta alteração.

Na negociação do Orçamento para o próximo ano, o Bloco defendeu a reposição dos 30 dias por ano. Novamente, a medida foi rejeitada pelo Governo. E o PS nem sequer pôs a hipótese de voltar ao valor que os próprios socialistas defenderam em 2013, e a que o Bloco já no ano passado tinha aberto a porta.

Empresas com lucros cortam milhares de postos de trabalho

No último ano, a vaga de despedimentos e de ameaças de despedimentos por parte de empresas que enchem os bolsos com os lucros obtidos à custa dos seus trabalhadores tem engrossado e ganho uma expressão que não pode deixar ninguém indiferente. Mas, aparentemente, é exatamente isso que acontece com o Governo do Partido Socialista. O executivo tem-se demonstrado imune aos apelos de trabalhadores de empresas como a Altice, o Santander, o BCP, a Saint Gobain ou a Galp, entre tantas outras.

Em 2020, a Altice Portugal recebeu cerca de 11 milhões de Euros de Fundos Comunitários por via de Fundação Altice e da Altice Labs. Nesse ano, aumentou a base de clientes e de serviços e as vendas. As suas receitas subiram para 2.121 milhões de euros, com o investimento a crescer 7%. Já em 2021, entre janeiro e março, as receitas da Altice subiram 5,1%, para 549 milhões de euros.

Ainda assim, a Altice cortou cerca de 1.600 postos de trabalho no último ano. E tem vindo a substituir trabalho com direitos por trabalho precário, mediante o recurso ao falso outsourcing.

A esmagadora maioria das saídas resultou de “acordos” firmados com os trabalhadores. Acordos estes que resultaram de intensa pressão exercida pela Altice e da perceção, por parte dos trabalhadores, que a lei não está do seu lado no caso de despedimento. O Código Trabalho deixa a faca e o queijo na mão dos empregadores, que podem descartar os seus trabalhadores a preços de saldo. E, diga-se, amordaça os trabalhadores, impedindo-os de, uma vez recebida a compensação, exercerem o direito legal de contestarem um despedimento ilícito. Ainda assim, há quem resista, quem seja alvo de despedimento coletivo e o conteste em tribunal.

Durante este processo, os trabalhadores foram para as ruas, fizeram apelos diretos ao governo, pediram audições. Mas a sua voz não fez eco na residência oficial de António Costa. Inclusive quando alertaram que, mesmo que não fosse a tempo de travar o seu despedimento, era preciso agir para que estas situações não se multiplicassem e imperasse a impunidade.

A situação repete-se no Santander. Em 2020, o banco amealhou lucros de 295,6 milhões de euros. Recentemente, anunciou a distribuição de dividendos de 1.700 milhões de euros aos investidores, referentes ao exercício do primeiro semestre de 2021. Mas, no último ano, cortou cerca de 1.400 postos de trabalho.

No ano passado, os lucros do BCP ascenderam a 183 milhões de euros. No primeiro semestre de 2021 ultrapassaram os 12,3 milhões de euros. No entanto, o banco afastou 800 trabalhadores no último ano.

Em 2020, os cinco principais bancos do país (CGD, BCP, Novo Banco, Santander Totta, BPI) cortaram perto de 1.200 empregos

O caso da Galp é outro exemplo de um processo desastroso para os trabalhadores e para o país. A empresa registou um lucro de 161 milhões de euros no terceiro trimestre do ano. A 15 de setembro consumou-se o despedimento coletivo de cerca de 150 trabalhadores da refinaria da Galp, sem alternativa de recolocação na unidade industrial de Leça ou Sines, ou reconversão profissional. Com o fecho da refinaria perderam-se 1.600 postos de trabalho diretos e indiretos em Matosinhos e 5.000 na Área Metropolitana do Porto.

A par de inúmeras outras situações, podemos também lembrar os despedimentos na Saint Gobain que, com um lucro de 1.298 milhões de euros no primeiro semestre deste ano, corta agora 130 postos de trabalho.

Comum a todos estes processos é o crescente desrespeito pelos direitos dos trabalhadores, é a desvalorização do trabalho e da vida de milhares de pessoas e é a impunidade de que estas empresas gozam. Bem como é comum a luta dos trabalhadores e os seus apelos no que respeita à necessária e urgente intervenção do governo. Apelos que continuam a ser ignorados

Esta estratégia das empresas é facilitada pelo atual Código do Trabalho. Pelas alterações impostas pela troika e pela direita, que tornaram os despedimentos muito mais baratos, e nas quais o PS recusa mexer.

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Governo opta por manter herança da troika no Orçamento

Aliás, não é apenas nesta matéria que o Governo opta por manter a herança da troika no Orçamento do Estado.

O Bloco propôs a reposição do pagamento adicional do trabalho suplementar em vigor até à intervenção da troika (50% pela primeira hora, 75% pelas horas subsequentes, em dia útil; 100% por hora em dia de descanso ou em feriado) e o direito ao descanso compensatório, equivalente a 25% das horas de trabalho suplementar realizadas em dia útil, dia de descanso semanal complementar ou em feriado.

Sobre a primeira parte, o Governo mantém para as primeiras 120 horas extraordinárias trabalhadas em cada ano o corte introduzido pela troika, admitindo apenas a reposição nas restantes (a lei impõe o limite anual de 150 horas extraordinárias). Quanto à segunda, o Governo mantém a eliminação do descanso compensatório, feita pela direita em 2012. Desde essa alteração, um trabalhador que realize 150 horas de trabalho suplementar perdeu o equivalente a cinco dias de descanso.

Termos relacionados Orçamento do Estado 2022, Política
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