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Governo britânico bloqueia a “lei trans” escocesa

A lei que permitia a mudança legal de género sem ser precisa uma avaliação médica foi travada, numa medida que indignou as associações de defesa dos direitos LGBTI+ e os independentistas escoceses. A luta trans está já a sair às ruas contra o bloqueio.

O governo britânico decidiu fazer um novo braço de ferro com a Escócia, desta feita a propósito da lei sobre direitos de pessoas transgénero que ia no sentido de permitir a mudança legal de género sem ser preciso a realização de uma avaliação médica.

O conservador Alister Jack, que ocupa o posto de secretário de Estado para a Escócia no governo do Reino Unido, anunciou na passada segunda-feira que a medida tinha sido tomada por causa do seu suposto impacto nas leis sobre igualdade em todo o Reino Unido. A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, respondeu-lhe tratar-se de um “ataque frontal em toda a linha ao nosso Parlamento Escocês democraticamente eleito e à sua capacidade de tomar as suas próprias decisões”.

Este é um veto que mistura assim as duas temáticas. Por um lado, o governo conservador britânico, através das intervenções do ex-primeiro-ministro Boris Johnson, travou nos últimos tempos uma série de iniciativas legislativas apoiadas pela comunidade LGBTI+, nomeadamente leis sobre direitos de pessoas trans em Inglaterra e no País de Gales. Por outro, insere-se na estratégia de tensão relativamente à proposta de um segundo referendo à independência escocesa ao qual o governo britânico se opõe.

De acordo com o atual estado das leis, decisões sobre defesa, segurança, migrações e política externa estão reservadas ao parlamento do Reino Unido mas o Parlamento escocês tem autonomia de decisão em temas como saúde, educação e ambiente. Ainda assim, esta é reduzida porque o governo britânico pode travar leis escocesas caso acredite que sejam incompatíveis com acordos internacionais, comprometam a defesa ou segurança nacional ou colidam com leis mais genéricas do Reino Unido, extravasando as competências do parlamento de Holyrood. Foi precisamente esta última razão a invocada, não havendo nenhum precedente.

A lei em causa, que se segue a duas consultas públicas amplas sobre o assunto e que foi votada em dezembro no parlamento escocês com uma larga maioria de 86 votos a favor e 39 contra, limitava-se a simplificar a mudança legal de género na Escócia. Eliminava a necessidade de um diagnóstico médico de “disforia de género”, reduzia de dois anos para seis meses o prazo que a pessoa que tem de provar que está a viver de acordo com o género para o qual irá mudar e baixava a idade mínima para o fazer de 18 para 16 anos.

Esta quinta-feira, segundo o Financial Times, o governo escocês apelou ao britânico para revogar o bloqueio da lei. Shona Robison, secretária para Justiça Social, diz que este passo “mostraria que o governo do Reino Unido está empenhado a sério na melhoria das vidas das pessoas trans e em respeitar a democracia escocesa”, pois o anúncio do veto “é prejudicial para as pessoas trans que já esperam há demasiado tempo por melhorias”. Sugerindo o recurso aos tribunais, acrescentou: “ser forçado a considerar a perspetiva e ação legal antes destas mudanças serem implementadas apenas aumenta a incerteza”.

E se os independentistas escoceses acusam o governo britânico de colonialismo, os movimentos de direitos pelos direitos LGBTI+ sentem que as suas vidas estão a ser usadas pelos conservadores para um jogo partidário que os afeta de forma grave.

A decisão britânica levou a inúmeras reações. Os dois co-presidentes do grupo inter-parlamentar do parlamento britânico sobre direitos LGBTI+, Angela Eagle, dos Trabalhistas, e Elliot Colburn, dos Conservadores, escreveram uma carta conjunta ao primeiro-ministro Risi Sunak a alertar para os riscos de “politizar as vidas quotidianas de uma comunidade já marginalizada” e de “colocar as suas identidades e vidas no centro de uma crise constitucional”.

O Huffington Post assinala ainda a existência de divisões sobre isto no campo conservador. O Tory Reform Group, um grupo interno do partido conservador, considerou tratar-se de “um desenvolvimento profundamente preocupante”, não só porque o governo estaria a dar trunfos aos independentistas como também porque “expôs a dimensão das suas lacunas no que diz respeito à agenda sobre igualdades”.

Outra voz dissonante foi a de Gillian Keegan, secretária de Estado da Educação que declarou apoio ao direito de jovens de 16 anos tomarem decisões acerca da mudança de género, alegando que “eu estava a trabalhar aos 16, pagava impostos aos 16, tomava decisões por mim própria aos 16”.

Associações mobilizam-se com protestos nas ruas

Associações como a Scottish Trans reagiram com indignação. Em comunicado, dizem estar “amargamente desapontados” por uma decisão “injustificada e anti-democrática” que mostra “um nível de desprezo do governo do Reino Unido para com as pessoas trans semelhante ao que demonstraram há 35 anos os seus predecessores para com as pessoas LGBT” e apelam ao recurso aos tribunais.

A presidente de outro grupo de defesa dos direitos das pessoas trans escocesas, Helen Belcher, do TransActual, considera que “não há justificação para esta ação” de Alister Jack e do governo britânico.

E a Equality Network está a marcar várias manifestações contra o bloqueio da lei e denuncia a recusa deste governante de reunir com o parlamento escocês para encontrar formas de resolver a questão.

Uma das manifestações juntou centenas de pessoas no passado dia 18 em frente à sede do governo britânico, outra está marcada para este sábado.

 

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