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Freguesia Pindelo dos Milagres pediu exclusão do regime florestal de terrenos baldios

Recentemente, em 4/4/2017, foi publicado o decreto 11/2017 de que consta ser por esse decreto desafectada do regime florestal a área de 10,165 ha (101.650 m2) dos baldios da freguesia de Pindelo dos Milagres, concelho de S. Pedro do Sul, que integraram o que foi, pelo decreto de 22 de Janeiro de 1958 publicado nessa data na 2ª série do Diário da República, designado Perímetro Florestal de S. Pedro do Sul, cujos baldios por esse decreto foram retirados ao uso dos povos do Concelho se S. Pedro do Sul que a eles têm direito.
Consta mais desse decreto 11/2017 que em compensação dessa desafectação é submetida ao regime florestal área igual de baldio da mesma freguesia situada no “Verdugal”. Para a publicação deste decreto foi obtido parecer concordante da Câmara Municipal de S. Pedro do Sul.
Os baldios da Freguesia de Pindelo dos Milagres, que sempre pertenceram ao povo dessa freguesia, foram restituídos, por força do decreto lei 39/76 de 19 de Janeiro, à sua posse e administração, quando os compartes deles se constituíram em assembleia nos termos desse decreto lei. Em consequência dessa restituição os Serviços Florestais, actualmente integrados no ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), deixaram de estar submetidos ao regime florestal a que foram sujeitos pelo referido decreto de 22 de Janeiro de 1958.
Por isso a comunidade dos compartes dos baldios da Freguesia de Pindelo dos Milagres não tinha que pedir a desafectação dos 10,165 ha dos seus baldios referidos no texto do referido decreto para lhe dar outro destino, como quis fazer. Tinha só que deliberar dar-lhe o destino que entendeu por deliberação da sua assembleia de compartes, respeitando o disposto na lei dos baldios.
Os Serviços Florestais, actualmente integrados no ICNF, continuam a procurar abusivamente impor a sua autoridade sobre os baldios restituídos à posse e administração dos seus compartes como se continuassem debaixo da sua autoridade. As assembleias de compartes dos baldios e os seus conselhos directivos, porque frequentemente não estão esclarecidos sobre isso, admitem que essa imposição é legal. Mas não é, como a seguir se expõe:
Em quase todas as terras houve, ao longo dos anos, protestos contra os serviços florestais. Em muitos casos houve por isso prisões e em alguns até mortes
O regime florestal foi criado pelo decreto de 24 de Dezembro de 1901. Do seu artigo 25 consta:
“O regime florestal compreende o conjunto de disposições destinadas a assegurar não só a criação, exploração e conservação da riqueza silvícola, sob o ponto de vista da economia nacional, mas também o revestimento florestal dos terrenos cuja arborização seja de utilidade pública, e conveniente ou necessária para o bom regime das águas e defesa das várzeas, para a valorização das planícies áridas e benefício do clima, ou para a fixação e conservação do solo, nas montanhas, e das areias, no litoral marítimo.”
Desta norma legal com mais de um século resulta que o legislador de então visou em primeiro lugar desenvolver a produção florestal e secundariamente, pela florestação das montanhas e das areias do litoral marítimo, regularizar o escoamento das águas pluviais, fixando e conservando o solo para defesa das várzeas e povoar as planícies áridas.
Do seu artigo 26 consta que o regime florestal por ser essencialmente de utilidade pública incumbe ao Estado, podendo sob tutela do Estado ser desempenhado auxiliar ou parcialmente por entidades administrativas, associações ou particulares, sendo o regime florestal total, se em terrenos do Estado e por sua conta e administração, ou parcial, se em terrenos de entidades administrativas, associativas ou particulares.
Esse decreto de 24 de Dezembro de 1901 determinou pelo seu artigo 32 que a submissão ao regime florestal fosse feita por acto administrativo sob forma de decreto. A exclusão desse regime tinha que ser feita por decreto revogatório da submissão ao regime florestal na condição de 2 terços dos proprietários integrantes de grémio ou associação dos proprietários desses terrenos, ou cada proprietário não integrante de grémio ou associação, manifestarem essa vontade por escritura pública por eles assinada, apresentando o requerimento para a exclusão.
Cumpridas estas formalidades difíceis de reunir a exclusão do regime florestal ficava ainda dependente de o conselho superior de agricultura entender não haver inconveniente na exclusão dos terrenos do regime florestal do seu ponto de vista, artigo 33, nº 1. No caso de o conselho superior de agricultura entender ser inconveniente a exclusão do regime florestal a donos dos terrenos submetidos a esse regime, ou aceitavam a sua permanência no regime florestal, ou requeriam a expropriação desses terrenos pelo Estado, o que ficava dependente de autorização legislativa, artigo 33, nº 2.
O artigo 36 do decreto de 24 de Dezembro de 1901 impunha, como vai acima referido, que o ordenamento florestal dos terrenos não pertencentes ao Estado fosse feito no interesse económico dos proprietários. Por isso do artigo 37 do mesmo diploma legal constava que as vendas do material florestal eram feitas pelos donos dos terrenos submetidos ao regime florestal, limitando-se os serviços florestais a fiscalizar essas acções para que o corte não excedesse o previsto no ordenamento florestal dos prédios.
Da informação disponível, sem prejuízo de possível pesquisa no jornal oficial da publicação de cada decreto de submissão ao regime florestal parcial, não há conhecimento que o fim visado pelo decreto de 24 de Dezembro de 1901 tivesse tido significativo alcance em área e número de proprietários por a submissão ao regime florestal ser muito gravosa para eles, não obstante beneficiarem de toda a produção florestal que viesse a ser obtida.
Depois da criação pelo decreto de 24 de Dezembro de 1901 do regime florestal a alienação dos baldios a particulares continuou a ser promovida pelo regime monárquico na primeira década do século 20, depois pela república liberal e posteriormente pelo regime autoritário criado pelo movimento de 28/5/1926.
O conhecido romance de Aquilino Ribeiro “Quando os lobos uivam” retrata a violência da repressão que os serviços florestais e o regime fascista fez abater sobre os povos.”
Com Salazar foi em grande parte abandonada a política de alienação de terrenos baldios a particulares. Do preâmbulo do decreto-lei 27.207 de 16 de Novembro de 1936 consta que, no essencial, estava feito o reconhecimento dos baldios que haviam escapado às privatizações nos séculos 18 e 19 e na primeira metade do século 20. Quanto ao destino dos que restavam é dito: “uns serão arborizados e outros podem e devem ser aproveitados para colonização.”
Abriu-se então o caminho para a gestão pública centralizada dos baldios que restavam por privatizar com a publicação da lei 1971 de 15 de Junho de 1938. Com essa lei 1971 foi prevista a arborização dos terrenos baldios reconhecidos como mais adequados à cultura florestal do que a qualquer outra (Base I), a fazer segundo planos e projectos aprovados nos termos da mesma lei. A arborização dos baldios situados a norte do rio Tejo deveria ser feita a partir de data a fixar pelo governo; a das areias da costa marítima, no prazo de 5 anos; a dos baldios a sul do Tejo e nas ilhas adjacentes, quando o governo julgasse conveniente.
Os baldios eram então definidos pelo Código Civil de 1867 como coisas comuns não individualmente apropriadas das quais só era permitido tirar proveito, guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos de certa autarquia (artigo 381). Os regulamentos administrativos referidos no Código Civil eram da competência da autarquia em que se situava cada baldio (concelho ou freguesia), como sempre fora entendido desde que pelos forais foram sendo criados os concelhos, apesar de por vezes os reis anteriores ao regime político liberal não respeitarem esse direito.
Foram previstos na lei inquéritos em cada concelho e freguesia para averiguar os costumes relativos ao uso dos correspondentes baldios quanto a águas, pastagens, lenhas, madeira e exploração de minerais, procurando a conciliação dos interesses dos povos com o interesse da arborização (Base IV).
As conclusões dos inquéritos fixadas pelos serviços florestais e aprovadas pelo ministro da agricultura constituíam a base do decreto de submissão ao regime florestal parcial previsto no decreto de 24 de Dezembro de 1901 (Base V), entrando os correspondentes baldios na posse dos serviços florestais (Base VI), que passaram a executar pelo Estado os trabalhos, construções e outras obras. A Base X mandou dividir o rendimento líquido das matas e florestas dos baldios entre o Estado e os corpos administrativos (câmaras e freguesias) em função das despesas feitas pelo Estado e o valor dos terrenos antes da arborização.
A lei 1971 de 15 de Junho de 1938 agravou o regime do decreto de 24 de Dezembro de 1901, que atribuía aos titulares do direito sobre os terrenos submetidos ao regime florestal toda a produção florestal deles, retirando aos que tinham direito aos baldios o direito à produção florestal deles. Como vai referido a Base X da lei 1971 de 15 de Junho de 1938 mandou a lei dividir o rendimento anual líquido da floresta entre o Estado e os corpos administrativos (concelho ou freguesia), excluindo do direito a esse rendimento os povos que tinham direito ao uso dos baldios.
Mas essa divisão, por informação obtida junto de muitas das freguesias com baldios submetidos ao regime florestal nos termos da lei 1971 de 15 de Junho de 1938, não foi feita até à primeira metade da década de 1970. Só depois do início do movimento de reivindicação dos baldios pelos povos com direito ao seu uso é que o Estado mandou atribuir algum rendimento dos baldios às autarquias em que se situavam. Isso só ocorreu depois de, em Novembro de 1970, na freguesia das Talhadas, concelho de Sever do Vouga, se ter iniciado a reivindicação dos baldios pelos povos com direito a eles.
No documento de reivindicação enviado em 1970 ao primeiro-ministro requereram os habitantes das aldeias das Talhadas “que os serviços restituíssem ao povo da freguesia das Talhadas todo o baldio que ocupavam”. Essa reivindicação foi seguida em Julho de 1971 pela dos habitantes da freguesia do Préstimo, concelho de Águeda; em Maio de 1973 pela dos habitantes da freguesia de Cabreiros, Arouca; em Junho de 1973 pelos habitantes da freguesia de Albergaria das Cabras, Arouca; em Maio de 1973 pelos habitantes da freguesia do Candal, S. Pedro do Sul.
Estas acções de reivindicação da posse e uso dos baldios submetidos ao regime florestal culminaram na assembleia de 18 de Agosto de 1974 em Sever do Vouga com a presença de representantes dos povos das freguesias de Arões, Vale de Cambra; Préstimo, Águeda; Talhadas, Sever do Vouga; Destriz, Reigoso, Ribeiradio, Arcozelo das Maias, Oliveira de Frades; Alcofra, Vouzela; Manhouce e Candal, S. Pedro do Sul; e Albergaria das Cabras, Arouca. Nessa assembleia foi aprovado texto dirigido e enviado ao primeiro-ministro Vasco Gonçalves e ministros Vítor Alves e Álvaro Cunhal. Consta desse texto: “Todas as áreas de baldio ocupadas pelos serviços florestais e as adquiridas ou usurpadas pelos grandes senhores locais devem ser restituídas ao povo.” “A melhor forma de explorar os baldios e todos os terrenos florestais, logo que os baldios sejam entregues ao povo, será a criação de associações para a exploração florestal e pecuária que abranjam todos os baldios da freguesia.” “Os serviços florestais deverão manter-se apenas como serviços técnicos.” “Porque estes problemas preocupam profundamente as populações das freguesias onde há baldios, elas têm vindo a lutar há longos anos pelos seus direitos. Em quase todas as terras houve, ao longo dos anos, protestos contra os serviços florestais. Em muitos casos houve por isso prisões e em alguns até mortes. O conhecido romance de Aquilino Ribeiro “Quando os lobos uivam” retrata a violência da repressão que os serviços florestais e o regime fascista fez abater sobre os povos.”
Artigo de António Bica
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