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Fórum Socialismo: Como é que lutamos por uma internet melhor?

No fim de semana de debates de 26 a 28 de agosto em Coimbra, Ricardo Lafuente discute a possibilidade de uma Internet como mecanismo de transformação social, dedicado ao empoderamento real das pessoas e comunidades.
Imagem EFF Photos/Flickr

A poucos dias da realização do Fórum Socialismo 2022 - mais informações e programa aqui - o Esquerda.net publica alguns resumos das sessões que terão lugar em Coimbra de 26 a 28 de agosto.


Como é que lutamos por uma internet melhor?

Não é fácil olhar para a Internet hoje e reconhecer a esperança libertadora e emancipatória que lhe atribuíamos há um par de décadas. A mobilização dos Anonymous, a persistência do Pirate Bay ou o impacto do Wikileaks sustentavam a errada impressão que a Net era intrinsecamente libertadora e progressista. Os anos seguintes vieram desfazer essa ilusão, num florescimento das tácticas e retóricas de ultra-direita que culminaram na eleição de Trump em 2016. Ao mesmo tempo, a instrumentalização e mercantilização dos dados pessoais e comportamentais tornou-se o modelo de negócio de referência por parte de plataformas online, ao ponto que já não se parece vislumbrar outra forma de existir digitalmente. Em nome da conveniência, as pessoas aceitam o perverso compromisso de ceder a sua agência e autonomia.

Os dados – pessoais e não só – foram-nos apresentados como o "petróleo do séc. XXI", mas episódios recentes de fuga de dados detidos por grandes empresas (Impresa, Sonae) dão um outro significado a esse dito, porque estamos perante o equivalente digital a derrames de petroleiros, mas sem conseguir ainda avistar as reais implicações desses incidentes. Também nos venderam a ideia de que a recolha massiva de dados nas cidades – a agenda "smart city" – melhoraria as nossas vidas e informaria políticas mais eficazes, mas tais vantagens ainda tardam em chegar; o que tem chegado bem mais rapidamente tem sido a expansão da vídeo-vigilância. Mais uma vez, o pretexto de uma existência moderna e tecnológica tem servido para introduzir medidas e aparatos que, intencionalmente ou não, se tornam parte do aparelho repressivo.

O enquadramento político e ideológico destes fenómenos tem sido avançado por Evgeny Morozov e Shoshana Zuboff, responsáveis por mapear as ligações entre o desenvolvimento tecnológico (nomeadamente de plataformas online) e as suas implicações sócio-políticas. No entanto, têm-nos faltado horizontes para podermos avistar que outra Internet seria possível segundo uma matriz socialista. Ainda seria possível alcançarmos (ou regressarmos a) uma Internet como mecanismo de transformação social, dedicado ao empoderamento real das pessoas e comunidades?

Não há razão para grandes pessimismos. É verdade que a prevalência das grandes redes sociais nos prende eficazmente a elas. Mas boa parte do que tornava a Internet entusiasmante nos anos 90 continua lá: a espantosa possibilidade de publicar instantaneamente algo que pode ser, quase imediatamente, acedido em qualquer parte do mundo, continua a ser possível e a característica mais prodigiosa da Internet.

O movimento do software livre, embora parcialmente apropriado pela lógica extractivista, continua a ser uma referência técnica e política para uma via alternativa à doutrina anarco-capitalista de Silicon Valley. Têm surgido na Europa cooperativas e coletivos dedicados ao empoderamento cidadão, providenciando serviços e recursos de forma solidária e horizontal, provando que os modelos de negócio hegemónicos à volta da exploração dos dados não são a única via possível hoje. Os movimentos dedicados aos direitos digitais têm agora uma presença bem mais expressiva do que há uma década atrás: só na Europa, a EDRi é uma federação que congrega 45 organizações, incluindo também uma representação portuguesa com a D3, criada há 5 anos. Observámos vários progressos e vitórias ativistas em temas como a vídeo-vigilância, apps covid ou direito de autor. Embora haja muito por fazer, não é altura de cruzar os braços.

O tema do digital aparece sempre como aparte no debate político-ideológico, mas é sobretudo no digital que hoje se faz política; o adversãrio não é a big tech, mas sim a visão que ela nos apresenta como sendo a única possível. É aqui que importa recordarmos Gramsci sobre como o discurso hegemónico se apresenta sempre como inevitável e incontornável, e precisamos mais do que nunca da lucidez socialista que questiona essa inevitabilidade.

Ricardo Lafuente

 

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