A acção do romance decorre em Itália, zona de Abruzos, em 1975. Ao longo de 200 páginas (edição portuguesa, Asa), pode ler-se sobre o golpe ocorrido na vida de uma menina de 13 anos: criada numa família abastada, é atirada sem explicações para a sua família biológica. Só aí descobre que os seus pais são primos afastados dos seus pais biológicos. Ao ser devolvida aos últimos, cai de chapa numa vida que é a antítese da que levara até então: uma família numerosa, falta de comida, pobreza extrema, modos violentos, o que lhe parece uma total ausência de amor.
Indagando sobre o que terá acontecido aos seus pais verdadeiros, desesperada por estar a viver com aqueles, ainda crê que aquele é um erro efémero. Mas depois pergunta-se pela mãe e concluí a única resposta possível de uma filha: se não a vai buscar, deve estar morta. Para mais, pouco antes de deixarem de se ver, andava a vomitar. Enquanto espera por qualquer coisa – pela mãe, pelo pai, por uma explicação, pela verdade –, adapta-se como um animal na jaula, com instinto de sobrevivência.
O sangue nada lhe diz, aquela família não é sua. Não sente nada pelos irmãos, não vê ternura nos pais. Aos poucos, lá vai criando uma relação com a irmã mais nova – Adriana – e o irmão mais velho – Vincenzo. É, aliás, com este que se prova que os laços biológicos por si não conseguem deixar marcas: adolescente, Vincenzo não vê nela uma irmã, mas uma mulher, e ela em consonância age.
Perante aquela “família à força” (p. 16), encara a mulher com quem vive. Aquela é a sua mãe. Nada lhe diz, porque nunca foi filha dela. Aquela é, afinal, uma desconhecida – somente a que a gerou no útero. Em contraste, existem a inocência e a pureza com que se preocupa com a única mãe que conheceu – Adalgisa, que a criou. E o desespero, a violência. A força do amor de filha. A incompreensão: como sucumbira aquele laço inquebrável, como se pode viver sem entender?
Ali permanece resignada, perante a desconfiança dos irmãos e o contraste de classes, numa narrativa forte, crua, bruta e comovente sobre o papel da família, o porto de abrigo em que se torna, o amor como força interior e auto-estima. Num romance que impõe a reflexão sobre as figuras materna e paterna, e o vazio que fica quando faltam, põe o biológico no lugar emocional a que pertence: nenhum. É à falta de quem cria que falta, afinal, um lar, e os únicos alicerces, erguidos ou destruídos, são os criados à força da criação.
Estando sem mãe, vivendo com a mulher que a gerou, a protagonista perde-se e encontra-se narrativa dentro, sem saber de onde veio. As motivações são reveladas no final, num ritmo bem construído, com tudo revelado a tempo, numa sucessão de impactos. Também nessas revelações é dos escombros que se ergue a força – e são os laços reais que puxam os pés para a frente.