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Familiares de vítimas do 27 de Maio acusam Governo angolano de “exercício de crueldade”

Na passada terça-feira, sobreviventes e familiares das vítimas do 27 de Maio confirmaram as suas piores suspeitas. O médico legista Duarte Nuno Vieira, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, explicou que se comprovou que o ADN recolhido em ossadas apresentadas pela Comissão para Implementação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP) não corresponde às vítimas do massacre do 27 de maio em Angola.
Na Carta a Angola, reproduzida no portal Buala.org, os familiares das vítimas do 27 de Maio destacam que “há seguramente ainda muito por desvendar sobre o que aconteceu no dia 27 de maio de 1977, sobre os acontecimentos que o precederam e sobre a barbárie que se lhe seguiu”.
“Todos nós fomos condenados a viver como filhos de sombras”, escrevem, lembrando que nunca puderam dar “uma sepultura digna aos nossos pais, como corresponde aos nossos costumes e qualquer filho quer fazer”. “As nossas mães, viúvas que nunca viram nem receberam os cadáveres dos companheiros, conheceram a perseguição, o opróbrio, o ostracismo e, em alguns casos, foram condenadas à miséria”, acrescentam.
Há ano e meio, os familiares viram “uma luz no fundo deste longo túnel”, que trouxe alguma esperança.
“O Presidente João Lourenço, pela primeira vez na história de Angola independente, reconheceu os excessos do Estado nos acontecimentos que se seguiram ao 27 de maio, prometeu justiça e dignidade para os mortos, paz e reconciliação entre os vivos”, recordam.
Mas a esperança alimentada pelo presidente angolano sofreu um revés. A metodologia da comissão criada sob a égide do Ministro da Justiça, A CIVICOP, que ficou encarregue de dar execução aos procedimentos necessários à execução do programa definido pelo Presidente da República, foi questionada, desde logo, pelos familiares das vítimas. Em causa está o facto de a mesma envolver pessoas “intimamente ligadas à repressão em Maio de 1977, que nenhum interesse terão na reposição da verdade”. Por outro lado, este coletivo não incluiu representantes das vítimas, bem como “nunca tornou claros os procedimentos que estava a seguir na localização e identificação dos cadáveres”.
Acresce que “foi criada toda uma máquina de propaganda que poderia garantir tudo, menos um trabalho rigoroso e um resultado sério”.
“Foram exibidas na televisão imagens de um técnico brasileiro com um aparelho que serviria para localizar corpos; imagens de equipamentos semelhantes a retroescavadoras, que estariam no local a remover restos mortais; chegou-se ao ponto de anunciar publicamente a possível localização de cadáveres de pessoas cujos nomes foram publicitados nas televisões, enquanto se exibiam esqueletos humanos, reavivando sentimentos de profunda comoção e sofrimento nas famílias”, lamentam os familiares.
Na sequência do pedido, por parte de alguns dos parentes das vítimas, no sentido da realização de testes de ADN das ossadas apresentadas pelo Governo angolano como pertencendo às vítimas do 27 de Maio, sabe-se agora que as mesmas não são, na verdade, de Sita Valles, José Van-Dúnem, Rui Coelho ou de outra das vítimas do massacre.
“Objetivamente, aquilo a que assistimos foi um exercício de crueldade, em que se reavivaram gratuitamente sentimentos de perda, de dor e de mágoa, com objetivos que nada têm de nobre”, acusam os “órfãos da associação M27”.
Assinalando que “estão vivos e identificados muitos dos responsáveis e participantes na repressão”, os familiares reivindicam que estes sejam chamados a indicar, sob juramento, “os locais onde foram enterrados ou lançados os corpos a que tiraram ou mandaram tirar a vida”.
A par de declararem publicamente a sua deceção e indignação, os parentes das vítimas do 27 de Maio exigem a verdade, até porque “esta é a única que nos pode verdadeiramente permitir acertar contas com o passado e construir um futuro liberto de mágoas e de ressentimentos”.
Para o investigador Fernando Guelengue, citado pela Voz da América, “estamos diante de um escândalo que desprestigia totalmente não só o trabalho do Governo e a reconciliação nacional, mas também a pacificação dos espíritos”.
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