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Eutanásia: TC chumba formulação de alínea na lei

A inclusão de um "e" entre as formas previstas na tipologia de sofrimento levantou dúvidas a uma maioria tangencial dos juízes do Tribunal Constitucional. José Manuel Pureza ficou surpreendido, mas diz que a questão pode ser "corrigida facilmente pelo Parlamento".

Por sete votos contra seis, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais algumas normas da lei que regula a morte medicamente assistida. Esta foi a terceira versão da lei aprovada no Parlamento nos últimos dois anos, tendo a primeira visto normas chumbadas pelo TC e a segunda vetada politicamente pelo Presidente da República.

O presidente do TC, João Caupers, referiu que na caracterização da tipolgia de sofrimento no texto aprovado pelos deputados, ao incluir "três características («físico, psicológico e espiritual») ligados pela conjunção "e", são plausíveis e sustentáveis duas interpretações antagónicas deste pressuposto", o que no entender do Tribunal levanta a dúvida "sobre se a exigência é cumulativa (sofrimento físico, mais sofrimento psicológico, mais sofrimento espiritual) ou alternativa (tanto o sofrimento físico, como o psicológico, como o espiritual)". Desta forma, concluiu, foi criada "uma intolerável indefinição quanto ao exato âmbito de aplicação da nova lei".

Reagindo à divulgação do comunicado e sublinhando não estar ainda acessível o acórdão, o deirigente bloquista José Manuel Pureza considerou esta interpretação aprovada por uma "maioria escassíssima" do TC "um pouco surpreendente".

"O facto de o TC se ter pronunciado apenas num aspeto previsto numa alínea de um artigo mostra que o TC reconhece que se trata de uma lei que está dotada de todas as condições, que precisa deste pequeno aperfeiçoamento", sublinhou José Manuel Pureza, referindo também a importância de o Tribunal não ter acompanhado os argumentos de Marcelo Rebelo de Sousa no seu pedido quanto a outros aspetos da lei.

O presidente do TC recoheceu os esforços dos deputados por irem ao encontro das razões apontadas para o anterior chumbo do diploma por parte dos juízes, como a densificação e clarificação dos conceitos utilizados. Mas diz que a nova versão altera "em aspetos essenciais" o anterior projeto, o que obrigou a uma nova fiscalização "às normas alteradas que foram objeto do pedido do Presidente da República”.

Para José Manuel Pureza, a decisão do TC "deixa espaço para que esta pequena questão seja corrigida facilmente pelo Parlamento", pelo que tem "a esperança que esta devolução ao Parlamento seja a última"

"O país quer ter uma lei tolerante, que seja rigorosa e ao mesmo tempo de grande abertura. O nosso empenhamento é o mesmo de sempre em dotar o país dessa lei o mais rapidamente possível", concluiu o dirigente do Bloco de Esquerda que enquanto deputado acompanhou de perto todo o processo legislativo sobre a despenalização da morte medicamente assistida.

Dúvidas dos juízes deixam movimento cívico "perplexo"

O médico Bruno Maia, do Movimento cívico Direito a Morrer com Dignidade, sublinhou que a lei surgiu da iniciativa de partidos de esquerda e de direita e beneficiou de um longo debate público ao longo de cinco anos, correspondendo a uma maioria social. E diz não compreender a justificação dos juízes. "Não consigo perceber porque é que há dúvidas de que quando falamos em 'sofrimento físico, psicológico e espiritual' estamos a falar de uma função cumulativa quando usamos o 'e'".

"Na vida real, para além do direito e da letra da lei, sabemos que não há dor intolerável sem haver sofrimento psicológico, isso é totalmente impossível. E também sabemos que o próprio sofrimento psicológico tem manifestações físicas", prosseguiu Bruno Maia, afirmando-se também "perplexo" com o exemplo dado pelo presidente sobre se uma pessoa com diagnóstico de cancro ou esclerose lateral amiotrófica, sem sofrimento, tem direito a eutanásia. "Se uma pessoa pede para antecipar a sua morte, é evidente que tem sofrimento. Não há nenhuma situação em que alguém que não está em sofrimento vá pedir a antecipação da morte", prosseguiu o médico em declaraçoes à RTP.

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