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Este é o tempo certo para recuperar o Teatro Maria Matos

Um ano depois da concessão do Teatro Maria Matos a privados, o teatro está fechado numa luta nos tribunais. PS, PSD e CDS, bem como o Livre, votaram na AML pela manutenção da concessão, desperdiçando uma oportunidade única para recuperar um equipamento central para a política cultural de uma metrópole como Lisboa. Por Tiago Ivo Cruz.

Passado um ano desde o anúncio de entrega do Teatro Maria Matos à gestão privada, temos um teatro fechado e à mercê de uma luta entre concorrentes nos tribunais. Não foi por falta de aviso: fosse sobre a falta de critérios e obrigações claras de serviço público inscritos no concurso, fosse sobre a fragilidade jurídica óbvia com que a concessão do teatro seria celebrada; o Bloco alertou para tudo isto e tudo isto foi rejeitado pela vereação da cultura. Um ano depois, e os resultados estão à vista.

A concessão não só fechou o teatro como destruiu a possibilidade de realizar uma transição entre equipas, algo que é fundamental tendo em conta as especificidades dos equipamentos e condições técnicas do teatro e as características do seu público e do meio envolvente. Instalou-se aliás uma tremenda confusão sobre o que iria a EGEAC entretanto fazer, com declarações à imprensa em dezembro de 2018 onde a presidente da empresa municipal alimentava a hipótese de reabrir o teatro sob a sua tutela direta algures no primeiro semestre deste ano, sob pena de “prejudicar o teatro e esta zona da cidade”. Estamos em abril. O teatro continua fechado sem qualquer previsão de reabertura mesmo que temporária. O mal está feito. As portas fechadas.

Não é altura para falar em remendos mas sim de assumir responsabilidade política e discutir o que queremos fazer para o futuro.

Entre 2011 e 2015, a conjugação de cortes de rendimento disponível e desemprego, mas também a degradação acentuada dos transportes coletivos a par com a subida drástica do preço dos passes de transporte tiveram um impacto negativo gigantesco na procura e oferta culturais. Este é um ponto e crítica central da revisão do plano “Estratégias para a Cultura da cidade de Lisboa 2017”, e com toda a razão, porque a mobilidade tem uma relação direta com o acesso à cultura.

E é por isso que trazer agora a debate o futuro do Teatro Maria Matos faz particular sentido, porque este teatro está situado precisamente num interface para os movimento pendulares de quem vive fora mas trabalha dentro da cidade. Apenas no último mês foram emitidos 30 mil novos passes Navegante. Quem hoje vive em Setúbal pode chegar ao Teatro Maria Matos com o seu passe de 40€, e uma família com o seu passe conjunto de 80€. O alcance potencial deste teatro é hoje maior do que era há um ano, e é um erro profundo deitar fora um instrumento de política cultural nesta altura.

A sua manutenção sob gestão pública seria um poderoso instrumento de diversificação de públicos face aos alertas de afunilamento da oferta cultural devido à turistificação da cidade, alertas que o próprio plano estratégico municipal lança de forma insistente.

Esta vereação da Cultura considera realmente que está garantido e cumprido o acesso universal à cultura na cidade? Que este é já totalmente democrático e abrangente? O plano estratégico para a Cultura diz que não. Se assim é, porque se dá a vereadora da Cultura ao luxo de desperdiçar o potencial deste equipamento enquanto meio para reforçar uma tão necessária expansão das políticas culturais na cidade?

A concessão do Teatro Maria Matos destoa das práticas de todos os anos anteriores de aposta no aumento dos serviços públicos de cultura, que não abrangem ainda todas as zonas da cidade. É um momento charneira na ação da atual vereação da cultura, que optou por desinvestir e recuar. A função da política cultural de uma cidade como Lisboa não é transformar a cidade numa bela atração para captação de talentos e investimento estrangeiro, mas sim, como o próprio plano estratégico o define, de garantir que a qualidade de vida, a fruição e produção cultural aumenta, também para aqueles que fazem movimentos pendulares e, agora, com os passes de preço reduzido, terão a liberdade e disponibilidade para fruição cultural antes inacessível. Que responde aos desafios de uma cidade aberta, inserida numa área metropolitana heterogénea.

A vereadora da Cultura voltou a argumentar que o encerramento do Teatro Maria Matos, incluindo o seu serviço educativo, será compensado com a abertura do LU.CA, em Belém, e o Teatro do Bairro Alto, em São Mamede. Ora, segundo o próprio Plano Estratégico, permanece o problema de que “a oferta cultural se encontra concentrada em certas áreas da cidade, como a Baixa/Chiado e todo o centro histórico em geral ou a zona de Belém, e de que, pelo contrário, as periferias e as zonas mais desfavorecidas se pautam por uma escassa oferta em termos culturais” (Estratégias para a Cultura da Cidade de Lisboa 2017, p. 159). E confirmam o problema com mapas onde a concentração de equipamentos e oferta cultural favorece as zonas para onde a vereação da Cultura decidiu concentrar ainda mais a oferta, desfavorecendo precisamente o único Teatro com potencial para garantir o acesso à cultura para os públicos da zona Centro e Oriental (incluindo as freguesias do Areeiro, Marvila e Beato).

Figura 5.52. Distribuição das atividades artístico-culturais enunciadas na Agenda cultural de Lisboa - p. 142 das Estratégias para a Cultura da cidade de Lisboa 2017
Figura 5.52. Distribuição das atividades artístico-culturais enunciadas na Agenda cultural de Lisboa - p. 142 das "Estratégias para a Cultura da Cidade de Lisboa 2017"

A concessão do Teatro foi errada por falha de transparência (não constava do Plano Estratégico para a Cultura nem no Contrato Programa da EGEAC, ou sequer no programa eleitoral do Partido Socialista). Foi errada por ser financeiramente desnecessária (o orçamento para a Cultura aumentou todos os anos e não tem problemas de sustentabilidade face aos seus encargos). Foi errada por destruir dez anos de investimento público (seja pela requalificação e compra de equipamento técnico para o teatro que agora entrega a privados, seja pelo investimento simbólico e artístico). Foi errada por ser juridicamente frágil (como se comprovou agora) e, finalmente, por falhar politicamente não apenas pela escolha de se afastar de soluções à esquerda, algo surpreendente no atual contexto, mas também por caucionar publicamente a ideia de que projetos artísticos que desafiem os limites da contemporaneidade não são para o grande público ou sequer público escolar.

O Bloco apresentou novamente a proposta na Assembleia Municipal de Lisboa para anular a concessão aos privados, lançando concurso público para nova direção artística. A proposta foi rejeitada pelo centrão do PS/PSD/CDS, bem como 7 deputados independentes dos Cidadãos por Lisboa e Livre (votos favoráveis do Bloco de Esquerda, PEV, PCP, PAN e 3 deputados independentes do Cidadãos por Lisboa).

A ideia da concessão fechou literalmente o Teatro Maria Matos. Fosse qualquer outra área de governação camarária e ter um equipamento público fechado sem qualquer necessidade devido a uma decisão totalmente imposta de concessão era motivo de descredibilização política total por parte do responsável direto. Assumir as responsabilidades implica corrigir o erro e reabrir o teatro sob gestão pública, e o Bloco aqui está para apoiar uma solução pública. O que é público é para todos.

Artigo de Tiago Ivo Cruz para esquerda.net

 

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Sobre o/a autor(a)

Doutorando na FLUL, Investigador do Centro de Estudos de Teatro/Museu Nacional do Teatro e da Dança /ARTHE, bolseiro da FCT
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