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Estágios e CEI escondem desemprego e mão de obra barata para Estado e privados

Estudo do Centro de Estudos Sociais (CES) denuncia “efeito perverso” dos estágios apoiados por fundos públicos e dos Contratos de Emprego Inserção (CEI). Medidas servem para camuflar números do desemprego e alimentam mercado de trabalho secundário precário e mal pago.
Foto de Paulete Matos.

“Estas medidas não evitaram que os níveis de desemprego tivessem crescido, substancialmente nos anos em análise, antes o camuflaram”, alerta Pedro Hespanha, um dos autores, juntamente com Jorge Caleiras, do estudo intitulado "O labirinto das políticas de emprego" - em particular as adotadas entre 2010 e 2015 -, que consta dos Cadernos do Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais (CES).

Segundo o coordenador do Núcleo de Políticas Sociais, Trabalho e desigualdades do CES, os estágios apoiados por fundos públicos e os CEI alimentaram, por outro lado, “uma espécie de mercado de trabalho secundário, caracterizado por tarefas temporárias, desvalorizadas, inapropriadas à inserção profissional, no qual os utilizadores não gozam dos mesmos direitos laborais dos trabalhadores regulares nem de liberdade”.

“O generoso objetivo da promoção da empregabilidade acaba por ter pouco ou nenhum sucesso” e tem “o efeito perverso” de reforçar “a situação de risco” dos desempregados por saltarem de medida em medida numa lógica continuada de marginalização do mercado regular de trabalho”, reforçou Pedro Hespanha, citado pelo Jornal de Notícias (JN).

Os autores do relatório sinalizam que não só o Estado permitiu o crescimento exponencial de beneficiários sem assegurar o seu acompanhamento, como usufruiu desta mão de obra barata e precária para atender à falta de trabalhadores.

Quer o Estado quer os privados optaram por dispensar a larga maioria dos estagiários findo o estágio, substituindo-os por novos jovens estagiários a baixo custo. Refira-se que, em 2015, o número de estagiários era seis vezes superior ao de 2011.

Já no que respeita aos jovens dos CEI, entre os quais cerca de 70% trabalhavam para a Administração Central ou Local, a taxa de empregabilidade direta do Estado era de 8,5% em 2014.

Precariedade nos estágios e CEI persiste

Pedro Hespanha adverte que o panorama de exploração de mão de obra barata e precária que existia em 2015 nos estágios e nos contratos de emprego inserção (CEI) ainda persiste, ainda que o Estado já tenha a perceção de que existem situações que têm de ser corrigidas.

“Existe hoje reconhecimento pelo Estado de que há situações incorretas que têm de ser corrigidas”, assinala o sociólogo em entrevista ao JN, sublinhando, contudo, que “temos uma tradição longa em que o próprio Estado aproveita esta mão de obra”.

“Nos CEI, por exemplo, o aproveitamento é errado, pois não é trabalho excecional. É trabalho corrente e as instituições deviam recorrer a contrato de trabalho”, defende.

Segundo Pedro Hespanha, é preciso que estas medidas “sejam aplicadas criteriosamente e que haja, de facto, acompanhamento do desempregado ao abrigo dessas medidas”.

O coordenador do Núcleo de Políticas Sociais, Trabalho e desigualdades do CES advoga ainda que os cortes nas prestações sociais devem ser revertidos: “Erradamente, rotularam-se como subsidiodependência. De facto, elas têm um papel muito importante para garantir o mínimo de estabilidade e autonomia, para que as pessoas consigam recuperar”.

“Não pode pensar-se que, por termos políticas ativas de emprego, podemos dispensar as políticas passivas”, adverte Pedro Hespanha.

São avançadas algumas recomendações, que passam, nomeadamente, pelo alargamento do Rendimento Social de Inserção, para que este possa cobrir um maior número de pessoas.

“O RSI, no período em que cobriu mais gente, chegou aos 4% da população. A taxa de risco de pobreza anda pelos 20%. Os beneficiários do RSI são os pobres dos pobres e existem outras situações muito complicadas que ficam de fora. Há que rever esta medida de alívio muito importante e que tem custos, em termos orçamentais, relativamente baixos”, refere Pedro Hespanha.

Por outro lado, é preciso "criar observatórios sociais" para conhecer melhor a eficácia das medidas, adequando-as às necessidades locais, sendo que importa estimular a rede social e explorar programas de escala local.

O sociólogo tece críticas “à aplicação cega das políticas ativas de emprego”, que “não funciona”: “É preciso conhecer muito bem o percurso e as trajetórias fos próprios desempregados e ouvir a opinião das pessoas que passaram por essas medidas, saber o pensam sobre elas”, frisa, apontando o “enorme desconhecimento do estado” sobre a população desempregada.

O coautor do estudo do CES defende ainda a Reanimação do Mercado Social.

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