Nicolas Hénin conhece as entranhas do Estado Islâmico (EI) como poucos. Em junho de 2013, este jornalista francês foi sequestrado pelos jihadistas juntamente com outros quatro colegas em Raqqa, feudo do Daesh na Síria e que os Rafale franceses bombardearam em resposta aos atentados. Durante os dez meses que viveu em cativeiro foi torturado e viu como assassinaram vários amigos seus, entre os quais o fotojornalista James Foley, o primeiro norte-americano decapitado pelo EI diante das câmaras. Hénin fala com La Marea a partir do novo cativeiro que, por razões de segurança, se vê obrigado a sofrer. O jornalista não perde o tom de voz suave ao criticar a gestão que a França e o resto de países ocidentais, incluindo a Rússia, levam a cabo na Síria.
Como funciona o EI?
A maioria das pessoas conhece-os pela sua propaganda, mas durante o tempo que estive capturado conheci vários deles, incluindo o Jihadi John, que se ocupava de mim e era violento e manipulador [os Estados Unidos confirmaram a sua morte na quinta-feira 13 de novembro depois de bombardearem Raqqa]. Apresentam-se perante o público como super-heróis, mas atrás das câmaras parecem patéticos. São mais estúpidos que maus, sem subestimar o potencial mortífero da sua estupidez.
Que pensa da intervenção militar na Síria?
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Nicholas Hénin: "As imagens de europeus a darem as boas-vindas aos refugiados foram um revés para o Estado Islâmico"
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É exatamente o que o EI quer. Ao atacar Paris disseram que era para forçar o Governo francês a parar as suas ações militares, mas na realidade o que procuram é provocar. Confio na prudência dos pilotos franceses para evitar a morte de civis, mas apesar disso os bombardeamentos farão a população sofrer, impedi-la-ão de sair e isso empurrará muitas pessoas para os braços do EI. A propaganda do Daesh diz que todo o mundo está contra eles, que só se estão a defender, e é por isso que é prioritário pôr as pessoas do nosso lado. Só assim poderemos destruir o Daesh.
Que pensa do papel da Rússia no conflito sírio?
A Rússia persegue um objetivo puramente estratégico, não sei de que maneira exata pretende destruir o Daesh. Enquanto Bashar al Assad estiver no poder não haverá maneira de deter o Daesh, porque ele está a radicalizar muita gente.
Muitas vozes responsáveis apontam a Arábia Saudita e o Qatar como financiadores do Estado Islâmico. Qual é o seu papel no conflito?
A Arábia Saudita e o Qatar não financiaram o Daesh, mas contribuíram para radicalizar a oposição síria que queria expulsar Al Assad. Deram apoio para que essa oposição passasse do combate à ditadura para a luta contra os xiítas, financiaram a oposição democrática para que se tornasse sectária. A sua verdadeira responsabilidade não passa pelo Daesh.
Calcula-se em um milhão o número de pessoas refugiadas que chegaram à Europa fugindo da guerra e do Estado Islâmico. Como afetam o conflito as novas posições políticas sobre os refugiados, depois dos atentados de Paris?
Os refugiados fogem principalmente do regime, não só do Daesh. Na Síria há um morto às mãos do Estado Islâmico por cada sete falecidos às mãos do exército de Bashar Al Assad. Desde que a intervenção russa, em apoio a Al Assad, começou a saída de refugiados aumentou em 200.000 pessoas.
Qual é a reação do Daesh perante esta crise?
Esta luta antiterrorista eleva a moral dos jihadistas. Segui o discurso do presidente Hollande em Versalhes e recordou-me muito o de Bush depois do 11 de setembro
Foi um duro golpe para a propaganda do Daesh, que afirma que os muçulmanos não podem viver no Ocidente porque aqui são maltratados e marginalizados. O Estado Islâmico “vende-se”, tal como Israel, dizendo que todos os muçulmanos deveriam viver lá. Muitos procuram refugiar-se na Europa e ao serem bem recebidos destroem a propaganda do Daesh. As imagens de europeus a darem as boas-vindas aos refugiados foram um revés para eles. Por isso querem semear dúvidas sobre eles entregando passaportes sírios falsos. E conseguem-no: o Ocidente fecha as suas portas e, além disso, há uma reação hostil.
Que pensa sobre o estado de emergência decretado pelo presidente Hollande e da sua intenção de o prolongar por três meses?
É uma reação semelhante à de Bush depois dos atentados do 11 de setembro, que só trouxe as guerras no Iraque e no Afeganistão, Guantánamo… Esta luta antiterrorista eleva a moral dos jihadistas. Segui o discurso do presidente Hollande em Versalhes e recordou-me muito o de Bush depois do 11 de setembro.
Entrevista feita por José Bautista e publicada em La Marea, fazendo parte do dossier da revista #LaMarea33. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net