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Espanha: O bipartidarismo reforça-se pela direita

Parece que o problema central das eleições espanholas tem sido o retrocesso eleitoral do Unidos Podemos (UP). De uma forma mais clara, que o triunfo da direita teria menos importância que os resultados do UP. Artigo de Manolo Monereo.
Dirigentes do Unidos Podemos na noite eleitoral. Foto Flickr

É um velho assunto, o inimigo pior é o mais próximo; faz-se política a partir dele e contra ele sem ter em conta a correlação real de forças, as razões objetivas dos avanços e recuos e, de forma definitiva, julgar ao mesmo nível os que têm poder e os que lutam contra ele. Os resultados do Unidos Podemos (UP) deveriam ser analisados com muita precisão porque não foram previstos pelas sondagens nem sequer por aquelas que foram feitas à boca das urnas. O que se passou resultou de factores finais que durante a campanha e que por essa razão não foram previstos na fase inicial.

Não é a primeira vez que tal ocorre em Espanha. Aconteceu em 1993 quando Filipe González foi eleito. Os eleitores mobilizaram-se em massa, apesar da corrupção, dos Grupos Antiterroristas de Libertação (GAL) e da “cal viva” e voltou a premiar o PSOE, votou com o “nariz tapado” e escondeu o sentido de voto. Temo que agora se tenha passado o mesmo: a direita mobilizou-se de uma forma plena e a UP acabou neutralizada. No centro, uma parte da cultura política que criámos desapareceu e com ela o último reduto do poder. Refiro-me ao medo da instabilidade,às mudanças; à ingovernabilidade. Na fase de transição chamou-se a isto “consenso” que mais não era do que um pacto de alternância entre partidos dinásticos consentida pelo poder.

PP: uma máquina perfeita de corrupção

Este facto é a razão última da vitória do PP. Muitos não saem do seu receio: como é possível que um partido que é uma máquina perfeita de corrupção tenha voltado a ganhar as eleições tendo inclusivamente conquistados mais votos e lugares? Porque ganhou em lugares emblemáticos como Madrid, País Valenciano, Galiza, Extremadura, na Andaluzia...O mais grave é que, nos últimos dias, surgiu o escândalo relacionado com o ministro do Interior, Fernández Díaz ,que mostrou todo o esplendor do funcionamento da forma imunda como Estado trata os adversários políticos da direita. Nem essa situação lhes trouxe prejuízos: voltaram a ganhar e de que maneira.. Outro grande assunto foi a saída da Grã-Betanha da União Europeia, apresentada como uma catástrofe universal e um mal absoluto que ameaça o nosso futuro. Por último, na minha opinião, houve um jogo poderoso para consolidar a cultura da estabilidade e do consenso em torno da direita política.

O PSOE tem tido o seu jogo. Poder-se ia dizer que fez uma perfeita divisão em relação aos partidos dinásticos que alternam no poder. A direita polarizou-se de uma forma poderosa contra o Unidos Podemos e o PSOE fez o trabalho sujo pela esquerda quando tratou de diabolizar a UP. Susana Diáz, como sempre ,expressou-o como muita clareza: vencer o inimigo populista e esse era o principal objetivo do PSOE mesmo que tal implicasse a renúncia em ser uma alternância real ao PP. Tarde ou cedo, conseguido o seu objetivo principal - neutralizar a UP - terá que resolver os seus problemas internos e a liderança de Pedro Sanchez não parece muito segura.

A coligação Unidos Podemos perdeu, dos votos possíveis, mais de um milhão. Tal significa um retrocesso num caminho marcado pelo sucesso. É ainda cedo para entender o que se passou . Há muitos fatores que parecem ter contribuído para este resultado. Uma parte da Izquierda Unida (IU) e do Podemos parece que não estiveram de acordo com esta convergência; a questão nacional e o direito a decidir continua a ser uma questão complexa, e nem sempre bem resolvida no imaginário social dos homens e mulheres da UP. Não sabemos o grau de importância que este facto possa ter tido nos votantes do UP. Não sabemos com certeza a importância que pode ter tido para os votantes do UP o medo da desestabilização ou a desmotivação perante sondagens sempre vencedoras.

À campanha do UP faltou, na minha opinião, polarização e um discurso alternativo claro e nítido. Fizemos uma polarização com a direita sem a força necessária deixando, muitas vezes, sem resposta os permanentes ataques do PSOE. Não fomos capazes de construir uma agenda alternativa de poder. A Europa, ou melhor, a UE, foi poucas vezes referida mesmo quando se sabia que uns dias antes das eleições se dirimia o Brexit; por outro lado, as grandes questões políticas, as reformas substanciais da Constituição não estiveram no centro da campanha, como o Estado federal, a independência da justiça ou a questão da corrupção, para não falar da mudança dos sistema eleitoral. Faltou um discurso positivo para explicar um projeto passível de ser posto em prática com vista à criação de um país viável e ao mesmo tempo radical.

O jogo do PSOE

O que aí vem é um governo de direita com apoios implícitos ou explícitos do PSOE. Algo que tem de ser bem feito para não dar a sensação que estamos perante um governo de coligação, mas, sem dúvida, haverá um acordo pelo menos para os próximos dois anos. Mesmo que o establishment venha agora dizer que o que aí vem é tudo menos estabilidade política e social. O que nos espera agora são os ajustamentos estruturais que ficaram pendentes, isto é, os cortes na despesa pública e, pela enésima vez, as reformas do mercado laboral e, temo, novamente as medidas em relação ao sistema de pensões. A troika, não o podemos esquecer, foi a outra vencedora destas eleições e por isso tem condições para impor as suas exigências.

Há, no entanto, uma questão que vale a pena sublinhar e que é a relação entre o conflito social e o ciclo eleitoral. Para muitos de nós o ciclo eleitoral está marcado pelo conflito social num sentido muito preciso: o UP tem sido o instrumento e o modo de intervenção de um movimento social que acredita que é possível a mudança política. Isto já não é assim. O conflito social regressará com força e ver-se-á que este, embora na sombra, foi o autêntico protagonista neste último ato eleitoral.

O UP deve continuar a afirmar-se como o verdadeiro partido da oposição à direita e às políticas neoliberais. A unidade é um processo complexo e difícil. Pensar que este se reduz a uma soma aritmética de votos de ambas as formações foi um erro que nos obriga a perceber que os processos políticos são sempre difíceis e que não há atalhos quando se é uma força alternativa em relação àqueles que mandam e não se apresentam às eleições. Há que situar o UP no centro de um projeto histórico de resistência, e que com outras forças quer construir um novo país. O UP é um instrumento que ultrapassa a lógica de uma coligação eleitoral porque a sua essência radica na sua força política unitária.

O tempo das manobras terminou e agora estamos perante a dura realidade da guerra de posições. Devemos pensar a nossa ação política - ensinou-o um jovem vermelho alemão que hoje teria 76 anos - com um longo caminho através das instituições, as da sociedade civil, as estatais e as da vida quotidiana. Cerco mútuo, acumulação de forças e o o conflito social no centro.

Trata-se de um novo projeto para um país capaz de assegurar a soberania popular, o desenvolvimento do Estado social e a defesa das liberdades fundamentais. Há tudo a ganhar, nada a perder.

Artigo publicado no Cuarto Poder em 29 de junho de 2016.

Tradução de Pedro Ferreira  para esquerda.net.

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