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Embaixador da Palestina: “Trump não conseguirá impedir a construção do Estado palestiniano”

Como é que interpreta os resultados do primeiro encontro entre Donald Trump e Benjamin Netanyahu, que decorreu esta semana, em Washington?
Não foram um surpresa para nós, já os esperávamos. O que ouvimos vem confirmar por um lado que Israel não está disposto a abandonar as suas políticas em relação à Palestina e por outro que o novo Presidente dos Estados Unidos não pretende assumir o papel de mediador no processo de paz tornado-se desta forma num participante ativo dos crimes cometidos contra o povo palestiniano.
Poderá estar iminente uma nova escalada de violência?
Trump acaba de destruir a solução dois Estados ao afirmar que esta não é necessária para construir um acordo de paz mas é importante notar que, propositadamente ou não, acabou por não tornar pública qual a estratégia que, na sua opinião, deve ser adoptada o que permite concluir que, ao contrário das anteriores administrações dos EUA, não pretende assumir o papel de mediador na procura de um caminho que ponha fim à ocupação da Palestina.
Significa que os progressos alcançados ainda que tímidos estão em risco?
Desde logo, importa clarificar que a solução dois Estados não foi uma escolha dos palestinianos, eles nunca a quiseram e só acabaram por aceitá-la no âmbito de uma estratégia para aproximar a sua posição da vontade da comunidade internacional. É preciso notar que a mesma implica que nós abdiquemos de mais de 70 por cento do nosso território e por essa razão não será difícil compreender este desagrado.
Os palestinianos queriam um único país democrático e laico onde judeus, cristãos e muçulmanos pudessem conviver em paz. Mas o sionismo não quer e por essa razão, o primeiro-ministro israelita pretende, como ficou claro nestas conversações com Donald Trump, instaurar um Estado racista institucionalizando o apartheid, como aconteceu na África do Sul.
É preciso que as Nações Unidas e a União Europeia tenham a coragem de rejeitar esta intenção forçando o Governo de Israel a cumprir as determinações internacionais. Estamos crentes de que o farão.
Podemos então deduzir que se um dia a solução dois Estados vier a ser implementada pode estar condenada ao fracasso?
Apesar destas reticências acreditamos nas instâncias internacionais e no seu papel decisivo para desbravar os caminhos que nos possam conduzir a uma situação de paz devolvendo ao povo palestiniano aquilo que, ao arrepio do Direito Internacional, lhe foi subtraído. Como todos sabemos o processo é complexo mas estamos convictos que, com exceção do Estado de Israel e da administração dos EUA, o mundo está connosco.
Em que é que se baseia para fazer essa afirmação?
Recordo que no dia 23 de dezembro do ano passado o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou uma resolução exigindo a Israel o fim imediato da política de colonatos nos territórios palestinianos. Nessa resolução ficou expresso que os colonatos são ilegais e põem em causa o consenso internacional para a paz. Esta decisão foi um passo muito importante e demonstrou que a causa palestiniana é apoiada pela maioria dos países.
Mas independentemente do caráter histórico dessa resolução - foi a primeira vez em 36 anos que o Conselho de Segurança aprovou uma resolução crítica em relação aos colonatos - não podemos esquecer que Donald Trump ainda não tinha assumido o poder e que Benjamin Netanyahu a desvalorizou tendo inclusivamente ameaçado com a construção de mais colonatos.
Mas não deixou de ser uma decisão muito importante porque deixou o Presidente norte-americano e o primeiro-ministro de Israel mais isolados no contexto internacional.
Mas até ao momento essa decisão não impulsionou o processo de paz que poderá inclusivamente vir a sofrer novos retrocessos.
Israel vive acima da lei, e essa impunidade permite-lhe assassinar palestinianos, roubar-lhes terras e apropriar-se dos recursos naturais existentes nos territórios ocupados. Conhece algum país no mundo que cometa crimes de guerra de forma sistemática sem ser sancionado? Esta situação tem de ser alterada porque também é importante para determinar o futuro da Palestina e do seu povo.
Israel vive acima da lei, e essa impunidade permite-lhe assassinar palestinianos, roubar-lhes terras e apropriar-se dos recursos naturais existentes nos territórios ocupados
Em relação aos retrocessos relacionados com o processo de paz, aquilo que posso dizer no imediato é que o mundo não se pode deixar vencer pelas ideias de Trump ou de Netanyahu. Tem de saber reagir e encontrar formas de resistir aos seus impetos perigosos. É isso que a Palestina continuará a fazer.
Os responsáveis políticos palestinianos já recorreram ao Tribunal Penal Internacional (TPI) a que aderiram em 2015?
Sim. Há um conjunto de questões que já transitaram para o TPI, nomeadamente as que se relacionam com a constução de colonatos que são um instrumento vital da política de dominação perpetrada pelas forças israelitas.
E estão confiantes na tomada de uma decisão que venha a punir Israel?
Uma vez que se trata de uma flagrante violação do Direito Internacional, esperamos que os responsáveis sejam responsabilizados pelos seus atos.
Há outra ameaça que paira no ar e que se prende com a transferência da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém. Na sua opinião, estamos perante uma manobra de intimidação ou essa mudança poderá mesmo vir a concretizar-se?
Essa decisão data de 1995 se a memória não me falha e foi aprovada pelo Congresso norte-americano. No entanto nunca foi concretizada e o facto de ter sido posta desta forma na agenda política da administração Trump prova que este tem uma estratégia que visa acelerar muitas decisões a nível nacional e internacional.
O presidente dos EUA é um homem imprevisível e já revelou que está pouco preparado do ponto de vista político. Prova disso são os conflitos internos que já provocou no seu país com a justiça por causa do decreto que visa a proibição de entrada de pessoas determinados países no território dos Estados Unidos e também os choques constantes com os média e até com os agentes culturais. Na minha opinião ele está a perder rapidamente o apoio da maioria da população o que a prazo o deixará numa situação de grande fragilidade. O mesmo está a acontecer com o primeiro-ministro israelita que está afogado em sucessivos escândalos relacionados com atos de corrupção e regista uma quebra acentuada na sua popularidade.
Porém, não devem ser subestimados e as suas pretensões devem ser combatidas em nome da liberdade e da dignidade que são dois pilares essenciais para que possamos continuar a trabalhar em prol de um mundo onde a paz e dignidade das pessoas sejam a regra e não a execeção.
A eventual mudança da embaixada para Jerusalém é um convite aberto para o aumento do radicalismo e, note-se, vem de um homem que afirmou que ia acabar com o terrorismo. Descontando a retórica que o caracteriza, quem sai vencedor com a manifestação desta intenção é o Daesh que tem o campo cada vez mais aberto para recrutar jovens para as suas fileiras o que inevitavelmente levará ao seu robustecimento.
Estamos assim perante uma intenção muito perigosa mas que do ponto de vista estritamente político tem o objetivo de dar uma identidade judaica à cidade [Jerusalém] que é um local sagrado para os cristãos e para os muçulmanos.
Como é que descreve o quotidiano na Palestina?
Estamos sob ocupação e por isso o dia a dia não é fácil. Mas orgulhamo-nos de ter um bom sistema de ensino onde os níveis de aprendizagem dos jovens em idade escolar são excelentes. Do ponto de vista económico a situação é muito má uma vez que Israel está empenhado em destruir a nossa economia através da delapidação dos recursos existentes no país.
Quando a ocupação terminar, a Palestina tem condições para atingir um dos mais elevados níveis de desenvolvimento entre os países da região
Para ilustrar este problema basta atentar no seguintes factos: a ocupação custa aos palestinianos cerca de 8 mil milhões de dólares por ano quando o nosso orçamento é de 4,5 mil milhões de dólares. São os custos resultantes da quebra de receitas no turismo, do boicote às nossas exportações, do desvio de recursos hídricos e também da destruição massiva de oliveiras pelos colonos o que penaliza de forma severa a produção de azeite que é muito importante para a economia do país.
Quando a ocupação terminar, a Palestina tem condições para atingir um dos mais elevados níveis de desenvolvimento entre os países da região.
Também por essa razão, prosseguiremos a nossa luta para honrar todos aqueles que morreram em nome da construção de um futuro próspero vivido em liberdade.
Entrevista realizada por Pedro Ferreira para esquerda.net
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