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Eleições na Argélia: todos os candidatos são ligados ao regime

A oposição ligada às grandes mobilizações que se repetem há nove meses chamam ao boicote, considerando não haver condições democráticas para umas eleições limpas. Por Luis Leiria.
Manifestante em Argel afirma: "Iremos até o fim"
Manifestante em Argel afirma: "Iremos até o fim"

A Argélia completou na sexta-feira passada 40 semanas de manifestações às sextas-feiras contra o regime político que a governa desde a independência, em 1962. São nove meses de uma grandiosa e inédita mobilização pacífica que abalou as estruturas do regime construído pela Frente de Libertação Nacional (FLN), sem conseguir, porém, até agora, superar o último bastião do regime: o Exército.

O general Ahmed Gaïd Salah, chefe do Estado-Maior do Exército, é o homem forte do regime, e é ele quem atualmente enfrenta o hirak, nome em árabe que designa o movimento contra o regime iniciado no dia 16 de fevereiro. Foi ele que forçou a realização de eleições presidenciais no próximo dia 12 de dezembro, sem que estas fossem precedidas de um verdadeiro processo de transição democrática.

As eleições, segundo a oposição e os partidos comprometidos com o hirak, servirão apenas para salvar o regime, já que não estão rodeadas de garantias democráticas que certifiquem ser a disputa realmente representativa da vontade popular.

A Argélia está assim diante de uma encruzilhada – e nunca esta metáfora terá sido usada com tanta propriedade. Mas a questão não é saber quem, de entre os cinco candidatos, vencerá a disputa, mas sim se a maioria dos argelinos irá boicotar as eleições, seguindo os apelos que soam todos os dias nas ruas.

Cinco candidaturas do regime

A vinculação dos cinco candidatos ao regime não poderia ser mais evidente.

Ali Benflis, 75 anos, foi ministro da Justiça durante três anos e primeiro-ministro de 2000 a 2003, já sob a presidência de Abdelaziz Bouteflika. Duas vezes candidato à Presidência, em 2004 e 2014.

Abdelmadjid Tebboune, 74 anos, foi duas vezes ministro da Habitação (no total, sete anos no cargo), e também primeiro-ministro de Bouteflika.

Azzedine Mihoubi, 60 anos, foi ministro da Cultura de 2015 a 2019 e secretário-geral interino do partido Reunião Nacional Democrática (RND), o partido do atual chefe de Estado interino Abdelkader Bensallah. O RND formalizou uma aliança com a FLN desde 2005 e é, portanto, um dos pilares do regime.

Abdelaziz Belaïd, 56 anos, entrou na FLN aos 23 anos, foi o mais jovem membro do comité central da FLN e deputado durante dez anos. Em 2011 saiu da FLN para fundar a Frente El Moustakbel (Frente do Futuro), pequeno partido considerado próximo do poder.

Abdelkader Bengrina, 57 anos, antigo ministro do Turismo e deputado pelo Movimento da Sociedade pela Paz (MSP) durante cinco anos, é o único candidato islamista.

Temos assim que dos cinco candidatos, quatro foram ministros de Bouteflika e o restante pertenceu ao comité central da FLN e exerceu o mandato de deputado durante dez anos.

São estes os candidatos que iniciaram há uma semana uma campanha eleitoral bizarra, que evita a todo o custo o contacto direto com os eleitores, realizando eventos em salas fechadas, e mesmo assim arriscando-se a serem vaiados por manifestantes pró-hirak que levam o seu protesto para dentro dessa sala.

Uma campanha a fugir dos eleitores

O jornal diário Liberté Algérie resumiu assim este arranque da campanha presidencial dos cinco candidatos: “Penoso, mas igualmente paradoxal, este exercício a que eles se entregaram, que consiste em fugir da proximidade dos eleitores que eles desejavam ver mobilizados pelo escrutínio e a quem pedem votos.”

O El Watan descreve desta forma o desenrolar da campanha eleitoral: “Desde domingo 17 de novembro, nenhum candidato escapou à cólera dos que se opõem a estas presidenciais. As sessões públicas, que deveriam ser, para os candidatos, oportunidades idóneas de convencer eleitores potenciais a votarem neles, desenvolvem-se em salas fechadas e diante de convidados ecolhidos a dedo.”

“O auditório, insignificante”, prossegue o El Watan, compõe-se em geral de apoiantes do candidato que viajam, com ele, de uma wilaya1 a outra. Além disso, os candidatos deslocam-se sob alta proteção policial. Formam-se cordões na proximidade das salas reservadas às sessões públicas, com medo de uma invasão dos cidadãos pró-hirak, mesmo quando estes, até agora, não usaram nenhuma violência. Os que protestam contentam-se com lançar palavras de ordem contrárias à eleição, acusando os candidatos de «traição» e de «estar a soldo do poder instalado»”.

Aposta na repressão e no cansaço

Desde que começou o do hirak, o chefe do Exército foi mudando a sua postura diante das mobilizações. No início, a sua política foi de reivindicá-las, tendo partido dele o ultimato que levou à renúncia de Abdelaziz Bouteflika em 2 de abril e a iniciativa de pôr na cadeia alguns funcionários e empresários mais ligados ao ex-presidente. Só que o povo nas ruas não se deixou levar pela manobra e manteve a exigência da saída de todos os representantes do regime, incluindo o próprio Gaïd Salah.

O general decidiu então enfrentar-se com o movimento e remarcar as eleições para 12 de dezembro, apresentando-as como a única saída constitucional para a crise política. E começou a prender os que se opunham às eleições, fossem eles figuras históricas, como Lakhdar Bouragaa, 86 anos, um moudjahid, isto é, um herói da Independência, dirigentes partidários como Louisa Hanoune, do Partido dos Trabalhadores, ou líderes das mobilizações, como Karim Tabbou. Há pelo menos 140 presos de opinião neste momento, pelo levantamento feito pela Comissão pela Libertação dos Detidos (CNLD). Pelo cálculo do general, as prisões e o cansaço acabariam por reduzir a oposição e convencer os argelinos a participar na campanha e escolher um dos cinco candidatos.

Movimento amplia-se

Mas o cálculo parece ter saído errado. No dia 1 de novembro, data histórica que coincidiu com uma sexta-feira, ocorreram as maiores mobilizações de sempre, com milhões de pessoas nas ruas de todas as cidades do país. E desde o início oficial da campanha eleitoral, a novidade são as manifestações noturnas que vêm sendo feitas todos os dias, para além das mobilizações de sexta-feira e as dos estudantes, às quartas-feiras.

O hirak mantém-se fiel aos seus objetivos, como é fácil verificar nas inscrições dos cartazes levados às ruas de Argel na última sexta-feira, de acordo com o El Watan:

– “Viva a Revolução pacífica! O povo recusa-se a participar nas eleições impostas pela junta militar que está ao serviço das monarquias do Golfo e da antiga potência colonial!”

– “O combate que perdemos, é aquele que não travamos”

– O povo está determinado, o Exército terminou!”

– “Não votarei contra o meu país!”

– “A vossa campanha é carcerária, não eleitoral!”

– “A revolução popular põe fim ao sistema dos 57 anos de reinado sem partilha através de um não massivo de todos os argelinos ao cenário eleitoral imposto”.

– “Não somos contra as eleições, mas não queremos as eleições sujas da época de Bouteflika!”

E, mais ainda, nas palavras de ordem mais gritadas:

– “Estado civil, não militar!”

– Trouxeram cinco fantoches, querem fazer deles um presidente!”

– Fora Gaïd Salah, não haverá votação este ano!”

– “Os generais para o lixo, e a Argélia chegará à independência!”

– “Prendam-nos todos, não vamos parar!”

– “Faremos greves, não eleições!”

O que vai acontecer no 12 de dezembro se, com tudo indica, a mobilização de boicote às eleições ganhar ainda mais força? Que legitimidade terá o vencedor eleitoral se a ida às urnas for muito baixa? E, se uma fraude eleitoral semelhante às dos mandatos de Bouteflika voltar a ocorrer, terá o novo governo legitimidade para governar?

O editorial do El Watan recorda uma frase do presidente dos EUA John Kennedy: “Aqueles que fazem impossível uma revolução pacífica tornarão inevitável uma revolução violenta.”

1  Wilaya é o nome dado na Argélia às divisões administrativas. Distritos eleitorais.

Sobre o/a autor(a)

Jornalista do Esquerda.net
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