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Eleições em Espanha: mais uma oportunidade perdida?

Pela quarta vez desde 2015 e pela segunda vez este ano, os espanhóis vão às urnas no próximo domingo para eleger um novo Parlamento. E tudo indica que delas não sairá uma maioria clara, que garanta uma fórmula governativa estável e permita resolver politicamente a questão catalã.
Candidatos às eleições
Imagem dos líderes dos cinco principais partidos no debate transmitido pela TVE.

Um país abalado por duas crises políticas

Tal como antes das eleições de abril, a Espanha continua abalada pelas crises políticas que vêm marcando a sua história recente e que referimos aqui. Para além dos reflexos da grave crise económica e social que atingiu o país vizinho (juntamente com os outros países da Europa meridional) no início da década, persistem duas crises políticas: a governativa e a constitucional.

A primeira resulta do fim do bipartidarismo que marcou a política espanhola desde as primeiras eleições livres após a transição do franquismo para a monarquia constitucional, em 1977, até 2015. O aparecimento do Podemos (mais tarde, Unidos e Unidas Podemos, resultante da sua aliança com a Esquerda Unida), uma alternativa à esquerda do PSOE, e dos Cidadãos (C’s), uma nova força de direita, supostamente mais ao centro que o PP, e, mais tarde, do Vox, da extrema-direita neofranquista, vieram baralhar o jogo político e tornar difícil encontrar um governo estável, de que a atual dissolução parlamentar e a de 2016, ambas fruto do impasse na formação do executivo, são exemplo.

A segunda veio à tona com o eclodir do processo independentista catalão, que colocou em causa a arquitetura do chamado Estado das Autonomias, criado na sequência da transição, como forma de enquadrar as reivindicações basca e catalã. O “chumbo” de grande parte do novo Estatuto de Autonomia da Catalunha, sufragado pelo povo catalão, em 2006, por parte do Tribunal Constitucional espanhol, na sequência de um requerimento do PP, quatro anos depois, levou a uma radicalização política do nacionalismo catalão, com o consequente desenvolvimento do denominado “procès” independentista, que culminou com o referendo de 1 de outubro de 2017. A repressão que se seguiu, com a prisão e o exílio de vários dirigentes políticos catalães, apenas aumentou a fratura entre a Catalunha e o resto de Espanha (excetuando Euskadi).

Um ato eleitoral num contexto de agravamento das crises

Estas eleições voltam a decorrer num contexto de agravamento de ambas as crises e com a economia a dar sinais de abrandamento.

Em abril, o PSOE venceu, mas esteve muito longe de obter uma maioria absoluta. De acordo com os trâmites constitucionais, que explicamos aqui, para conseguir a investidura, o seu líder e atual primeiro-ministro interino, Pedro Sánchez, teria de ter o apoio da Unidas Podemos (UP) e de algumas formações nacionalistas e regionalistas. Contudo, o líder da UP, Pablo Iglesias, exigiu a participação da sua formação no governo, algo que não foi aceite pelo primeiro. Sem acordo entre ambos, ficou inviabilizada a criação de uma “geringonça” à esquerda. O presidente do governo poderia fazer maioria com os C’s, mas o líder do partido, Alberto Rivera, recusou qualquer pacto com os socialistas. Por isso, o impasse manteve-se e nada mais restou que dissolver o Parlamento e convocar novas eleições.

Por seu turno, a questão catalã, que parecia estar “em banho-maria”, voltou a agravar-se, com as inenarráveis sentenças condenatórias dos presos políticos catalães, proferidas pelo Supremo Tribunal espanhol. Pela moldura penal (9 a 13 anos de prisão), parece que, para a justiça espanhola, organizar um referendo independentista (mesmo sem carácter vinculativo) e protagonizar uma ambígua (e, por isso pífia) declaração de independência é mais grave que violar uma mulher… Se a ideia era incendiar o ambiente, foi perfeita. O veredicto provocou forte indignação na Catalunha, onde o povo saiu à rua, em gigantescas manifestações e alguns grupos mais radicais protagonizaram várias cenas de violência noturna.

Assim, o tema entrou, inevitavelmente, na campanha eleitoral, algo que a visita do rei a Barcelona apenas agravou. Esta não foi o resultado de ingenuidade política ou falta de senso, mas, antes, uma provocação gratuita e deliberada ao nacionalismo e ao republicanismo catalães, quiçá para “aumentar a temperatura” no território e mantê-lo como grande tema da campanha. 

Essa atitude do monarca não surpreende, após o seu lamentável discurso em que mostrou, claramente, de que lado está no conflito. A sua persistência beneficia a direita espanholista (ou seja, o nacionalismo castelhano radical), representado pelo PP, os C’s e, sobretudo, o Vox, ao mesmo tempo que torna desconfortável a posição da esquerda e, mesmo, do próprio PSOE, por razões que veremos de seguida. Talvez o rei e seus conselheiros não percebam que favorece, igualmente, os nacionalismos periféricos, tanto os catalães como, por arrastamento, os bascos, os galegos e os canários. Ou, se calhar, até percebem, fazendo do reforço destes um pretexto para o reforço do centralismo e da repressão sobre aqueles.

Mas há algo que é inegável: as duas crises continuam estritamente interligadas.

As perspetivas das diferentes forças políticas

Quais, então, as perspetivas para estas eleições?

O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e Pedro Sánchez sairão novamente vencedores do ato eleitoral, mas dificilmente se fortalecerão.

 A irrupção da questão catalã na campanha prejudicou o partido. Se, por um lado, o primeiro-ministro e líder socialista declarou estar fora de questão uma amnistia aos presos políticos catalães, por outro, recusou-se a aplicar medidas mais duras, como voltar a aplicar o artº 155 da Constituição espanhola, que suspenderia a autonomia da Catalunha. Com esta posição, acabou por desagradar a ambos os lados. Mesmo a promessa que assumiu no debate, de proibir os referendos autonómicos, autorizados durante o governo de Zapatero, contra a posição que o PSOE assumiu antes das eleições de abril, visando captar eleitores à direita, soou a incoerente e eleitoralista. 

Por seu turno, ao levar a efeito a exumação do cadáver de Franco, retirando o corpo do ditador do Vale de los Caídos para um cemitério nos arredores de Madrid, terá agradado ao eleitorado da esquerda e a alguns setores do centro, mas não parece que a medida (sem dúvida, de higiene política) lhe tenha granjeado muitos votos. E o mesmo deverá acontecer com a prometida dissolução da fundação Francisco Franco, dedicada à memória do “caudillo”.

Já o anúncio de que a sua ministra da Economia, Nadia Calviño, da ala direita do partido, será a sua vice-presidente para a área económica, que rejeita a revisão da legislação laboral regressiva aprovada durante o governo de Rajoy, e a recusa liminar de um acordo governativo com Iglesias mostra uma guinada à direita, destinada a conquistar eleitores ao centro, algo que, no entanto, não parece estar a conseguir. 

Para evitar perder votos e mandatos, Sánchez sabe que terá de mobilizar uma boa parte do eleitorado socialista. Porém, o cansaço com os repetidos atos eleitorais poderá levar uma parte dele a fugir para a abstenção. Por isso, apresenta como ideia fundamental de campanha a de que só o voto no PSOE garante a estabilidade governativa.

Se, em abril, obteve 28,7% dos sufrágios, elegendo 123 deputados, agora, as sondagens mais recentes atribuem-lhe entre 26,5% e 27,5% dos votos e, aproximadamente, entre 115 e 120 lugares no Congresso dos Deputados. Uma descida que torna ainda mais difícil a formação de um novo governo!

O Partido Popular (PP), a principal força da direita espanhola, liderada por Pablo Casado, deverá recuperar do verdadeiro desastre que foram as eleições de abril, onde não foi além de 16,7% dos votos e apenas 66 deputados.

 Então, tentando captar os potenciais eleitores do Vox, radicalizou o seu discurso à direita, apresentando-se como um baluarte do nacionalismo espanholista e crítico da imigração “descontrolada”. Com isso, não só não ganhou a maioria desse eleitorado, mas também perdeu uma parte do mais moderado para os C´s ou para a abstenção. 

O seu líder sobreviveu à hecatombe e apresenta-se, agora, com um discurso mais ao centro, centrado em questões económicas, acusando os socialistas de má gestão da economia, que consideram estar já em crise. Para a sua pretensa reativação, prometem o reforço das medidas habituais de liberalização económica, a par com a promessa de redução da carga fiscal.

Simultaneamente, continua a apresentar-se como grande defensor da unidade de Espanha, mantendo a sua tradicional inflexibilidade na questão da Catalunha, ao exigir do governo a aplicação do artº 155 e o afastamento de qualquer amnistia aos presos políticos catalães. 

Por seu turno, Casado apela ao voto “útil” no partido, considerando que a divisão da direita favorece os socialistas.

Dessa forma, tudo indica que recuperará alguns eleitores que, em abril, votaram nos C’s ou se abstiveram, reforçando, assim, o seu papel de maior partido da oposição. 

De acordo com os inquéritos de opinião, deverá obter entre 20,0% e 21,5% dos sufrágios e, aproximadamente, entre 90 e 100 mandatos. Resta saber se Casado sobreviverá, no caso improvável de o partido ficar abaixo dos 20%.

Os Cidadãos-Partido da Cidadania (C’s) deverão ser a grande vítima deste ato eleitoral, após terem obtido, em abril, 15,9% dos votos e 57 lugares no Congresso, beneficiando da fuga de eleitores do PP e da sua posição dura face aos independentistas catalães. Na altura, pouco faltou para ultrapassarem os “populares” como segunda força política do país.

Contudo, desde então, perderam-se na teimosia do seu líder, Alberto Rivera, que recusou sempre qualquer aproximação a Sánchez, mesmo quando se percebeu que a UP não “daria a mão” aos socialistas. Daí que muitos eleitores responsabilizem os C’s pelo prolongamento do impasse governativo, sendo possível que alguns que assim pensam fujam para o PSOE. 

Mas a maior perda de eleitorado estará relacionada com o recentramento do discurso dos “populares”, que levará uma parte significativa do seu eleitorado de abril a regressar ao PP. Por outro lado, em alguns círculos de menor magnitude, a divisão do eleitorado direitista, nas últimas eleições, favoreceu o PSOE, pelo que é de esperar que alguns eleitores centristas acabem a votar “útil” no maior partido da direita. 

Porém, há ainda um conjunto de eleitores que votou nos Cidadãos, partido que, recorde-se, foi fundado por setores catalães anti-independentistas, pela sua oposição frontal ao nacionalismo catalão e firme defesa da unidade de Espanha. Ora, com a consolidação do Vox, que faz dessa posição o seu “santo e senha”, muitos desses transferir-se-ão para a formação da extrema-direita. 

Também o facto de alguns autarcas dos C’s terem sido acusados de corrupção, para além das fraudes ocorridas nas eleições internas de Castela-Leão fez cair a popularidade do partido, que fez do combate à corrupção (que associa às duas maiores forças políticas) uma das suas grandes bandeiras. Essa circunstância e o tacticismo político de Rivera tenderá a levar alguns dos seus eleitores a abster-se ou a serem atraídos pelo populismo da extrema-direita. 

E, como vimos atrás, nem a questão catalã, onde advoga, igualmente, a aplicação do artº 155, tal como o PP e o Vox, lhe servirá de “tábua de salvação”. 

As últimas sondagens mostram os C’s em queda livre e o seu resultado quedar-se-á entre os 7,0% e os 8,5%, o que apenas lhe permitirá eleger apenas entre, sensivelmente, 10 e 15 deputados. A confirmar-se essa hecatombe eleitoral, não apenas a liderança de Rivera, mas também a própria sobrevivência do partido poderá ficar em causa.

A coligação da esquerda Unidas Podemos (UP), que, em abril, junto com as suas confluências regionais, obteve 14,3% dos votos e 42 lugares, encontra-se em dificuldades para manter o seu resultado. 

A insistência de Pablo Iglesias em integrar uma coligação governativa com o PSOE, recusando um acordo parlamentar semelhante ao da “geringonça”, como lhe foi proposto por Sánchez, levou ao impasse governativo. Muitos, incluindo alguns setores da esquerda, culparam o líder da UP pela crise política. Entre estes, encontrava-se Iñigo Errejón, há muito em rota de coligação com Iglesias, que acabou por abandonar o Podemos e liderar uma nova formação política, que tenderá a “comer” votos aos “podemitas”. 

Para além do mais, em alguns círculos de menor dimensão, é possível que haja algum eleitorado da esquerda a votar “útil” no PSOE, para evitar a eleição de mais deputados da direita. 

O líder da UP, atacado por todos pelo seu apoio à autodeterminação (embora não à independência) da Catalunha, esteve particularmente bem no único debate entre os candidatos, sendo o único que se focou nos problemas das pessoas e dos territórios e que apresentou medidas concretas para os resolver. Aí, bramiu os artigos mais progressistas da Constituição e a defesa da igualdade entre todos os espanhóis contra uma direita que se afirma como “constitucionalista” e “patriótica” a cada passo. Ao mesmo tempo, mostrou-se disposto a participar, juntamente com o PSOE, numa solução governativa à esquerda. Terminou lendo uma carta de uma jovem precária.

Resta saber se a sua boa prestação foi suficiente para estancar a fuga de votos, tanto para os socialistas como para a nova formação de Errejón e para as formações da esquerda independentista.

Os inquéritos de opinião preveem uma quebra, embora não tão grande como se previa no início da campanha, devendo a Unidas Podemos, junto com as suas confluências regionais, obter entre 12,0% e 13,0% dos votos, o que lhe valerá, aproximadamente, entre 30 e 40 mandatos, dependendo da distribuição territorial da sua votação. O futuro da formação de Iglesias dependerá, em muito, da maior ou menor amplitude das suas perdas eleitorais.

O partido da extrema-direita Vox, liderado por Santiago Abascal, que irrompeu nas eleições autónomas andaluzas, em dezembro passado, obteve, em abril, 10,3% dos sufrágios e 24 deputados. Contudo, os seus resultados nas europeias e nas regionais, realizadas um mês depois, mostraram uma quebra importante na sua votação, pois muito do seu eleitorado não compareceu nas urnas. 

Porém, o reacender da questão catalã permitiu ao Vox agitar o espantalho da divisão da Espanha, aproveitando a impopularidade da causa da Catalunha no resto do país, exceção feita a Euskadi. Para a formação nacionalista espanhola, as penas aplicadas aos presos políticos foram demasiado brandas. Daí as suas críticas à Fiscalia-Geral do Estado (o equivalente ao Ministério Público) por ter deixado cair o crime de rebelião, que, a ser provado, levaria à aplicação aos detidos de penas entre os 25 e os 50 anos de prisão. 

Simultaneamente, acusou Sánchez e o PSOE de “cobardia” face aos independentistas e Iglesias e a “alcaldesa” de Barcelona, Ada Colau, de “traição” por terem criticado a sentença. E exigiu a aplicação do artº 155 e a prisão e posterior condenação por rebelião do presidente da Generalitat, Quim Torra, e de outros governantes e parlamentares catalães, defensores da independência. Ao mesmo tempo, defendeu o fim das autonomias, que considera responsáveis pelos défices orçamentais, defendendo, demagogicamente, que se trata de escolher entre estas e as pensões.

No debate, Abascal voltou a mostrar o seu lado patriarcal e machista, criticando a legislação que estabelece a igualdade de género e criminaliza a violência sobre as mulheres. Segundo o líder da extrema-direita espanhola, os números desta última são “muito exagerados” e a lei “não salva as mulheres e penaliza injustamente os homens” (sic). 

Não contente com isso, e após ter debitado um discurso de ódio face aos imigrantes, culpando o governo pela imigração “subsidiada” e exigindo o fim da saúde gratuita para aqueles, afirmou que “70% das “manadas” (grupos de violadores) são constituídas por estrangeiros”, algo que foi prontamente desmentido pelos dados oficiais, que apontam para 74% de espanhóis na constituição daqueles grupos.

Também a concretização da exumação dos restos mortais de Franco serviu ao Vox para mobilizar os nostálgicos da ditadura. Candidamente, afirmou ser necessário “respeitar os mortos” e “não dividir os espanhóis, fomentando ódios antigos”.

Apesar da sua notória demagogia, é inegável que Abascal marcou pontos no debate, capitalizando muita da insatisfação e da raiva de parte significativa do eleitorado espanhol.

Mesmo tendo em conta que, em abril, as sondagens inflacionaram aquele que viria a ser o seu resultado nas urnas, a verdade é que a maioria dos inquéritos de opinião coloca, desde então, o partido a subir de forma consistente e as últimas preveem para o Vox uma votação entre os 14,5% e os 15,5% e a eleição de entre, sensivelmente, 50 e 55 deputados. A confirmarem-se esses valores, a formação da extrema-direita será a terceira força política do país e tornar-se-á numa série ameaça, não apenas para os partidos tradicionais, mas também para a própria democracia.

O Mais País, formação dissidente da UP, criada e liderada pelo ex-dirigente e fundador do Podemos, Iñigo Errejón, é uma nova força política da esquerda moderada. Pretende voltar à dimensão “participativa” que esteve na base do partido que fundou, juntamente com Iglesias, e que, na sua opinião, aquele terá perdido, em especial após a sua aliança com a Esquerda Unida (IU), que originou o Unidos (mais tarde, Unidas) Podemos. 

Para o efeito, estendeu ao nível nacional o que havia ensaiado nas municipais da capital, sob a designação de Mais Madrid, em que ficou à frente da sua antiga formação. Aliás, Manuela Carmena, a antiga “alcaldesa” da capital espanhola, é uma das apoiantes da lista.

Entre os seus aliados estão: os ecologistas da Equo, em todas as circunscrições onde as suas listas concorrem; o Compromis, que, com 0,7% a nível nacional, em abril, obtive um lugar no Congresso, e agora se apresenta, em conjunto com pequenas formações aliadas da região, sob a designação de Mès Compromis, nos três círculos da Comunidade Valenciana; a Chunta Arogonesista (CHA), em Saragoça, e a Iniciativa pela Andaluzia (IPA), nas quatro maiores províncias desta última Comunidade Autónoma. 

 Mesmo se não conseguir um grande resultado, a sua presença pode “roubar” deputados à UP em alguns círculos, mesmo se a lista apenas concorre nas circunscrições de maior magnitude (ou seja, as que elegem 7 ou mais deputados). 

Para já, as sondagens atribuem-lhe entre 3,0% e 4,0% e a conquista de 2 a 4 mandatos. Este ato eleitoral é crucial para a nova formação: um resultado abaixo dos 3% e menos de 2 lugares condená-la-á a ser um “nado-morto político”; acima dos 4% e dos 4 mandatos, poderá ter um futuro promissor. Mas este estará sempre muito dependente da evolução da situação política e dos seus reflexos no comportamento da UP e do PSOE.

Das restantes forças políticas de dimensão nacional, pouco se espera. Mesmo o Partido Contra o Maltrato Animal (PACMA), semelhante ao PAN, embora mais centrado na questão dos direitos dos animais e na luta contra as touradas que na emergência ambiental, e que obteve 1,2% em abril, não deverá ir mais longe, não figurando nos inquéritos de opinião. A cláusula-barreira de 3%, que, como explicamos aqui, apenas tem aplicabilidade efetiva em Madrid e em Barcelona (nos outros círculos é, na prática, muito superior), torna difícil aos partidos mais pequenos obter representação parlamentar.

Vamos, agora, as formações nacionalistas e regionalistas, que deverão reforçar ligeiramente a sua posição no próximo Congresso dos Deputados.

A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) continuará a ser a principal força do independentismo catalão, tal como sucedeu em abril, quando, aliada aos Soberanistas (pequena dissidência da Catalunha em Comum, confluência regional da UP), obteve 3,9% dos votos no conjunto de Espanha, que lhe valeram 15 lugares. 

A condenação do seu líder, Oriel Junqueras, a 13 anos de prisão, e as posições apaziguadores que vem mantendo, evitando uma escalada no conflito que levasse a maiores retaliações por parte do governo central, contribuem para consolidar esse estatuto. Para muitos catalães, o facto de ter decidido enfrentar a prisão, escolhendo o “martírio” em lugar da fuga, como fez Puigdemont, reforçou a sua posição. 

Contudo, ao contrário do que sucedeu em abril, enfrenta uma candidatura mais forte à esquerda, o que poderá fazer a coligação ERC-Soberanistas perder alguns votos. De acordo com os mais recentes inquéritos de opinião, deverá obter entre 3,5% e 4,0% dos votos e entre 13 e 15 lugares. 

Por seu turno, os Juntos pela Catalunha (JxCat) constituem uma coligação do centro-direita independentista catalão, liderada pelo ex-presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, exilado na Bélgica e alvo de um mandato de captura europeu emitido pelas autoridades espanholas. Dela fazem parte o Partido Democrático Europeu Catalão (PDeCAT), sucessor da antiga Convergência Democrática da Catalunha (CDC), e o Apelo Nacional pela República (CNxR), fundado e liderado por Puigdemont. 

O facto de este ter optado pelo exílio enquanto outros dos seus companheiros enfrentavam a prisão foi mal visto por vários setores do independentismo. 

Por outro lado, alguma desorientação estratégica na condução do “procès” e na gestão das suas consequências, de que a prisão e condenação de vários dirigentes independentistas são a face mais visível, levaram a formação a perder popularidade, tendo sido ultrapassada pela ERC como força dominante entre o nacionalismo catalão. 

Em abril, obteve 1,9% no conjunto de Espanha, elegendo 7 representantes. Na altura, os inquéritos de opinião previam um resultado inferior ao que a lista acabou por obter. Por isso, é com algum cuidado que olhamos para os atuais, que lhe atribuem entre 1,5% e 1,7% e a eleição de entre 6 e 7 deputados.

A Candidatura de Unidade Popular (CUP), formação da esquerda radical independentista pancatalanista, concorre pela primeira vez às eleições gerais espanholas. Defende a independência dos chamados Países Catalães num único Estado descentralizado, que incluiria, para além da Catalunha, a Comunidade Valenciana, as Ilhas Baleares, a faixa oriental de Aragão, o principado de Andorra e, ainda, a maioria do departamento francês dos Pirenéus Orientais, ou seja, praticamente todos os territórios onde se fala o catalão. 

Iniciou a sua ação política através da apresentação de listas às eleições municipais em várias localidades dessas Comunidades Autónomas, em ligação com vários movimentos sociais, com destaque para os campesinos e os ambientalistas, mas também feministas e LGBTQI. Afirma defender uma democracia participativa, baseada em assembleias populares, e o ecossocialismo. 

A partir de 2012, passou a concorrer às eleições para o Parlamento catalão. Na sua primeira aparição, elegeu três deputados, mas o seu maior êxito ocorreu em 2015, quando conseguiu 10 lugares. Porém, nas últimas eleições autonómicas, experimentou uma descida acentuada, dispondo, atualmente, de apenas quatro representantes. 

A sua participação nas eleições legislativas surge devido ao que considera ser uma situação de excecionalidade política, com o aumento da repressão e a criminalização do independentismo. Afirma, ainda, que a sua candidatura tem o propósito de evitar a formação de um governo no Estado espanhol, ao contrário do que pretendem, na sua opinião, a ERC e o PDeCAT. Daí o lema da sua candidatura: “Ingovernáveis”.

 Duas das três formações que, em abril, integraram a Frente Republicana, que obteve 0,4% dos votos e esteve perto de conseguir um mandato por Barcelona, apoiam, agora, a CUP. São elas o Povo Livre (PL) e os Piratas da Catalunha. 

As sondagens atribuem-lhe entre 1,0% e 1,3%, o que lhe pode valer a conquista de 2 a 4 lugares.

O Partido Nacionalista Basco (EAJ/PNV), de centro-direita, é a principal força nacionalista de Euskadi, que tem governado quase sem interrupção desde o fim do franquismo. De inspiração jesuíta e ideologia democrata-cristã, mostrou sempre alguma ambiguidade perante a luta armada conduzida pela ETA, num difícil equilíbrio que lhe permitiu manter pontes, tanto com o Estado espanhol como com o independentismo radical.

Mostra-se disponível para integrar uma solução governativa, tanto com o PSOE como com o PP (Vox à parte). Aliás, no Parlamento basco, o PNV governa com o apoio dos socialistas e as abstenções da UP e dos “populares”. 

O partido “congelou”, a reivindicação independentista e mostra-se, para já, satisfeito com a autonomia. Algo a que não será estranho o facto de Euskadi, tal como Navarra, ter visto reconhecidos os seus “foros” medievais, o que lhe permite reter os impostos que cobra, ao contrário do que sucede com a Catalunha, o que satisfaz a importante burguesia basca. 

Atualmente, após o fim do conflito armado, com o desarmamento da ETA, tem mantido um certo “low profile” na questão catalã, após uma tentativa falhada para protagonizar uma mediação do conflito entre Madrid e Barcelona. 

Em abril, obteve 1,5% dos sufrágios no conjunto de Espanha e 6 deputados. Agora, as sondagens atribuem-lhe um valor idêntico e os mesmos 6 eleitos.

A Unidade do País Basco (EH Bildu) é a principal formação da esquerda “abertzale” (independentista) basca. Pretende a independência dos sete territórios bascos (as províncias de Álava/Araba - incluindo o enclave de Treviño, atualmente integrado na província de Burgos (Castela-Leão) – Bizkaia e Gipuzkoa, bem como Navarra e os três situados no extremo sudoeste do território francês). 

Ao contrário do PNV, tem manifestado o seu apoio expresso aos independentistas catalães. Até porque o seu líder, Arnaldo Otegi, que teve um papel fundamental no fim da luta armada, se encontra inabilitado para o exercício de cargos públicos até 2021, após ter sido preso e condenado em 2011 por, alegadamente, tentar recriar o ilegalizado Harri Batasuna, considerado a face legal da ETA, num processo que mereceu fortes críticas do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos e manifestações de solidariedade em favor da sua libertação, ocorrida em 2016, após o cumprimento integral da pena. 

O facto de ser a principal força de oposição no Parlamento basco tem ajudado ao crescimento do EH Bildu. Nas eleições de abril, registou uma importante subida, obtendo 1,0% no conjunto do Estado espanhol, que lhe valeram a conquista de 4 mandatos, tendo, pela primeira vez, conseguido um eleito na província basca de Álava/Araba e outro em Navarra. 

Agora, segundo os inquéritos de opinião, deverá ficar entre 1,0% e 1,1%, podendo eleger entre 3 e 5 representantes.

Nas Canárias, as principais formações nacionalistas apresentam, desta vez, uma lista comum. Em abril, a autonomista e liberal-conservadora Coligação Canária (CC), aliada ao centrista e independentista Partido Nacionalista Canário (PNC), obteve 0,5% dos votos no conjunto do território de Espanha e 2 deputados, acima do seu anterior eleito solitário e da maioria das sondagens. Agora, junta a social-democrata e autonomista Nova Canárias (NCa), que se quedou, então, pelos 0,1%. Nos inquéritos de opinião, a sua cotação varia entre 0,5% e 0,7 %, o que lhe deverá garantir os mesmos 2 lugares.

Já o Partido Regionalista Cantábrico (PRC), de orientação social-democrata, obteve, em abril, 0,2% dos votos a nível nacional e conseguiu, pela primeira vez, aceder à representação parlamentar no Congresso dos Deputados, com 1 eleito. No mês seguinte, foi o mais votado nas eleições autonómicas cantábricas e o seu líder, Miguel Ángel Revilla, tornou-se presidente da região. Nos inquéritos, surge, sensivelmente, com a mesma percentagem, o que lhe deverá permitir manter o seu deputado.

Por seu turno, a coligação Navarra Mais (NA+) não é, verdadeiramente, uma força política regionalista, já que integra os ramos regionais do PP (e seus aliados da União do Povo Navarro, UPN) e dos C’s. Tudo indica que manterá os 0,4% dos sufrágios a nível nacional e os 2 mandatos conquistados em abril.

Há, ainda, a hipótese de o Bloco Nacionalista Galego (BNG) regressar ao Parlamento espanhol, havendo algumas sondagens regionais que lhe atribuem 1 mandato na circunscrição da Corunha.

Mais uma oportunidade perdida?

Olhando agora para os inquéritos de opinião na sua totalidade, nenhum dá a maioria a qualquer dos dois grandes blocos político-ideológicos: nem ao progressista (PSOE + UP + Mais País) nem ao direitista, conhecido nos meios da esquerda como o “trifachito” (PP + C’s + Vox). 

Por isso, e considerando a impossibilidade da direita se coligar com os independentistas catalães ou com a esquerda nacionalista basca e galega, apenas uma aliança entre a esquerda e alguns grupos independentistas poderia garantir a governação. Essa solução, quer na forma de coligação governativa, quer na de um acordo de incidência parlamentar, teria a virtualidade de poder resolver as duas crises que afetam a Espanha atual e fazer face a um eventual agravamento da situação económica e social:

a) a política, através de um pacto com vista à tomada de uma série de políticas progressistas, de onde constem: o combate ao desemprego (uma das maiores taxas da Europa, apesar da descida verificada) e à precariedade (um problema gravíssimo que afeta a maioria dos jovens espanhóis); o reforço dos direitos laborais, com o fim das medidas regressivas de Rajoy; o investimento na melhoria dos serviços públicos; a promoção do direito à habitação, terminando com os despejos; a exigência à banca para a devolução do dinheiro do resgate concedido pelo Estado; uma luta sem tréguas contra as alterações climáticas; uma reforma do Código Penal, que combata efetivamente os crimes contra as mulheres e todas as formas de discriminação e de exploração, bem como os atentados ambientais e o maltrato animal, e políticas de desenvolvimento regional, destinadas a combater o despovoamento e o declínio do interior, a chamada “Espanha vazia”;

b) a institucional, através da concessão de uma amnistia aos presos políticos catalães, reconhecendo que a questão catalã não é jurídica, mas política. Em troca, estes renunciariam a repetir o referendo independentista nos próximos anos. Mas iniciar-se-ia um diálogo entre Madrid e Barcelona no sentido de uma revisão do estatuto de autonomia num sentido mais favorável ao poder catalão. Este poderia abrir caminho, a médio prazo, à realização de um referendo pactuado, que garantisse à Catalunha o exercício do seu direito à autodeterminação. Porém, para isso acontecer, é necessário que, no Senado, o bloco da esquerda mais os independentistas e regionalistas garanta a maioria, já que o seu voto é essencial para o efeito. O que não está garantido!...

Claro que esta política encontraria forte oposição de uma direita cada vez mais nacionalista e centralista, bem como das classes empresariais, pelo que a sua implementação exigiria uma forte coragem e determinação política. Ora, Pedro Sánchez não parece para aí virado e recusa terminantemente uma aliança governativa com Pablo Iglesias, que, por sua vez, não abdica de participar no governo. Além de que o líder socialista não parece disposto a amnistiar os independentistas catalães, medida que suscitaria, por certo, fortes resistências, inclusivamente no seu próprio partido. 

Começa, assim, a falar-se da existência de um pacto secreto entre o PSOE e o PP, embora ambos descartem a possibilidade de uma “grande coligação” à alemã. O mais provável é que, em nome da defesa da estabilidade política e governativa, o PP se abstenha na votação da investidura de Sánchez, permitindo a passagem do seu governo minoritário à segunda tentativa. Não terá sido por acaso que o líder socialista já afirmou que a atual ministra da Economia, da ala direita do seu partido, será a vice-presidente do executivo. 

Só que essa fórmula será sempre instável, já que o mais provável é que, a partir do momento em que tenham sondagens mais favoráveis, os “populares” “tirem o tapete” a Sánchez, levando o país novamente às urnas. Além de que inviabilizará qualquer solução política para a questão catalã, correndo o risco de uma radicalização que, na Catalunha, tenderá a avivar o sentimento independentista (eventualmente extensível a Euskadi) e, no resto de Espanha, a reforçar o nacionalismo espanholista e a extrema-direita. 

Tudo indica, assim, que estas eleições constituirão mais uma oportunidade perdida. E que o Estado vizinho continuará a ser um país adiado…

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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