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Eleições em Espanha (2): As encruzilhadas de Sánchez…e não só

Feita, na primeira parte deste artigo, a análise dos números, é altura de analisarmos as perspetivas políticas para o país vizinho, no curto prazo, tendo em conta que, no próximo dia 26, haverá eleições europeias, autonómicas e municipais. Por Jorge Martins.
Pedro Sánchez
Pedro Sánches e Carmen Calvo. Foto Congresso dos deputados.

Algumas questões se colocam: Qual a composição do novo governo, tendo em conta a relação de forças saída das eleições de 28 de abril, confirmada ou não por esses outros atos eleitorais? Que pactos se farão nas diferentes autonomias? Qual o futuro imediato das diferentes forças políticas e respetivas lideranças? Haverá uma nova abordagem da questão catalã e dos nacionalismos periféricos, consagrando uma visão pluralista do Estado espanhol ou permanecerão a via repressiva e a perspetiva espanholista? É a elas que vou tentar responder, sendo que todas estão, de certa forma, ligadas.

As encruzilhadas de Sánchez

O PSOE tem consigo as “chaves do poder”, podendo seguir uma de três opções fundamentais, embora algumas possuam várias nuances.

A primeira seria um acordo com a esquerda e com os independentistas, autonomistas e regionalistas, com base na concessão de uma amnistia aos presos políticos catalães, em troca de estes “congelarem” as suas pretensões independentistas. Uma coligação deste tipo, que juntasse PSOE, UP e todos os outros grupos de base regional teria um amplo apoio de 201 deputados, menos nove que a maioria constitucional de 3/5.

Se, porventura, não fosse resolvida a questão catalã e a ERC e o JxCat ficassem de fora, as restantes forças políticas ainda garantiriam 179 parlamentares. Contudo, nessa eventualidade, os quatro do EH Bildu seriam cruciais para a manutenção da maioria, o que não parece muito possível. Desde logo, porque Sánchez não quereria governar dependendo do apoio da esquerda “abertzale” basca, numa altura em que ainda não se fecharam as “feridas” da luta armada da ETA. A forma como a direita se refere a Otegi e à sua formação, apelidando-os de “terroristas” e “etarras”, é disso sinal. Depois, porque não seria fácil à base de apoio dos radicais independentistas bascos suportar o que seria visto como uma traição aos catalães e, por tabela, aos próprios bascos, em troca de uma pequena fatia de poder em Madrid. Ora, nessa eventualidade, 175 votos podem chegar para a investidura (se algum deputado oposicionista se abstiver), mas não chegam para fazer passar o orçamento.

Outra hipótese possível, embora muito pouco provável, seria um governo de todas as esquerdas, com o apoio de PSOE, UP, ERC, EH Bildu e Compromís, que teria assegurado o apoio de 185 deputados. Mas o líder socialista não está para aí virado, até porque teria uma forte oposição de todos os grandes poderes da sociedade espanhola, tanto dos interesses económicos como da Igreja Católica, do poder judicial, dos militares e da própria monarquia. Teria, ainda, de enfrentar alguns barões regionais do seu próprio partido, hostis aos independentistas, a par com a desconfiança, quando não a hostilidade, das instituições europeias. Seria necessária muita vontade de governar à esquerda e uma grande coragem política e Sánchez não parece ter nem uma nem outra.

Em qualquer dos casos, há ainda que saber se o UP integraria o executivo ou apenas assinaria um acordo de incidência parlamentar. Na noite eleitoral, Iglesias minimizou os maus resultados da sua formação nas urnas e mostrou-se disponível para participar num governo de coligação, apoiado pelos independentistas. Contudo, Sánchez deu a entender que pretende governar sozinho.

A outra opção seria um acordo ao centro entre o PSOE e os C’s, que asseguraria 180 votos no Congresso. É a solução preferida dos principais interesses económicos, do setor financeiro às confederações empresarias, e que os seus “peões” na comunicação social declaram ser a mais estável e que garante a maior credibilidade externa ao país. Já ouvi isto em qualquer lado!...

Contudo, na noite das eleições, a maioria dos militantes socialistas que se concentrou para festejar a vitória, frente à sede nacional do partido, em Madrid, interrompeu frequentemente o discurso do líder, aos gritos de “Con Rivera, no!... Para além da hostilidade das bases a esse tipo de acordo (coligação ou apoio parlamentar é irrelevante para o caso), há ainda a considerar as péssimas relações pessoais entre Sánchez e Rivera, que quase se insultaram durante a campanha. Este último revelou, aliás, que queria liderar a oposição e prometeu que só governaria com a direita, falando mesmo em “cordão sanitário” face ao PSOE, ao UP e aos independentistas, mas, curiosamente, não ao Vox. Por isso, essa solução não será fácil de implementar, mas as pressões para que ela se concretize são muitas e todos sabemos que, em política (e não só, já agora!...), é frequente o que é verdade hoje ser mentira amanhã e vice-versa.

Por fim, resta a Sánchez uma terceira opção: a possibilidade de formar um governo minoritário, buscando apoios alternados à esquerda e à direita, o que, desde logo, lhe permitiria contornar os independentistas. Nessa eventualidade, poderia ser investido à segunda tentativa, com o apoio da CCa e do PRC e a abstenção do UP, dos C’s e do Compromís, mas teria apenas uma maioria de dois lugares (126-124). Contudo, é pouco provável que o PNV vote contra essa solução, pelo que o atual primeiro-ministro poderia ser investido com um pouco mais de conforto com a sua abstenção (126-118) ou, até, com o seu voto favorável (132-118). Recorde-se que os nacionalistas bascos governam com o apoio dos socialistas em Euskadi. Entretanto, alguns setores da “direita dos interesses” já vieram pedir a PP e C’s que se abstenham para deixar o PSOE governar sozinho, sem quaisquer alianças à esquerda. Para eles, o UP é o “diabo”!...

Falta saber com quem aprovaria o orçamento, sendo que, aí, teria de definir-se: ou com os C´s ou com a UP e o independentismo. Da sua vontade de resolver a questão catalã e da relação de forças no seio do PSOE e na sociedade dependeria a sua escolha. O problema é que, do ponto de vista aritmético, a primeira é mais fácil, já que basta pactuar com uma força política e não com várias, como exigirá a segunda.

Ou seja, Sánchez ganhou as eleições e reverteu o declínio do PSOE, que parecia condenado ao destino de outras formações social-democratas europeias. Porém, ficou numa encruzilhada e o caminho que seguir será determinante, não apenas para o seu futuro e o do seu partido, mas também para o de Espanha no seu conjunto.

Casado a prazo, Feijóo na calha?

Por seu turno, o PP ainda “lambe as feridas” da derrota e tudo indica que a liderança de Casado está a prazo. Provavelmente, só não se demitiu porque há europeias, autonómicas e municipais no próximo dia 26. Mas as “caras de enterro” dos que o rodeavam na noite eleitoral eram por demais evidentes.

Acresce ainda a frase “assassina” do presidente galego, Alberto Núñez Feijóo, declarando-se “chocado com os resultados”. Lembrando, de seguida, que, na Galiza, o partido se aguentou melhor que no resto do país, criticou a viragem à direita da direção nacional.

Não por acaso, no dia seguinte, esta, que tanto “namorara” o Vox durante a campanha, veio acusar a formação de Abascal de ter tirado deputados aos “populares” em favor dos socialistas (o que não deixa de ser verdade, dado a mecânica do sistema eleitoral e a pequena magnitude da maioria dos círculos) e classificou-o como partido da extrema-direita antieuropeia, que nada terá a ver com o PP (alô, Nuno Melo!...).

Feijóo encontra-se confortável à frente da Galiza, mas é muito provável que tenha ambições nacionais. Afinal, Fraga Iribarne e Mariano Rajoy, os dois líderes que mais tempo estiveram à frente do partido, também eram galegos. E, face ao descalabro eleitoral de 28 de abril, não será difícil fazer melhor.

A questão que se coloca é saber se o partido recupera o seu papel como principal polo da direita espanhola, ou se se afunda, entalado entre os C´s (ao centro) e o Vox (na extrema-direita).

O dilema de Rivera

Os C’s conseguiram um bom resultado, mas resta saber o que fará Rivera com ele. Para já, tem duas opções, sendo que uma delas não depende dele e a outra pode ter um efeito contrário ao pretendido.

Na primeira, poderá ser tentado a fazer um pacto de governo com o PSOE, como forma de aceder ao poder a nível nacional. Sofrerá pressões internas e, sobretudo, externas, para se aliar aos socialistas, evitando que estes derivem para a esquerda. E, entre os seus apoiantes e financiadores está gente ligada ao setor financeiro. Contudo, nestas eleições, a maioria do seu eleitorado é proveniente da direita e, nessa eventualidade, poderá desiludir-se com os Cidadãos e voltar ao PP, se este mudar de liderança, invertendo a deriva direitista que vinha experimentando nos últimos meses e afastar algumas figuras mais ligadas a Rajoy e à corrupção.

Na segunda, que parece, neste momento, mais provável, o líder dos C’s deseja liderar a oposição, aproveitando o mau momento do PP. Porém, apesar de ter ficado a 0,8% dos “populares”, falhou o “sorpaso” (ultrapassagem) a estes e pode acontecer-lhe o mesmo que ao UP relativamente ao PSOE. A verdade é que o partido “pepero” é, ainda, a maior força política da direita espanhola e possui uma organização territorial mais consolidada, com vários caciques regionais e locais, além de ter um tipo de eleitorado, que, por ser mais rural e idoso, será mais fiel, enquanto o da formação de Rivera, mais jovem e urbano, tenderá a ser mais volátil.

Há, ainda, que ter em conta a relativa desilusão na Catalunha, onde, sob a liderança de Inés Arrimadas, conseguiu um brilharete nas últimas autonómicas, nas quais foi o mais votado. Com ambições nacionais, aquela abandonou o Parlamento catalão e encabeçou a lista de Barcelona ao Congresso, mas o C’s pouco cresceu, tendo ficado com metade dos votos do PSOE e perdendo para este a liderança do campo anti-independentista. Mesmo considerando que são eleições de natureza diferente, este desfecho causou algum mal-estar na estrutura catalã do partido. Arrimadas, até aqui uma estrela em ascensão no partido, sofreu um percalço, embora este, só por si, não deva comprometer o seu futuro político.

Iglesias faz “boa cara a mau jogo”

No UP, Iglesias, para já, sobreviveu, pois, apesar do mau resultado, não se concretizaram as piores previsões e o partido pode continuar a tentar condicionar o poder. Daí a insistência de Iglesias, na noite eleitoral, na disponibilidade da sua formação em integrar um governo de coligação com o PSOE, apoiado nos independentistas. Mas, mesmo na hipótese mais provável de não o conseguir, já que Sánchez não mostrou grande entusiasmo com a ideia de partilhar o executivo com o seu potencial aliado à esquerda, a celebração de um acordo parlamentar que viabilizasse uma “geringonça” à espanhola seria vista como positiva pelo líder “podemista”.

Contudo, se houver um pacto ao centro entre PSOE e C’s, o UP voltará a ser irrelevante para a governação e regressará à sua vocação original de força de protesto. Resta saber o que pensarão disso os militantes, em especial os mais críticos, sabendo que estamos em presença de uma formação bastante plural, com várias tendências ideológicas no seu interior e várias confluências regionais, assentes em alianças de várias forças políticas, e que dá especial atenção à sua base militante.

As próximas europeias e, em especial, as autonómicas de Madrid poderão ser cruciais para o futuro da formação, embora a liderança de Iglesias não pareça, para já, estar em risco. Contudo, se os resultados da aliança com Manuela Carmena, a “alcaldesa” da capital, forjada por Errejón, na plataforma Más Madrid, se revelarem mais positivos que os do resto do país, pode acontecer que a luta entre aquele e o líder, que este último venceu, claramente, na mais recente assembleia cidadã, tenha novos capítulos. E a verdade é que os atos eleitorais do dia 26 serão um teste difícil, pois as eleições anteriores efetuaram-se em 2015, numa altura em que o Podemos estava em alta, o que não é, manifestamente, o caso neste momento, pelo que se anteveem perdas em todo o território, mais ou menos significativas. Contudo, a atitude de Errejón, de pactuar com Carmena à revelia da direção partidária, não caiu bem em muitos setores do Podemos e pode acontecer que aquele acabe por não ter condições políticas para continuar no partido.

A extrema-direita veio para ficar?

O Vox atingiu o seu objetivo de se tornar uma grande força nacional, embora os resultados não tenham confirmado as elevadas expectativas das sondagens. Com uma expectável viragem do PP ao centro e com menores taxas de participação, é possível que o partido ainda possa crescer, condicionando, ainda mais, as posições da direita e, mesmo do PSOE, em especial na parte referente aos nacionalismos periféricos e às políticas de imigração.

Tudo indica que entrará em muitos Parlamentos autonómicos e municípios, podendo, mesmo, vir a dirigir alguns. Esse é o teste decisivo: se alguns dos seus elementos forem apanhados em práticas corruptas e clientelares ou em administrações incompetentes, é provável que o “balão” se esvazie rapidamente ; caso isso não suceda, então, a extrema-direita, em Espanha, terá vindo para ficar.

Abascal é, para já, o líder incontestado da formação, mas não é muito provável que, à medida que esta vai crescendo, surjam diferentes ambições e divergências ideológicas e/ou metodológicas que possam fraturar o partido e provocar eventuais cisões.

Veremos, ainda, se, numa eventual hipótese de regresso da direita ao poder, não acabará penalizado pelo “voto útil” no PP ou se, tal como a FN (agora, RN) em França será imune a esse “canto de sereia” da direita clássica.

A luta surda no seio do independentismo catalão

O aumento do apoio às formações independentistas e regionalistas, em especial na Catalunha e em Euskadi, mostraram que elas são incontornáveis e provam, como lucidamente concluiu Iglesias na noite eleitoral, que a Espanha é um país plural, ao contrário do que defende a direita espanholista mais radical. Por isso, se dúvidas houvesse, as urnas mostram que é essencial o diálogo entre o governo central e os nacionalismos periféricos.

No caso catalão, a ERC tornou-se a força política dominante do independentismo, destronando as formações de centro-direita, que pilotaram a autonomia até ao início da década, derivando, entretanto, para o independentismo. O seu líder, Oriol Junqueras, apesar de preso, tem dando mostras de moderação, procurando federar, a partir da esquerda, alguns setores mais moderados do campo soberanista. Conseguirá ele arrancar de Sánchez a amnistia, mesmo em troca de deixar cair, no imediato, a reivindicação independentista, correndo o risco de ser considerado traidor pelos mais radicais? Tudo dependerá do primeiro-ministro e da existência de uma relação de forças que torne vantajoso para ele dar esse passo, compensando os riscos políticos a ele associados.

À direita, a notícia da morte política de Puigdemont revelou-se “manifestamente exagerada” e o resultado conseguido pelo JxCat, apesar de todos os problemas que a candidatura enfrentou, mostra que este se mantém popular entre vários setores independentistas. A presença de Jordi Sànchez e outros membros do seu governo, atualmente na prisão, permitiu-lhe limitar os danos.

Para já, há uma luta surda entre os dois campos para liderar o processo independentista. O radicalismo dos JxCat, face à relativa moderação da ERC, revela quem está por baixo e por cima entre os defensores da independência.

O nacionalismo basco está mais discreto, mas consolida-se

Pelo contrário, em Euskadi é a direita que domina o campo independentista, com o PNV, que lidera um governo autonómico minoritário em coligação com o PSOE, a manter-se como força hegemónica no seu seio, apesar da subida da EH Bildu.

Na noite eleitoral, Otegi somou os eleitos desta última aos da ERC, afirmando que “havia não quatro, mas 19 deputados das esquerdas independentistas no Congresso”, o que foi lido como uma hipótese de radicalização da posição da esquerda “abertzale”, aproveitando o processo catalão. Contudo, os bons resultados que obteve nestas eleições devem levá-lo, muito provavelmente, a manter uma trajetória de alguma moderação.

Tudo “nas encolhas” até dia 26

Para já, tudo ficará “em banho-maria” até ao dia 26. Até lá, as principais forças políticas optarão por manter a ambiguidade, evitando assumir escolhas que as possam penalizar eleitoralmente.

Após as europeias, autonómicas (exceto nas quatro comunidades históricas e na Comunidade Valenciana, que as realizou em simultâneo com as legislativas) e municipais tudo ficará mais claro. Aí, “afiar-se-ão as facas” nas forças políticas derrotadas e a Espanha terá um novo governo. À esquerda ou ao centro, lá para junho se saberá.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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