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É fácil culpar o Partido Democrata pela vitória de Trump – Mas a realidade é bem mais complexa

Thomas Frank e outros membros lamentam que o partido tenha preferido Clinton a Sanders, sem requerer a aprovação dos eleitores Democratas. Artigo de Nancy Folbre, In These Times.

Porque é que Trump ganhou? Muitos intelectuais liberais que apoiaram Hillary Clinton nas primárias do Partido Democrata, como Paul Krugman, culpam o Partido Republicano. E muitos intelectuais de esquerda que apoiaram Bernie Sanders, como Thomas Frank (autor de Listen, Liberal), culpam o Partido Democrata.

Nenhuma das responsabilizações atribuídas a ambos os partidos convence por inteiro. Ambas ignoram a transversalidade identitária, e as posições e interesses por vezes contraditórios que vulnerabilizam a “coligação” Democrata.

Tal como muitos dos meus amigos, também eu quis que Bernie Sanders tivesse ganho e conseguido a nomeação do Partido Democrata, em vez de Hillary Clinton. Mas não foi isso que aconteceu e deveríamos questionar-nos seriamente porquê.

Na visão de Thomas Frank, os “dirigentes Democratas” escolheram Clinton. Mas se a memória não me trai, os votantes nas primárias também a escolheram. Custa-me um pouco a acreditar que o establishment do partido seja tão hegemónico quanto Thomas Frank sugere. Manifestamente, ao poder instituído do Partido Republicano faltou força para obstruir Trump. E o poder instituído do Partido Democrata também agitou a maré da campanha de Sanders. Mas não com força suficiente para fazê-la simplesmente afundar.

O revés de Bernie Sanders tem motivações profundas, enraizadas. Sanders nunca conseguiu obter apoio suficiente dos eleitores negros ou hispânicos, que são factor-chave na “federação” Democrata. Poder-se-ia dizer que ele merecia o apoio desse eleitorado, baseando esse simples raciocínio nas suas políticas assumidamente socialistas e no histórico das suas votações – essencialmente progressistas – no Senado. Mas na ânsia em bater na tecla da desigualdade de rendimentos, acabou por se focar muito pouco na discriminação com base na raça e no género, na violência policial, na imigração e nas políticas viradas para a família. Também não se vinculou à popular presidência de Obama, contrariamente ao que fez Hillary Clinton.

Como consequência, falhou em obter visibilidade entre os eleitores de cor/o eleitorado não-branco, bem como na mobilização do eleitorado feminino.

O que teria acontecido ao apoio a Sanders por parte dos eleitores brancos sem formação académica superior se ele antes se tivesse debruçado mais abertamente sobre as questões de raça, de imigração ou de género? Nunca teremos a resposta a esta pergunta. Mas a popularidade de Trump sugere que muitos eleitores brancos sem formação superior estão perfeitamente à vontade com as suas visões racistas e misóginas; possivelmente ter-se-iam afastado de Sanders se este tivesse promovido uma alternativa explicitamente progressista.

Thomas Frank ignorou ainda diferenças com base nas questões de género e de raça patentes no voto presidencial. Sondagens à-boca-da-urna indicam que Trump conquistou 53% do voto masculino contra 41% para Clinton; Clinton colheu 54% do voto feminino contra 42% para Trump. Filtrando o voto com base na questão da raça, as diferenças tornam-se ainda mais flagrantes: Trump teve apenas 8% do voto negro enquanto Clinton teve 88%. E o cruzamento destes dois factores é fácil de antever: Clinton obteve 93% dos votos por parte de mulheres negras, mas apenas 80% dos homens negros.

O apoio a Trump não se pode resumir à insatisfação popular para com as políticas económicas neoliberais, embora esse seja um dos fatores. Diversas franjas do eleitorado americano definem as suas preocupações políticas em conceções que se distanciam da tradicional ênfase da esquerda disposta em matéria de rendimento, riqueza e classe.

Precisamos de nos perguntar porque é que estas divisões ainda persistem e de que forma podem ser superadas, mesmo que as respostas que encontremos subvertam as ideias pré-concebidas de solidariedade entre classes: por exemplo, muitos brancos queixam-se das políticas públicas que auxiliam pessoas negras de baixos rendimentos. E muitos homens não gostam da ideia de acatar ordens vindas de uma mulher de sucesso mais velha.

A esquerda do Partido Democrata, representada pelos senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren (entre outros), constitui uma importante muralha contra a ofensiva Republicana que se avizinha.

Esta muralha terá de ajudar a resolver não apenas as divisões políticas tradicionais, mas também aquelas baseadas na raça, etnia, nacionalidade e género. Irão precisar de uma estratégia política de construção de coligações que transcenda o simples desprezo pelos liberais do sistema.

Tradução de Hugo Arsénio Pereira.

Artigo publicado em In These Times.

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