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E agora, João Galamba?

Apesar da feroz oposição das empresas, os cortes nas rendas excessivas evitaram um aumento de 8% da fatura da luz em 2019. Em dezembro deste ano, já com o Orçamento aprovado, a fatura ainda descerá pelo menos 5%. A questão é saber se o PS quer ficar-se por aqui. Na energia, muitos privilégios e injustiças estão por corrigir. Artigo de Jorge Costa.
O primeiro momento público do novo secretário de Estado da energia foi um evento da EDP, onde o ministro definiu a questão das rendas excessivas como “fruta da época” e justificou a escolha de João Galamba: “complementa o meu saber”. Foto: Lusa.

Esta legislatura interrompeu um ciclo de descontrolo no setor elétrico. Em vez de continuados aumentos anuais de 3%, a tarifa estabilizou e, em 2019, haverá condições para uma redução de 5%; o acordo inicial entre o Bloco e o PS garantiu que os consumidores mais desfavorecidos, 800 mil, tivessem acesso automático ao desconto de uma tarifa social reforçada; foram evitadas novas formas de renda garantida no setor. Parece pouco e é pouco, mas é também uma enorme diferença face a anteriores governos do PS e da direita.

Quebrando o tabu das rendas excessivas

Este resultado foi possível graças a um conjunto de medidas, algumas delas propostas pelo Bloco: a suspensão sine die do subsídio de garantia de potência pago às elétricas (a própria REN assegura que não há qualquer risco de apagão); as restrições ao subsídio de interruptibilidade recebido pela indústria grande consumidora de eletricidade, pago por um serviço que nunca foi utilizado (e que, em casos entretanto eliminados, era até tecnicamente inviável); a recuperação de 125 milhões para os consumidores pelo acerto de contas dos CMEC, que foi trazido ao controlo público, na ERSE (a lei atribuía o cálculo desse acerto às partes interessadas, EDP e REN); a devolução por produtores eólicos de 140 milhões recebidos num esquema de subsídio duplicado; a decisão do secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, entretanto remodelado, de anular as decisões políticas que conferiram à EDP, no regime CMEC, vantagens adicionais (devolução aos consumidores de 285 milhões de euros, cobrados indevidamente entre 2007 e 2014); a redução das taxas de remuneração das redes da REN e da EDP Distribuição.

Esta redução de custos compensou, na fatura dos consumidores, a forte alta do preço da componente energia. Sem estas medidas, que renderam ao anterior secretário de Estado a animosidade das grandes elétricas, a fatura teria um aumento de pelo menos 8% em 2019, como resulta das contas da ERSE.

Muitos dossiers em aberto

Apesar destes avanços, a fatura continua injustamente inchada. O principal contributo é do IVA a 23%, uma taxa recorde na Europa e que o próprio PS atacou, pela voz do deputado João Galamba, quando foi imposta pelo governo PSD/CDS. O que fará o Secretário de Estado João Galamba com o nível recorde de tributação da eletricidade existente em Portugal, que tão justamente criticou? Na proposta de Orçamento, a redução do IVA está ainda limitada à parte da potência contratada até 3,45 kvA. O Bloco proporá na especialidade do Orçamento uma modesta correção a esta limitação, para permitir que sejam abrangidos os consumidores de potência contratada até 6,9 kvA, patamar usado na atribuição da tarifa social da eletricidade.

João Galamba tem sobre a sua secretária dossiers pesados para gerir. Não só a litigância promovida pela EDP contra as decisões já referidas, mas também processos por concluir e que podem ser críticos para enfrentar potenciais aumentos de fatura no ano que vem. É o caso dos 73 milhões de euros que estão por cobrar à EDP pela manipulação do mercado de serviços de sistema. E há ainda um elefante à espera de saltar para a fatura dos consumidores em 2021: a tarifa de 74€/Mwh que foi assegurada às eólicas por sete anos adicionais, anos em que deveriam estar a vender ao preço do mercado, conforme contratado. João Galamba tem de assumir se este favor às elétricas, feito pelo governo anterior, é para corrigir ou se, ao invés, a sempre invocada “estabilidade contratual” não se aplica quando defende os consumidores.

Quanto ao que está para trás - CAE, CMEC, barragens, Sines -, a tal “fruta da época” que aborrece o ministro Matos Fernandes, a Comissão Parlamentar de Inquérito produzirá conclusões e recomendações que, por muito inoportunas que soem aos rentistas, podem vir a exigir medidas de defesa do interesse público e dos consumidores. Terá coragem para as implementar? Reagirá ao relatório que a ERSE acaba de apresentar, onde demonstra mais uma vez que “os produtores com remuneração garantida estão tendencialmente sobrecompensados”?

O grande desafio para qualquer responsável do governo pela pasta da energia é garantir independência face aos grandes poderes privados do setor e ser capaz de os contrariar em nome do interesse público. O Bloco não esteve sempre de acordo com o anterior secretário de Estado Jorge Seguro Sanches, agora remodelado. Mas reconhece que em vários momentos ele passou naquele teste. Com o secretário de Estado João Galamba, temos a mesma vontade de colaboração que permitiu alguns dos avanços realizados até agora. Assim demonstre a sua independência, porque está quase tudo por fazer.

Post scriptum: outro dossier pesado é o do Plano de Energia e Clima para 2020-2030, que deve motivar um debate aberto sobre a estratégia portuguesa de transição para as renováveis e redução de emissões. Este será tema do próximo artigo

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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