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"Diversidade é uma enorme riqueza da sociedade portuguesa, mas não é reconhecida"

Os afrodescendentes contribuem para a riqueza da sociedade portuguesa a todos os níveis, mas falta reconhecimento ao seu contributo, afirma Beatriz Dias. Em entrevista ao esquerda.net, a candidata do Bloco por Lisboa reflete sobre os desafios da luta anti-racista em Portugal.
Beatriz Dias. Foto de Tota Alves.
Beatriz Dias. Foto de Tota Alves.

Beatriz Dias, 48 anos, professora e ativista anti-racista, é candidata em terceiro lugar na lista do Bloco de Esquerda de Lisboa às eleições legislativas. Na primeira de uma série de entrevistas a candidatos do Bloco a São Bento, a divulgar aos sábados, Beatriz Dias reflete sobre os motivos que a levaram a abraçar o desafio, a riqueza da diversidade que existe na sociedade portuguesa mas que não é reconhecida, e os contributos que o movimento anti-racista e negro pode dar para esse reconhecimento, em direção a uma sociedade mais justa e igual.

P: Porque aceitaste estar na lista do Bloco?

Aceitei integrar a lista do Bloco para poder participar numa transformação social que está em curso em Portugal. Vivemos um momento em que o movimento negro em Portugal conseguiu amplificar as suas demandas e as suas reivindicações e colocá-las com mais capacidade no espaço público. Acompanhar este momento histórico, estas reivindicações, estando num espaço onde possa haver proposta política colocando uma agenda antirracista no Parlamento, era algo muito relevante. Nesse sentido, achei que integrar a lista do Bloco de Esquerda por Lisboa poderia criar um espaço para esta reivindicação, para que houvesse um deputado com uma agenda antirracista que pudesse amplificar o que são as reivindicações das negras e dos negros em Portugal.

P: Numa perspetiva emancipatória, qual a importância da recolha de dados étnico-raciais?

Portugal precisa de conhecer qual é a sua composição étnico-racial. Nós vivemos numa sociedade diversa, essa diversidade é facilmente verificada no espaço público. Existem várias pessoas com diferenças fenotípicas marcadas, várias formas de falar português. Existe uma diversidade enorme na sociedade portuguesa e essa diversidade é uma grande riqueza. No entanto, esta diversidade não é reconhecida. Existe uma hegemonia branca, existe uma ideia de uma homogeneidade na sociedade portuguesa que se pensa e que se interpreta e se projeta como sendo uma sociedade essencialmente, ou exclusivamente branca. Todos os outros, todas as outras pessoas que vivem em Portugal que pertencem às comunidades racializadas são consideradas como sendo estrangeiras.

Isto é muito mais evidente para os afrodescendentes e para os imigrantes que adquiriram a nacionalidade portuguesa. E por afrodescendentes refiro-me às negras e aos negros portugueses e imigrantes que vieram para Portugal e adquiriram a nacionalidade portuguesa. Há uma dissonância, há uma descoincidência entre o que é a sociedade portuguesa e a forma como ela é interpretada e percecionada. Precisamos de reconhecer essa diversidade, precisamos de recolher estes dados. Ou seja, a pergunta sobre a origem étnico-racial deve ser incluída nos censos precisamente para nós podermos conhecer a diversidade e termos uma fotografia muito mais ampla do que é a sociedade portuguesa. A segunda parte desta necessidade, é a necessidade de ter políticas públicas que corrijam as desigualdades.

P: És professora no ensino secundário. O que é preciso mudar na escola pública?

As escolas são um território, um campo de disputa muito importante, e também um campo de transformação. É na escola que estão todos os jovens, independentemente da sua proveniência étnico-racial, da sua classe social. A escola é, na minha opinião, o lugar privilegiado para uma intervenção no sentido de uma transformação social, para a transição para uma sociedade antirracista. Nesse sentido, precisamos na minha opinião de implementar um conjunto de medidas que potenciem essa transformação.

O primeiro gesto passa por fazer uma revisão do modo como a história e a memória é construída. Precisamos de alargar o âmbito de análise das narrativas que são veiculadas na escola: o que é que aprendemos na escola, como é que aprendemos, que memórias são contadas, que memórias são construídas. E aí temos de alargar o olhar. É preciso descontrair alguns mitos da identidade nacional, que são construídos e reificados na escola, nomeadamente o mito do colonialismo português como brando e suave, o mito de que a expansão marítima foi um empreendimento benigno que ampliou o conhecimento do mundo, de que foi um conhecimento eminentemente científico, de que foi uma capacidade tecnológica que os portugueses desenvolveram e a partir daí conseguiram chegar a outros territórios.

É preciso mostrar o avesso dessa história, contar o que é que esse empreendimento imperialista — ou seja, esta atividade económica e desenvolvimento tecnológico sobre os ombros das civilizações — sobre que civilizações é que este empreendimento foi construído. Foi com o comércio de pessoas escravizadas, foi com a destruição e o não-reconhecimento da importância de civilizações de territórios que eram ocupados, que tinham sua população, a sua cultura. A população daqueles territórios tinha a sua cultura, tinha a sua mundivisão, a sua cosmologia e formas de interpretar o mundo. Essa história precisa de ser contada. É preciso contar o que existia nos locais onde os portugueses chegaram.

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