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Direita madrilena lança caos nas urgências pré-hospitalares

“Caos”e “desastre”. Estes são os qualificativos utilizados repetidamente por jornais como o El País e o Público espanhol para designar o processo de reabertura dos serviços de urgência dos cuidados de saúde primários na comunidade de Madrid após o polémico encerramento por perto de dois anos durante a pandemia.
No final de junho, Isabel Diaz Ayuso, a presidente da Comunidade, do Partido Popular, desautorizou publicamente o seu conselheiro de saúde, Enrique Ruiz Escudero, que tinha anunciado que apenas reabririam 17 dos 37 serviços de urgência fechados, contrapondo que afinal iriam todos reabrir.
Só que o plano passava por reabrir com cerca de metade do pessoal que tinham antes. A remodelação do serviços passou por juntar os 41 Serviços Rurais de Cuidados (SAR) com os 37 Serviços de Urgências de Cuidados Primários (SUAP) chamando-lhes Centros Sanitários 24 horas. E onde antes trabalhavam 360 médicos, passaram a ser apenas 210. Os médicos dos antigos SUAP tinham sido entretanto distribuídos por outros serviços.
A reabertura que se realizou no final do mês passado ficou por isso marcada pela confusão com 57% dos médicos 40% do restante pessoal a meter baixa no primeiro dia por “incapacidade temporária, por situações pessoais de diferente índole ou por licenças solicitadas por questões familiares” face à carga de trabalho exagerada que lhes foi exigida e às mudanças de horários e de local de trabalho à última hora, inclusive no próprio dia. Médicos, enfermeiros e outro pessoal têm revelado publicamente desde então as mensagens de e-mail que lhes vão chegando das autoridades sanitárias regionais, muitas de madrugada, a notificá-los de novos horários e locais de trabalho para o dia seguinte.
No primeiro dia do novo sistema 43 dos centros de saúde não tiveram nem um médico disponível. E, depois disso, há baixas que se vão mantendo, ao mesmo tempo que pelo menos 30 já se despediram por causa da instabilidade permanente a que estão sujeitos.
Como resultado deste processo, a direção da rede dos centros de saúde do sudeste de Madrid demitiu-se em bloco, assim como uma dezena de membros da direção de saúde regional, entre os quais três diretores gerais, dois gerentes, um gerente adjunto e um vice-conselheiro.
Os médicos iniciaram esta segunda-feira uma greve por tempo indeterminado por convocatória do sindicato Amyts e fizeram no mesmo dia uma concentração junto com outros profissionais de saúde afetados.
“Boicote”, “falta de médicos” e teleconsultas, a direita continua sem resolver a crise
O governo regional de direita começou por responder com o discurso de que tudo se tratava apenas de uma campanha orquestrada pela esquerda e pelos sindicatos. Ayuso declarou na Assembleia de Madrid: “cada vez que a esquerda está mal neste Comunidade recorre à saúde pública porque apenas sabem viver de semear o terror e e medo entre os cidadãos, a começar pelos mais velhos e pelos mais necessitados”.
Só que face ao avolumar de problemas, e com onze dos centros permanentes fechados no domingo e mais 25 sem médicos, anunciou no dia seguinte a segunda alteração consecutivo ao seu plano sobre as urgências que passa agora por colocar 34 dos centros de saúde que deviam estar abertos durante 24 horas a fazer atendimento por videoconsultas em parte desse tempo.
Os sindicatos da saúde responderam com indignação. A central sindical Comisiones Obreras fala num “aumento do risco” porque as urgências necessitam de uma “atenção presencial”. Outra das centrais sindicais, a UGT, acrescenta que esta é “enésima barbaridade” feita por esta gestão e “uma fuga em frente”. Os enfermeiros organizados no Satse revelam estar em “desacordo que as enfermeiras fiquem sem o apoio médico necessário”. E os médicos do Amyts consideram que isto é “absolutamente inviável” e questionam o governo regional se há algum acordo com empresas privadas para o atendimento telefónico de pacientes.
O governo do estado espanhol responde contra-atacando
A dirigente do Partido Popular tem usado o governo de Madrid para atacar o governo do PSOE/Unidas Podemos. E o governo espanhol que habitualmente não se pronuncia sobre gestões autonómicas decidiu finalmente pronunciar-se. Carolina Darias, ministra da Saúde, chegou na terça-feira armada de gráficos e tabelas à conferência de imprensa depois do Conselho de Ministros para desmentir Ayuso que se justificara com a falta de médicos no mercado de trabalho. O governo espanhol contrapõe que houve um erro de planificação do governo autonómico que cortou no número de médicos contratados quando noutras regiões houve aumentos.
Para a governante, o executivo faz “um grande esforço” para “reverter os cortes que o PP fez”. E vê que ao passo que por todo o país há “um esforço para incrementar os médicos de família”, ao passo que Madrid é exceção.
O último braço de ferro são os cortes de impostos regionais em Madrid enquanto se exige mais dinheiro do Estado central. A ministra das Finanças, María Jesús Montero, alega que não têm faltado verbas a chegar às autonomias e que para 2023 há um aumento de financiamento de 24%. Por isso, “o mal-estar em alguns territórios deve-se a outros motivos e não a que haja um financiamento que os impeça de desenvolver as suas competências”.
A maré branca contra o caos
Já o “mal-estar” dos médicos em Madrid parece generalizar-se. De acordo com um inquérito do Observatório de Saúde Mental do Colégio de Médicos de Madrid, perto de 92% dos médicos de saúde primária e urgências extra-hospitalares dizem ter sofrido ou estar a sofrer um esgotamento emocional, 86% síndrome de despersonalização, ou seja perda de empatia por colegas e pacientes, e 73% um baixo sentimento de realização pessoal.
Face a tudo isto, a “Maré Branca” volta a congregar-se. Os grupos de defesa da saúde pública que se têm mobilizado nos últimos anos por todo o país assumiram este nome para se juntarem às “marés” de outros setores profissionais e frentes de movimentos sociais. No próximo domingo, saem à rua em Madrid sob o lema “uma saúde 100% pública, universal e de qualidade”, sublinhando que esta é a comunidade com maior rendimento per capita” mas a que “menos dinheiro investe em Cuidados Primários, a que menos dinheiro gasta por habitante e a que menos centros de saúde tem por 100.000 habitantes”.
Para eles, está em andamento um “plano de destruição dos Cuidados Primários de Saúde” que “potencia o modelo de colaboração público privada”. Uma gestão que faz com que “em cada dois euros orçamentados na saúde pública em Madrid, um acabe em bolsos privados”.
Claro que também a “caótica desorganização das Urgências dos Cuidados de Saúde Primária” está no centro das atenções. Denunciam que “foram dinamitados os 40 centros rurais de cuidados para cobrir a abertura, precipitada e sem pessoal, dos 37 serviços de urgências urbanos, fechados desde março de 2020 sem nenhuma justificação”.
Uma reorganização que “atenta contra os direitos laborais dos trabalhadores e contra a segurança dos cidadãos, sem cobrir com médicos os centros de urgência e tentando suprir a relação terapêutica com videochamadas.
Exige-se um aumento de investimento na saúde até aos 25%, a revogação das leis que permitem a privatização da saúde, mais contratações e contratos estáveis.
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